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O Brasil e a prisão política em um ano de cartas de Lula

Do cárcere, ex-presidente registra em cartas e bilhetes suas observações e análises sobre a conjuntura histórica brasileira

Ricardo Stuckert

Ex-presidente já registrava desde o início de sua prisão o intuito de tirá-lo da disputa à Presidência

São Paulo – Impedido de falar ou ainda de dar entrevistas à imprensa, ao longo dos últimos meses, desde que foi preso em 7 de abril de 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu nas cartas e bilhetes uma forma de registrar suas análises do cárcere que, no fundo, tratam principalmente dos rumos da história brasileira. Como o escritor Graciliano Ramos que, sem provas ou processos, foi preso político da ditadura de Getúlio Vargas, episódio que resultou no livro Memórias do Cárcere, os registros de Lula marcam acontecimentos brasileiros, a começar pela união estabelecida em torno de sua defesa pela Vigília Lula Livre, que permanece diariamente à frente da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde o ex-presidente está preso, apesar das investidas contra a movimento pela sua liberdade.

Do cárcere, o ex-presidente relata acompanhar com afeto a união, como também destacam as diversas personalidades, juristas, intelectuais e lideranças políticas e religiosas que o visitam. “Queridos companheiros e companheiras, vocês são o meu grito de liberdade todo dia. Se eu não tivesse feito nada na vida e tivesse construído com vocês essa amizade, já me faria um homem realizado. Por vocês valeu a pena nascer e por vocês valerá a pena morrer”, escreveu Lula em 18 de abril de 2018.

Nas cartas posteriores, o ex-presidente já analisava o processo que estava sendo ensaiado à sua frente pela Justiça diante do ano eleitoral que, mais tarde, se confirmou no impedimento de sua candidatura à Presidência da República. Apoiando o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, Lula, perto de completar 180 dias de sua prisão, que, segundo ele, naquele momento já tinha confirmado seu caráter político, pediu a defesa da democracia com o voto em Haddad para impedir o avanço do golpe. “Estaremos juntos, todos os que, independentemente de diferenças políticas e trajetórias distintas, têm sensibilidade social e convicções democráticas”, descreveu.

Com a eleição de Jair Bolsonaro, o ex-presidente voltou a registrar em suas cartas o tom de preocupação principalmente quando, em dezembro, o país perdeu o programa Mais Médicos, sendo considerada uma das principais e primeiras perdas em decorrência das ameaças de Bolsonaro. “Lamento que o preconceito do novo governo contra os cubanos tenha sido mais importante que a saúde dos brasileiros que vivem nas comunidades mais distantes e carentes”, criticou em carta. 

Mas foi também nesse mês, no entanto, que Lula descreveu sua emoção por ter recebido o prêmio Chico Mendes de Florestania pelo governo do Acre, em reconhecimento ao seu legado em defesa do meio abiente. Em carta direcionada à cerimônia de premiação, o ex-presidente aproveitou para registrar a resistência de líderes como o sindicalista e ambientalista Chico Mendes para enfrentar os retrocessos. 

“(…) Mesmo que hoje o dia pareça escuro, as sementes que plantamos, eu e Chico juntos, se transformaram em grandes árvores, que não serão derrubadas facilmente e que ainda darão muitos frutos e novas sementes, a serem plantadas por vocês, para um futuro melhor para o Acre, o Brasil e o mundo”, afirmou. 

O novo governo assumiu e entre as diversas notícias que explicitam o início de ano conturbado em vários setores, após a saída do ex-deputado Jean Wyllys do Brasil em decorrência de ameaças de morte por grupos da extrema direita, Lula voltou a divulgar uma carta afirmando estar convencido da necessidade de se consolidar um forte enfrentamento político, sem deixar de agradecer o deputado pela atuação ética e corajosa. “Muita tranquilidade e paciência para enfrentar esses tempos difíceis”. 

Desde então, as cartas têm sido cada vez mais instrumentos de Lula para se comunicar e se fazer presente ao povo brasileiro, sem deixar de lado assuntos como o fechamento da unidade da Ford, em São Bernardo do Campo, até o mais recente massacre em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, que deixou oito mortos e ao menos 11 pessoas feridas.

“Que aqueles que incentivam a cultura do ódio e da violência entendam que não precisamos de mais armas para que massacres como o de Suzano não se tornem cotidianos em nosso país”, afirmou Lula em referência ao incentivo ao armamento por parte do governo Bolsonaro.

Mesmo se pautando em acontecimentos do Brasil para passar mensagens à sociedade, o ex-presidente continua sua luta para reafirmar a inocência diante de acusações que pesam sobre ele. Como em carta enviada ao deputado do Partido Social Democrata da Alemanha Martin Schulz, em que pediu solidariedade internacional para enfrentar a perseguição judicial que sofre no Brasil. 

Não à toa que os últimos meses tenham talvez sido os mais dolorosos para o ex-presidente, que perdeu seu irmão Vavá e foi impedido pela Justiça de ir ao velório. Logo na sequência, Lula sofreu ainda a morte do neto Artur, de 7 anos, quando foi autorizado a comparecer no velório por um breve tempo e cumprindo diversas restrições. 

Ainda assim e com todos os percalços, as mesmas cartas que o ex-presidente divulga para mostrar sua indignação e expressar solidariedade, carregam sobretudo sua esperança e estímulo em mostrar “que os verdadeiros ladrões são os que me condenaram”, como escreveu Lula em março. 

 

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