Na TVT

Para cientista político, futuro mostrará algo sobre relações entre militares e STF

No "Entre Vistas" desta quinta-feira (27), Vitor Marchetti diz que em decisões que envolviam o ex-presidente Lula, STF sofreu "pressões importantes" de algumas alas dos militares

Nelson Jr./SCO/STF
Nelson Jr./SCO/STF
A atuação política do judiciário é um dos temas abordados pelo professor Vitor Marchetti, no programa "Entre Vistas" desta quinta-feira

São Paulo — A judicialização da política e a politização da Justiça, as relações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) com grupos milicianos no Rio de Janeiro, a influência dos militares no governo federal, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) na defesa da democracia do Brasil são alguns dos temas abordados por Vitor Marchetti, cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ele é o  convidado desta quinta-feira (27) do programa Entre Vistas, apresentado pelo jornalista Juca Kfouri, e transmitido partir das 22h, pela TVT.

Gravado na última terça-feira (25), mesmo dia em que o STF decidiu não julgar o mérito do habeas corpus impetrado pela defesa de Lula questionando a imparcialidade do ex-juiz e atual ministro Sergio Moro, Marchetti afirma que a interferência do judiciário na vida política do país não é novidade. Ele acredita que, no futuro, ainda saberemos algo sobre as relações entre os militares brasileiros e os juízes do STF. Talvez até mesmo com as revelações que tem sido feitas pelo The Intercept Brasil, especula o professor.

“Há indícios muito fortes de que o STF tomou decisões, principalmente as que envolviam a possibilidade de não prisão do ex-presidente Lula, e sofreu pressões importantes de algumas alas dos militares”, avalia. O professor da UFABC pondera que os militares sempre tiveram um papel de protagonismo na história da República do Brasil, se colocando em muitos momentos como fiduciários da estabilidade política do país.

Política x Justiça

Para Vitor Marchetti, tanto a politização da justiça quanto a judicialização da política são “faces da mesma moeda”. O professor da UFABC explica que a judicialização da política vem desde o período após a Segunda Guerra Mundial, quando os países europeus consolidaram o chamado “estado de bem estar social”, garantindo assim uma série de direitos à população, direitos esses que no final dos anos de 1970 começaram a ser alterados com as reformas liberais, o que levou muitos temas a serem decididos nos tribunais.

“A judicialização da política é esse fenômeno das Constituições que criaram uma série de direitos, criando oportunidade para que os direitos sociais não se realizassem apenas no campo das políticas públicas, mas que o cidadão pudesse bater na porta do judiciário e ter esses direitos atendidos”, afirma. Para ele, como consequência, isso foi criando dentro dos tribunais, em juízes, promotores e todos os atores que compõem o sistema de justiça, uma certa “desconfiança” da política em suprir as soluções para o país. Um fenômeno que acontece igualmente no Brasil.

Marchetti enfatiza que o papel do Ministério Público (MP), por exemplo, com sua autonomia e capacidade de agir, é uma atribuição a partir da Constituição de 1988. Uma conquista que, de certa forma, tornou-se real também devido ao apoio dos partidos de esquerda do Brasil. “Porque também a esquerda brasileira, com todo o passado (do país), desconfiava das relações políticas, desconfiava da capacidade do parlamento em ser a arena da solução dos problemas, desconfiava da capacidade do Executivo em manter a estabilidade democrática e se auto-controlar. Então também tínhamos um clima de desconfiança da política em solucionar os problemas dentro de um quadro democrático estável.”

Dessa forma, a Constituição então colocou “força” nestas instituições, na crença de que elas poderiam ser meios de efetivar a garantia de direitos e proteger valores que poderiam ser ameaçados no cenário político. Por tudo isso, Marchetti acredita que se criou um ambiente de “voluntarismo” dos atores do judiciário. E assim se explicaria mais uma decisão “política” do STF em não votar o habeas corpus de Lula.

Milícias

 Em outro momento do programa, o cientista político analisa as relações de Bolsonaro com as milícias. Para ele, o governo de Bolsonaro tem se afastado cada vez mais da possibilidade de construir pactos para enfrentar a violência que afeta a população, pois as milícias são justamente consequência da falência da segurança pública do país. 

“A gente está vivendo um momento muito grave e sério de dissolução das nossas instituições. Não tenho dúvida de que o pacto de 1988 foi rompido, e a gente vai ter que repactuar. Como e em que momento, não tenho clareza ainda”, diz Vitor Marchetti.

Participam também do Entre Vistas a advogada e professora de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Heloisa Machado de Almeida e Erica Meireles, servidora da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (AJD).