101 anos

Piloto de Jango, morre o comandante Mello Bastos, do CGT e da ‘república sindicalista’

Influente líder sindical dos anos 1960, ele trouxe João Goulart de volta ao Brasil em 1961, sob ameaça de caças

Reprodução YouTube
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Comandante Mello Bastos em entrevista realizada em 2014

São Paulo – O alagoano Paulo Mello Bastos passou para a história como comandante Mello Bastos. Ele morreu na última quinta-feira (30), aos 101 anos. Nacionalista e apoiador das reformas de base, foi também um dos líderes do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), entidade formada em 1962 e desfeita em 1964. Agora, há dois remanescentes do CGT: o industriário Clodsmidt Riani, de 98 anos, e o ferroviário Raphael Martinelli, 94. De tempos em que o governo era acusado de fomentar uma “república sindicalista”, que nunca existiu, mas foi um dos pretextos para o golpe.

“O tenente-coronel Mello Bastos nunca compactuou com a ditadura implantada por 21 anos por alguns de seus colegas de farda. Ditadura que exilou mentes brilhantes, como ele, destruiu sonhos, censurou, torturou e desapareceu com corpos. Por ter a farda limpa, não se pode, ainda mais no Brasil de hoje, esperar que tenha honras militares sobre seu caixão. Mas ele está bem acompanhado, pois o Marechal Henrique Teixeira Lott também não as teve”, escreveu em seu blog, ao dar a notícia, a jornalista Ana Helena Tavares, autora de recém-lançada biografia de dom Pedro Casaldáliga.

Piloto da FAB e depois da Varig, era Mello Bastos que conduzia o avião trazendo João Goulart de volta ao Brasil, em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros, de quem Jango era vice. Mas só pôde assumir depois de uma complicada negociação que resultou na implementação do parlamentarismo no país, já que os militares não queriam sua posse. Ainda assim, em seu retorno, o avião que trazia Jango poderia ter sido abatido por caças, no que se denominou Operação Mosquito.

No livro A caixa-preta do golpe de 64 (editora Família Bastos, 2006), ele conta que viajou para Montevidéu, onde estava o ainda vice-presidente da República, ao lado do comandante Silvio Lima, “brizolista declarado”:

“Quando eu estava embarcando para Porto Alegre tinham me dito: ‘Você tenha na cabeça que existe uma operação, um plano, para não deixar o Jango sobrevoar o território nacional´”, relatou Mello Bastos. Para não ser interceptado pelos caças e escapar do possível ataque, ele voou em baixa altitude.

“Eu era comandante de avião a jato. Então, fiz um plano. Em vez de vir a 40 mil pés, 13 mil metros, eu vim a 300 pés, infringindo. Porque, como o avião de caça ataca, com metralhadora, de baixo para cima, eu vindo baixinho ele não tem espaço para me atacar, senão ele bate”.

Em 1963, dirigente do CGT e do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Mello Bastos foi demitido da Varig – no dia do seu aniversário, 25 de maio –, o que provocou uma greve envolvendo várias categorias do setor de transportes. O então ministro do Trabalho, Almino Affonso, divulgou nota lembrando que ele tinha direito a estabilidade, mas foi interpelado por João Goulart. Discutem, e o ministro pede demissão, que não foi aceita. A crise acaba com um telefonema do próprio presidente para o dono da companhia aérea, Ruben Berta.

O CGT surgiu em agosto de 1962, durante o 4º Encontro Sindical Nacional, realizado em São Paulo. Reunia dirigentes de confederações, basicamente ligados ao PTB e ao PCB. A entidade nunca fui reconhecida formalmente, mas teve intensa atuação política na época. Foi uma das defensoras do plebiscito que, em 1963, restabeleceu o presidencialismo. Naquele período, reivindicava “contenção dos preços dos gêneros de primeira necessidade e medidas concretas contra a sonegação”, respeitos aos direitos adquiridos dos trabalhadores, reforma tributária, direito de greve, nacionalização de empresas estrangeiras que atuavam em “setores fundamentais” e regulamentação da lei de remessa de lucros, entre outros itens.

Mello Bastos recorda, no livro, que a última reunião do “secretariado político” do CGT ocorreu na noite de 1º de abril de 1964, “na casa de um ferroviário, em Cascadura”, bairro da zona norte carioca. Dez dias depois, ele decidiu asilar-se na embaixada do Uruguai. Em março de 2006, o piloto e militar deu um longo depoimento à Comissão de Anistia, durante o qual se emocionou várias vezes, vendo a filha Solange, ela também ex-presa política e exilada no Chile, e ainda mais quando lembro que sua mulher, Edelena, “sustentou a família toda com o salário de professora, enquanto eu estava no Uruguai, impedido de trabalhar”.

O comandante também conta sobre um encontro com Getúlio Vargas em São Borja no final dos anos 1940, com uma comitiva, para pedir sua candidatura à Presidência e defender a criação de Petrobras, que surgiria em 1953. Ao se referir à expressão “céu de brigadeiro”, falando de sua profissão, ele lembra que “voava em qualquer tempo”. “E não tem mistério para isso: é só se dedicar.”