Celso Amorim: no segundo mandato de Lula, todos os embaixadores eram diplomatas de carreira

Em sua coluna semanal no site Nocaute, ex-chanceler comentou possível nomeação de Eduardo Bolsonaro para embaixada. "Nem sequer, digamos, ditaduras que tenham verniz se permitem a esse tipo de nomeação"

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São Paulo – Em sua coluna semanal no site Nocaute, do jornalista Fernando Morais, o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim comentou a possibilidade de indicação do deputado federal e filho do presidente da República Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos

“Há muitos aspectos tristes nesse processo. Primeiro, o nepotismo”, diz Amorim. “Nem sequer, digamos, ditaduras que tenham verniz se permitem a esse tipo de nomeação. Segundo, há também uma impropriedade diplomática. Você não anuncia a indicação de um embaixador sem antes pedir um agrément (consulta ao Estado receptor se este está de acordo com a indicação), se dá a chance a um governo junto ao qual o país será creditado de dizer se quer ou não quer receber, isso é prática universal. É claro que dada a natureza da relação entre os presidentes Bolsonaro e Trump se pode presumir que Trump vai aceitar de bom grado, mas de qualquer maneira é uma praxe diplomática que está sendo quebrada, e não é bom.”

Amorim destaca, como terceiro aspecto, o fato de Eduardo Bolsonaro ter demonstrado um comprometimento político explícito com o atual mandatário norte-americano. “Também uma coisa que surpreende é que (Eduardo Bolsonaro) é uma pessoa que usou o boné (de Trump). Verdade que é o presidente atual, mas daqui a um ano tem eleição nos Estados Unidos. Como será?”, pergunta.

Ele também comparou a possível indicação com a praxe diplomática adotada durante os governos do PT. “É muito comum se ouvir que o presidente Lula e o PT iam aparelhar o Itamaraty. A tradição sempre foi que a grande maioria dos postos de embaixador era preenchida por funcionários de carreira, mas sempre houve exceções, até o primeiro mandato do Lula houve três, acho. Mas no segundo mandato de Lula, pela primeira vez na história, todos os embaixadores brasileiros tinham feito concurso do Instituto Rio Branco, eram todos diplomatas de carreira. Veja bem o que é ‘aparelhamento’: esse (Bolsonaro) coloca o filho, o Lula não nomeou nenhum político como embaixador.”

O ex-chanceler demonstrou preocupação em relação à forma como a política externa brasileira tem sido conduzida no atual governo. “As tradições do Estado brasileiro sempre foram respeitadas, e se tem uma instituição que representa o Estado brasileiro é o Itamaraty, que sobreviveu a várias situações difíceis e constrangedoras, como o golpe de 1964, mas nada parecido com o que ocorre hoje.”

“Há um outro aspecto: quem foi a primeira pessoa, pelo menos que eu vi, que festejou a nomeação de Eduardo Bolsonaro? Steve Bannon, que diz que ele (Eduardo) é o ideal para um ‘movimento’, como ele chama, que é uma conjugação das forças de direita no mundo mas especialmente nesse caso, no continente americano”, destaca Amorim. “Então há um perigo adicional de se estar criando uma espécie de ‘eixo’ – vou até falar essa palavra com um pouco de pudor e temor por causa da História – mas parece ser um eixo com uma certa direção que não é boa.”