Sem juízo

Moro adotou postura de acusador, diz especialista em direito de defesa

Para presidente do IDDD, Fábio Tofic Simantob, Moro e o MPF de Curitiba acabaram enveredando por aquilo que diziam que queriam combater, apropriação da função pública para a defesa de interesses partidários e políticos

Reprodução/TVT
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Moro e Lava Jato desprezam ou não têm consciência da importância do processo penal e dos princípios constitucionais

São Paulo – As conversas vazadas pelo The Intercept Brasil revelam que o então juiz Sérgio Moro não só tinha isenção necessária para julgar, como adotou postura ostensiva em favor da acusação, sob comando do procurador Deltan Dallagnol. Para o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Fábio Tofic Simantob, o Código de Processo Penal é claro em apontar que um juiz deve ser considerado suspeito quando tiver aconselhado uma das partes envolvidas. Segundo ele, Moro contribuiu de maneira ostensiva para o trabalho da acusação.

“O que as conversas indicam é algo que já se imaginava, que se suspeitava, que a postura do juiz – que as defesas sempre criticaram – sempre foi a postura de um acusador. Já havia indícios que o juiz (Moro) vestia a carapuça do acusador, mas as mensagens revelam algo mais grave: a própria iniciativa do juiz em aconselhar a parte contrária da defesa, de sugerir caminhos para a investigação e acusação, cobrando novas operações.” Para Tofic, isso é mais do que pender a favor de uma das partes.

Para o advogado, as partes envolvidas em processos da Lava Jato poderão pedir o anulamento de decisões judiciais utilizando como prova as conversas divulgadas, que escancaram a falta de isenção do juízo. “O que é um juiz suspeito? Aquele que não tem condições de julgar de forma justa. Moro já estava de tal forma consorciado com a acusação que já tinha perdido completamente as condições necessárias para proferir julgamento isento e justo”, explica o presidente do IDDD em entrevista aos jornalistas Marilú Cabañas e Glauco Faria para o Jornal Brasil Atual nesta segunda-feira (10).

Manipulação política

Tofic chama a atenção também para o uso político das investigações para interferir no resultado das eleições. Reportagem do The Intercept revela os procuradores da Lava Jato tramando para impedir que o ex-presidente Lula fosse entrevistado durante as eleições, por conta dos impactos eleitorais que poderiam ter as suas declarações. “Acabaram enveredando por aquilo que diziam que queriam combater, que é justamente o uso da função pública, a apropriação do poder do Estado em nome de interesses pessoais, apropriação da função pública para a defesa de interesses partidários e políticos.”

Sobre as reações da Lava Jato e de Moro, que tentam “naturalizar” as denúncias apresentadas, afirmando nada terem feito que possa comprometer a legalidade dos processos, o presidente do IDDD diz que a situação agora é muito mais grave, em relação a outros deslizes processuais cometidos anteriormente. “O que veio à tona são mensagens mostrando o tipo de relação que se estabeleceu entre o juiz e o acusador. Não tem como naturalizar. Dizer que isso é normal acrescenta uma dose a mais de preocupação. Ou não há consciência do caráter e da importância do processo penal e dos princípios constitucionais, que vem desde a Revolução francesa, o que é gravíssimo. Ou na verdade há um completo desprezo, o que é ainda mais grave. Entraríamos no terreno da ruptura da garantia de direitos.”

Denúncia anônima

Outro fato grave relevado pelas conversas entre Moro e Dallagnol, segundo o advogado, é o uso de denúncia apócrifa como base para abertura de um processo. Sem autoria da denúncia, esta poderia sair do próprio gabinete dos promotores, o que mais uma vez coloca em xeque o devido processo legal. “Aí estamos já no terreno da falsidade.  É grave.”

Comparações

Para explicar a gravidade das acusações contra Moro e os integrantes da Lava Jato, Tofic se utiliza da metáfora futebolística. “Quem não ficaria indignado se soubesse que um juiz de futebol funcionou como o 12º jogador sem que ninguém soubesse? É grave problema de ético.” O mesma indignação valeria também para um cidadão que perdeu uma ação na Justiça e depois descobriu que juiz e acusação tramaram sobre o resultado, compara o advogado.

Ouça a entrevista na íntegra