No ataque

Filho de Bolsonaro sugere aplicação de lei da ditadura por vazamento de mensagens

Já o senador Jaques Wagner perguntou se o ministro não poderia se afastar durante investigações envolvendo sua conduta como juiz. Moro reafirmou que seu procedimento foi correto e sugeriu "escrutínio público" sobre material divulgado por site. "Se houver irregularidade, eu saio"

Geraldo Magela/Agência Senado
Geraldo Magela/Agência Senado
Sergio Moro e a presidenta da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
São Paulo – Quase na fase final da audiência pública com o ministro Sergio Moro, nesta quarta-feira (19), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, coube a Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, não apenas defender o governo, mas atacar seus acusadores. Ao citar boatos que circulam nas redes sociais e classificá-los como “denúncia bastante grave” envolvendo o jornalista Glenn Greenwald e seu companheiro, o deputado federal David Miranda (Psol-RJ), Bolsonaro filho questionou se não estaria em curso um “conluio para desestabilizar a nossa democracia” e se não poderia ser aplicada a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170, de 1983), ainda do período da ditadura.
Sobre um possível pedido de afastamento durante as investigações, Moro sugeriu que se faça um “escrutínio público” a respeito das mensagens. Se comprovada qualquer irregularidade, ele disse que, aí sim, deixaria o cargo. “Não tenho apego ao cargo”, garantiu.
O senador Bolsonaro, envolvido com investigações sobre seu ex-assessor Fabrício Queiroz, afirmou que circula uma “informação” de que Greenwald poderia ter pago um hacker russo para obter informações de forma iegal. E que ele e Miranda teriam “comprado” o mandato de Jean Wyllys, a quem se referiu como “ex Big Brother”, que decidiu deixar o Brasil após receber ameaças. Perguntou ao final se a Polícia Federal está apurando o caso, e se isso poderia configurar um crime previsto na LSN. Esses boatos foram alardeados pelo apresentador de televisão Ratinho, que recebeu Moro para uma entrevista.
Moro, em resposta, repetiu, como fez ao longo de cinco horas, que não pode reconhecer a autenticidade das mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil, porque não tem mais as originais, pois deixou de usar o Telegram em 2017. Sobre o “fato” relatado pelo senador, afirmou que não é possível excluir qualquer possibilidade: “Isso pode ser fake news, isso pode ser contra-inteligência, isso pode ter algum respaldo. As três alternativas são possíveis”. Mas acrescentou que qualquer conclusão seria prematura.
Durante a audiência, Moro fez referência ao convite feito por Jair Bolsonaro para ocupar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. “Essa história de vaga no Supremo é uma fantasia”, afirmou, garantindo que em momento algum o presidente garantiu uma indicação do ex-juiz para a Corte Suprema. Relatou que foi sondado por Paulo Guedes, agora ministro da Economia, pouco antes do segundo turno das eleições de 2018. E disse que só conhecia Bolsonaro por um “encontro casual no aeroporto em 2016”, e que só foi reencontrá-lo em 1º de novembro do ano passado, quando o convite para integrar o governo foi formalizado. Segundo ele, decidiu aceitar o convite para “consolidar esses avanços” no combate à corrupção.
O também ex-ministro e ex-governador Jaques Wagner (PT-BA) criticou “a falsa criação de dicotomias e pensamentos binários”, como se os críticos de procedimentos da Lava Jato fossem favoráveis à corrupção. E lamentou a insistência de Moro em desqualificar o próprio jornalismo investigativo e o Intercept, lembrando que Greenwald já foi premiado internacionalmente com o “Oscar do jornalismo”, referindo-se ao Pulitzer, por revelações divulgadas no jornal  britânico The Guardian e no norte-americano The Washington Post.
“A democracia vive do bom debate. A melhor forma de combater (os questionamentos) é responder aquilo que até agora está revelado”, disse Jaques Wagner. Usando um termo repetido à exaustão pelo ministro, ele também questionou Moro se não houve “sensacionalismo” na divulgação de conversas da então presidenta Dilma Rousseff. Acrescentou que “lá nos Estados Unidos eles são muito duros”, e juízes e procuradores foram afastados exatamente por procedimentos dessa natureza.
Moro reafirmou que o site deveria entregar o material a alguma autoridade para averiguação da autenticidade, questionou o método de divulgação, em “conta-gotas” em vez de uma só vez, e os “propósitos” do Intercept, afirmando que isso “desmoraliza” o veículo jornalístico. Em nenhum momento negou veracidade do conteúdo divulgado, apenas repetiu que, se verdadeiro, poderia ter havido adulterações. Sobre a operação de condução coercitiva envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2016, limitou-se a dizer que proibiu expressamente o uso de algemas e a realização de filmagens por policiais.
A tônica do depoimento de Moro à CCJ se baseou em questionar o site e a autenticidade do material, não o conteúdo. “Eu não lembro de mensagem que mandei um mês atrás, querem que eu lembrei de mensagem de dois, três anos atrás?”, afirmou. Mesmo assim, observou que “tirando o gritante sensacionalismo, não se vislumbra ali qualquer vicissitude” e que as conversas relatadas não mostram qualquer conduta indevida. “Onde é que está o comprometimento da imparcialidade? É zero. Zero.”