Direito

Lula deveria ser solto amanhã, diz Flávio Dino

Segundo o governador do Maranhão, com redução de pena definida pelo STJ, ex-presidente deve passar ao regime semiaberto imediatamente – se não mudaram a matemática e a lei

Ricardo Stuckert

Com menos de oito anos de pena a ser cumprida, regime inicial é o semiaberto, defendeu Dino

São Paulo – “Direito penal não é o direito da punição, mas o direito da liberdade.” Assim o governador do Maranhão, Flávio Dino, que foi juiz por 12 anos e é especialista em Direito Constitucional. Em sua participação no Seminário sobre Medidas Penais, nesta quinta-feira (25), em Brasília, Dino afirmou que seria dever do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fazer uma “revaloração dos fatos e provas” e argumentou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria ser solto imediatamente. 

“Por uma razão prática, o Lula tem que ser solto juridicamente amanhã, na minha avaliação. Não é em setembro. O presidente Lula já cumpriu 13 meses. Se são 8 anos e 10 meses e se lá, nesse juízo de exceção paranaense, não mudaram a matemática – porque até isso periga – 8 anos e 10 meses, menos os 13 meses, a pena fica abaixo de 8″, explicou o governador. Na realidade, Lula completa nesta sexta-feira 12 meses e 20 dias de cumprimento de pena. 

Segundo Dino, ficando a pena restante abaixo de oito anos, “segundo os precedentes do próprio STJ”, Lula passa a ter direito subjetivo ao regime semiaberto, não por progressão de regime. 

No evento que analisa mudanças na legislação pretendidas pelo chamado “pacote anticrime” apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, o governador afirmou que a primeira contradição a ser enfrentada no caso Lula é o conflito com o Direito Penal.

Quando se fala em medidas penais, logo se pensa em prisão, punição e castigo, observa o governador. “Nessa caso, seriam admitidas torturas, provas ilícitas para ter maior eficiência, admitir qualquer meio para atingir os fins. O objetivo do processo penal é proteger a liberdade, garantir a máxima eficácia preventiva com o mínimo sacrifício à liberdade.” Segundo o jurista, isso é milenar e reflete a limitação do poder do Estado sobre a liberdade individual. 

A Constituição de 1988, lembra Dino, foi nessa direção, como “filha direta da luta democrática contra a ditadura”. Fez alguns trânsitos teóricos muito relevantes e colocou as garantias individuais no artigo 5º, com 78 incisos. Exatamente para dizer: aqui está esfera sagrada do patrimônio jurídico dos direitos subjetivos de cada cidadão sobre os quais o Estado não pode se imiscuir. Lá está a presunção da inocência, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Essa regra foi praticada no Brasil desde 1988 e as únicas exceções seriam as previstas na própria Constituição, como o flagrante delito. Executar a pena só após todos os recursos cabíveis, o que não foi respeitado na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Haddad

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad também defendeu que providências jurídicas sejam tomadas ainda hoje para garantir a liberdade imediata do ex-presidente Lula, que garantiria “alívio” a expressiva parcela da sociedade brasileira que não se conforma com as arbitrariedades cometidas nesse processo. Ele diz que sempre considerou Moro como um “quadro político“, pois, desde o início estava imbuído de um projeto político, a incriminação do ex-presidente. 

“Não vi em nenhum momento qualquer ânimo de se fazer justiça e perseguir a verdade. Qualquer ânimo de saber exatamente o que aconteceu e qual seria a suposta responsabilidade do presidente sobre qualquer ato de governo. O que tinha que se provar é que atos do ex-presidente Lula contrariavam o interesse público e, em função disso, teria recebido benefício material.” 

Ele diz que nem os supostos atos cometidos por Lula nem o recebimento de benefícios restaram comprovados no processo, lembrando que Moro utilizou o termo “atos indeterminados”, um “eufemismo”, segundo Haddad, para estabelecer a culpa não comprovada do ex-presidente. 

Para Haddad, esse tipo de arbítrio jurídico cometido contra Lula, também presente nas medidas propostas no seu “pacote anticrime” fazem parte de um contexto geral mais amplo, relacionado à crise do capitalismo de 2008, que necessita do aumento da repressão e da capacidade punitiva do Estado para combater o “caos” criado desde então. Outro resultado político da crise é enfraquecimento das forças democráticas de centro e o fortalecimento da extrema-direita, em todo o mundo.

Presunção de culpa

A jurista Carol Proner, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, também destacou o papel de “excepcionalidade democrática” em todo o mundo e de reforço do “punitivismo”. Segundo ela, o pacote de Moro, se aprovado, acaba com o princípio da presunção de inocência e fomenta a criminalidade, já que uma das consequências diretas será o aumento da população carcerária, onde o crime organizado arregimenta seus integrantes.

“Do ponto de vista da presunção da inocência, é um ataque a própria condição de inocência, ampliando o poder punitivo do Estado, considerando aquele que interage com as forças do Estado um criminoso ou culpado a priori”, afirmou. Ela acrescenta que “Qualquer sistema de direito penal que respeite os direitos humanos, parte do princípio da presunção de inocência. A inversão é uma quebra paradigmática do direito.”

O cumprimento da pena de prisão após condenação por órgão colegiado e a redução de pena ou até a absolvição de policial que cometer homicídio, em atividade ou de folga, decorrer de “escusável (isto é: compreensível, desculpável) medo, surpresa ou violenta emoção” foram pontos do projeto de Moro citados pela jurista que corroboram para o inversão do princípio da presunção de inocência. “É uma obsessão do governo Bolsonaro. Que acredita que os integrantes das forças de segurança não podem sentar no banco dos reús e que bandido bom é bandido morto, e flerta com uma política neo-fascista.”

 

Leia também

Últimas notícias