ACAMPAMENTO TERRA LIVRE

Índios recebem acenos de Maia e Alcolumbre para mudar texto da MP 870

Medida retirou Funai do Ministério da Justiça. Além de apoios de parlamentares, indígenas também comemoraram relatório do MPU que reconheceu ter havido violação a tribos durante construção de Itaipu

Ricardo Stuckert

Temores dos povos indígenas se concretizam com Damares e Tereza Cristina, ministras de Bolsonaro

Brasília – Aproximadamente 4 mil índios que participam da 15ª edição do acampamento Terra Livre, na capital do país, tiveram duas importantes vitórias junto ao Congresso Nacional e ao Ministério Público da União (MPU). No Congresso, eles conseguiram, após conversas com os presidentes do Senado e da Câmara, apoio para mudar a Medida Provisória (MP) 870, em tramitação no Legislativo, que transferiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça para o da Mulher, Família e Direitos Humanos. Já em relação ao MPU, o órgão divulgou esta tarde um estudo que reconhece a ocorrência de violações de direitos de Guaranis no período de construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.

As lideranças indígenas sentaram ontem (24) com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM -AP) e hoje (25), com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além de outros parlamentares, para pedir apoio a favor deles na tramitação da MP e para externar críticas às ministras da Agricultura, Tereza Cristina, e da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.

As reuniões foram organizadas pela Frente Parlamentar Pró-Indígena na Câmara, coordenada pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), também índia.

Na Câmara, Maia disse que não concorda com a transferência do poder de demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura e afirmou que “a mudança divide o país e não promove a segurança dos povos indígenas” – num aceno de que tentará retirar este item do texto da matéria, durante sua apreciação pelo Congresso.

A MP, além de transferir as demarcações do ministério da Justiça para o da Agricultura, também encaminhou a Funai, que sempre pertenceu ao Ministério da Justiça, para a alçada do ministério da Mulher, Família e DH. Escalada para falar em nome dos colegas, a índia Alessandra Mundukuru, do Pará, que é estudante de Direito, reclamou da paralisação dos processos de demarcação e da postura ds ministras titulares das duas pastas.

“Eu não vou abandonar minha terra, os companheiros da aldeia também não. Tudo o que vínhamos avisando desde o ano passado que poderia acontecer já está acontecendo. Nossas terras estão sendo compradas por ruralistas e por empresas de mineração e agropecuária, mas não estão sendo demarcadas. E a demarcação está nas mãos dessa ministra que nada faz por nós (numa referência a Tereza Cristina) ”, afirmou.

“Damares é outra que não nos representa para cuidar da Funai. Ela não conhece a terra indígena, só visitou algumas aldeias como evangélica e os evangélicos chegam lá com uma visão errada sobre a nossa vida. Os índios não são animais. Queremos respeito aos nossos direitos e aos nossos antepassados”, destacou.

Rodrigo Maia disse que a Câmara é “de todos” e que os deputados “não trabalham a favor de uma parte da sociedade, mas a favor do Brasil”. “Vocês podem contar comigo”, afirmou, acrescentando que vai evitar ao máximo a aprovação de projetos com teor polêmico. 

Os índios contaram que no encontro que ontem, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também manifestou intenção de retirar esses mesmos pontos da medida provisória. “Se o presidente do Senado tem essa compreensão de que a Funai deve permanecer na estrutura do Ministério da Justiça, também me parece o mais razoável”, disse Maia, para quem “a alteração destes itens no texto da MP será uma forma, inclusive, de ajudar o governo a manter uma política pública mais racional”.

O deputado Ivan Valente (Psol-SP), outro a participar da reunião, ressaltou que “entregar a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura é como deixar a raposa tomando conta do galinheiro”.

Para o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Lindomar Terena, apesar da ampla pauta de reivindicações apresentadas pelos índios durante o acampamento, a que mais preocupa o movimento é justamente a que trata dos itens contidos na medida provisória.

Fraudes em Itaipu

No MPF, por sua vez, o relatório divulgado tem como autores integrantes de um grupo de trabalho formado por procuradores e antropólogos e foi elaborado a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Dodge entregou o estudo para líderes Avá-Guarani e explicou que as informações serão anexadas a um inquérito civil que investiga as violações. 

“Esperamos que esse relatório sirva para iluminar essa realidade difícil que o povo Guarani enfrenta hoje e sirva de base para atuação que o Ministério Público pode empreender em favor deles e eles mesmo em favor de sua própria causa”, afirmou a procuradora-geral.

De acordo com os dados apurados e divulgados hoje, órgãos do governo produziram na época laudos e diagnósticos “precários”, atestando a inexistência de índios no oeste do Paraná e no Paraguai, embora os Avá-Guarani vivam na região desde o período colonial. Também mostram que foram usados “mecanismos fraudulentos, de identificação étnica”, classificando os índios como posseiros pobres, estrangeiros ou paraguaios recém-chegados, como forma de facilitação para a construção da usina.

O acampamento Terra Livre é realizado em Brasília todos os anos desde 2004, como uma mobilização onde eles saem de todas as aldeias do país e passam uma semana na capital participando de audiências e reivindicando seus direitos junto a representantes dos três Poderes.

Desta vez, fazem parte da pauta de reivindicações dos índios, além da anulação da MP 870/2019, a revogação dos decretos presidenciais que extinguem os conselhos participativos – dentre eles os colegiados que discutem as questões indígenas

O grupo também pleiteia a  rejeição da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que passa para o Congresso a atribuição de demarcar terras indígenas, atribuição do Executivo Federal e a invalidação, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), da tese do marco temporal, que garantiria o direito ao território apenas se a área a ser demarcada fosse ocupada pelos indígenas em outubro de 1988, quando a atual Constituição foi promulgada – ignorando os direitos constitucionais que asseguram aos povos tradicionais as terras historicamente ocupadas

Por fim, pedem a rejeição da proposta da municipalização da saúde indígena e o arquivamento dos projetos de flexibilização do licenciamento ambiental, que criam riscos a toda sociedade e, em especial, aos povos indígenas. Eles ficam em Brasília até sábado e cumprem uma série de agendas, também, com integrantes de movimentos sociais e entidades da sociedade civil.

Veja aqui a agenda da 15ª edição do Acampamento Terra Livre:

Sexta-feira (26)

Manhã
• Realização de rituais indígenas
• Marcha dos índios (em roteiro a ser estabelecido)
Tarde
• Plenária de encerramento
• Aprovação da agenda de lutas
• Aprovação do documento final do Acampamento Terra Livre 2019 (ATL 2019)
Noite
• Encerramento com noite cultural e apresentações indígenas
  

Sábado (27)

• Retorno das delegações para suas terras