Crime de responsabilidade

Para analistas, processo de impeachment contra Bolsonaro ainda não é viável politicamente

Na opinião de ex-presidente do PSB, Roberto Amaral, impedimento do presidente da República, hoje, "não é nem viável, nem conveniente" ao campo da esquerda

Antonio Cruz/ Agência Brasil
Antonio Cruz/ Agência Brasil

São Paulo – As condições técnicas e jurídicas para um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro existem, por crime de responsabilidade, por suas declarações dirigidas ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A questão é que um processo como esse exige mais do que elementos jurídicos. “Eu diria que tecnicamente há elementos, sim. Nesse sentido, juristas que defendem têm razão. Mas o problema é político, não é técnico. Porque impeachment precisa ser ganho nas ruas, antes de ser ganho no Congresso. Não vejo condições políticas no momento”, diz o sociólogo Cândido Grzybowski, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos, observa que a sociedade brasileira hoje se divide em três parcelas mais ou menos semelhantes quantitativamente. Um terço seria formado pelos apoiadores de Bolsonaro; outra terça parte é o campo progressista de centro esquerda; e a terceira parte é o grupo conservador – que a mídia chama de “centro” – situado entre essas duas vertentes.

Para ela, um processo de impeachment dependeria de dois eixos: mobilização de rua e Congresso. E mobilizações para reunir dois terços da população precisariam conter pautas de interesse de amplos setores.  Não há ainda “uma situação limite para um impeachment”, na opinião da professora. Isso apesar de o presidente ter mexido numa “caixa de Pandora” ao atacar a OAB em um tema relacionado à ditadura e à tortura.

“Ele foi, como tem sido, muito inábil, não só em relação às famílias que sofreram com a ditadura, mas também com os militares. Claro, essas falas podem implicar crime de responsabilidade, quebra de decoro. Os militares devem estar preocupados, porque o que eles menos queriam era mexer de novo nesse assunto, que foi objeto de um acordo feito na transição para a democracia.”

Mas no Congresso, pondera a analista, há menos de um mês houve um apoio incontestável à reforma da Previdência, embora o texto aprovado tenha sido bastante distante do que o governo, Bolsonaro e Paulo Guedes queriam. Por outro lado, há movimentações para reduzir as ações do chefe do Executivo em sua tendência de ”governar por decreto”. Um próximo passo seria um processo de impeachment. “Mas penso que só declarações de Bolsonaro não vão levar a isso.”

“Entreguismo mais civilizado”

Na opinião de Roberto Amaral, ex-presidente do PSB, um eventual processo de impeachment não interessa ao campo progressista. “Acho que não é viável e nem é conveniente para as forças populares. O que se tem que fazer é aumentar a resistência e a aliança da sociedade contra o governo. Falando como esquerda, que é minha posição, essa não é uma tese a ser abraçada”, diz.

Para ele, “o desafio é a esquerda voltar a acreditar na movimentação das massas”. “O grande erro foi esquecer as ruas. Passou a acreditar no Supremo, na mobilização da Justiça, no Congresso, e quando se descobriu, estava só, nas ruas.” Um impeachment de Bolsonaro também não resolveria os problemas do país, destaca, já que o vice-presidente Hamilton Mourão assumiria o Planalto.

“Seriam mais três anos fazendo as mesmas coisas, apenas não dizendo besteira. Seria uma ditadura e um entreguismo mais civilizado”, calcula Amaral. Do lado da chamada elite, apesar dos indicadores econômicos e do declínio da indústria, o que se observa é uma total passividade dos industriais. “Até agora, não houve uma declaração da CNI ou da Fiesp em defesa da economia, da democracia, contra as privatizações.”

Após a fala de Bolsonaro sobre o pai de Felipe Santa Cruz, declarações de representantes dos campos conservador ou mesmo francamente direitista dão a dimensão do desconforto provocado pelo presidente da República. É o caso do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). “Não posso silenciar diante desse fato. Eu sou filho de um deputado federal cassado pelo golpe de 1964 e vivi o exílio com meu pai”, disse ele.

Um dos autores do pedido de impeachment que derrubou Dilma Rousseff, o jurista Miguel Reale afirmou, após o ataque à OAB, que Bolsonaro “não é mais caso de impeachment, mas caso de interdição”.

Para Maria do Socorro, o motivo da fala de Doria tem a ver com 2020. “Estão se acirrando os ânimos porque tem eleição no ano que vem. A postura do governador tem mais a ver com isso e com a disputa pela Fórmula 1 do que com a pauta relacionada à OAB e temas semelhantes, que tocam mais à centro-esquerda.”

Na opinião de Grzybowski, alguns setores políticos, “para não perder tudo, apostaram em Bolsonaro, e agora têm  vergonha de admitir e tentam se afastar um pouco”. “Mas quem institui e constitui democracia é a cidadania na rua. E, democracia, ou avança transformando ou morre. Fizemos a Constituição de 1988 e não soubemos avançar.”

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