E se fosse você?

‘Fake news estruturam opiniões sobre todos os temas na sociedade’, alerta Manuela

Ex-candidata aponta a impunidade como estímulo à prática de crimes virtuais, mas aposta na empatia e na cidadania virtual para combater as mentiras que destroem reputações

Jailson Sam/Câmara dos Deputados
Jailson Sam/Câmara dos Deputados
Ex-deputada criou instituto que desenvolve ações de conscientização sobre os riscos das fake news

São Paulo – A ex-candidata à vice-presidência da República Manuela D’Ávila (PCdoB) alertou para os impactos da disseminação de notícias falsas nas sociedades em todo o mundo, como também na vida das pessoas. Além de interferir no debate político, chegando a definir o resultados de eleições, as notícias falsas também tem o potencial de acabar com a reputação de uma pessoa vítima de uma campanha articulada de desinformação. O desafio, segundo ela, é garantir a responsabilização dos indivíduos sem comprometer o princípio da liberdade de expressão.

“Que a gente tenha claro que o tema das fake news não é algo periférico. Elas estruturam as opiniões sobre todos os temas na sociedade”, afirmou Manuela durante audiência da comissão de Cultura, nesta quinta-feira (23), na Câmara dos Deputados. Ela destacou o caso das notícias falsas que foram disseminadas nas últimas semanas, a partir de uma rede estruturada, para “legitimar” os cortes na Educação do governo Jair Bolsonaro. Imagens com supostos estudantes nus em ambientes universitários espalhadas pelo Whatsapp confirmariam a “balbúrdia” alegada pelo ministro.

Para dimensionar o problema, ela citou que, durante as eleições, 70 postagens que a envolviam foram compartilhadas por 300 mil pessoas, alcançando 13 milhões de brasileiros, em apenas dois dias. Ainda assim, Manuela destacou que qualquer iniciativa de combate à desinformação não pode representar um retrocesso em relação ao Marco Civil da Internet, que se baseia nos princípios de liberdade e neutralidade da rede.

A neutralidade, contudo, não está valendo, no Brasil. Operadoras de telefonia celular comercializam pacotes que oferecem acesso gratuito a serviços como Facebook e Whatsapp, o que faz com que os usuários fiquem mais restritos a essas plataformas. Esse tipo de pacote, proibido na União Europeia e em outros países, tem fomentado a disseminação de fake news, segundo Manuela, porque corrobora para o mau hábito das pessoas que só leem os títulos das notícias.

Ela disse que as polícias e o Poder Judiciário não estão aptos a responder às demandas de combate a crimes virtuais. “Não temos capacidade instalada para lidar com a demanda e a impunidade é crucial para a proliferação de mentiras. As pessoas acham que não existe lei porque não há processo investigativo”, afirmou Manuela.

E se fosse você?

Manuela também defende o que chamou de desenvolvimento de uma “cidadania virtual”. Ela destaca bem-sucedidas campanhas de conscientização no combate à violência no trânsito, ou ainda de educação ambiental, que tornaram jogar lixo nas ruas como uma prática socialmente condenável. Nesse sentido, ela comanda o instituto E Se Fosse Você?, que aposta na empatia para conscientizar as pessoas sobre o impacto das fake news. “Não posso acreditar que nos tornamos um país de monstros.” Ela diz que, se as pessoas se perguntassem “e se fosse comigo?” antes de compartilhar determinado conteúdo calunioso, não levariam esse tipo de ação adiante.

Boatos

Também participou da audiência o criador e editor do site boatos.org, Edgard Matsuki. Para além da desinformação na esfera política, ele chamou a atenção para dois temas mais graves, porque não contam com a mesma atenção dedicada aos desmentidos: as notícias falsas na saúde, como boatos sobre a ineficácia de vacinas ou tratamento contra doenças graves, como o câncer; e as falsas imputações de crimes a inocentes. Ambas as práticas têm levado à morte de pessoas, o que aponta para a gravidade das fake news.

Ele defendeu iniciativas de “educação para mídias digitais” nas escolas, que ensinassem princípios básicos para a identificação de notícias falsas, e alertou que nem todas as pessoas que compartilham esse tipo de conteúdo duvidoso o fazem com má intenção, como, por exemplo, aquelas que compartilham fotos de crianças doentes que receberiam um real para cada compartilhamento. Sobre cobrar das próprias plataformas, como Facebook e Google, que fizessem a checagem dos conteúdos, Matsuki ressaltou o risco de censura no conteúdo, além do que diz ser ineficácia de tais ações. À medida que barrassem determinados conteúdos, as pessoas migrariam para outro ambiente virtual mais livre, recomeçando o ciclo de problemas.

 

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