conflito

Crise institucional interessa à direita e extrema-direita brasileiras

Turbulência entre o Supremo Tribunal Federal, Procuradoria-Geral da República, Executivo e Legislativo não interessa à democracia e ao Estado democrático de direito

Dorivan Marinho/SCO/STF

Supremo Tribunal Federal é palco de uma crise menos jurídica do que política e que poderia ter sido evitada

São Paulo – A quem interessa a crise instaurada entre o Supremo Tribunal Federal, Ministério Público (Procuradoria-Geral da República) e Legislativo, com a participação ativa da mídia? Cientista político, ex-presidente e fundador do velho PSB, Roberto Amaral responde com uma frase direta: “À direita brasileira”. Depois, acrescenta: “Primeiramente, a crise não tem nada a ver com o Direito. É uma crise política que tem a ver com a institucionalidade. Uma crise muito mais profunda do que uma querela sobre se o Supremo tinha ou não atribuições para fazer o que fez”.

O entendimento é semelhante ao do jurista Pedro Serrano, para quem a confusão generalizada, que ele chama de histeria, “está liquidando as instituições e serve a um segmento político: o populismo de extrema-direita, que quer liquidar com nossa democracia e as instituições”.

Na visão do advogado criminalista Leonardo Yarochewsky, o grande derrotado nessa crise – cujo estopim foi a “censura” aos veículos Crusoé e O Antagonista – é o Estado democrático de direito. Em segundo lugar, como Serrano, ele entende que a turbulência favorece a extrema-direita.

“Eles pregam intervenção militar, fechamento do Congresso, cassação de ministro e fechamento do Supremo. Primeiro perde a democracia e o estado de direito, e a extrema-direita se aproveita da situação”, diz. “No Supremo, quando uma decisão não agrada a uma maioria de ocasião ou a opinião pública, se busca atacar a instituição pelas redes sociais.”

O conflito instaurado entre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo – “e essa coisa híbrida que ninguém sabe o que é, o Ministério Público Federal”, diz Amaral – tem várias implicações. “É relevante – e não estou entrando no mérito – que o Congresso pretende abrir uma CPI contra o Supremo.”  Desde fevereiro, há no Senado pressões e tentativas, até o momento frustradas, de se abrir uma CPI que já tem até apelido: Lava Toga.

Por sua vez, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, arquivou, no âmbito da PGR, o inquérito aberto no Supremo para apurar ataques ao tribunal, a pedido de Dias Toffoli e conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Ela recomendou ao STF o arquivamento, sob o argumento de que é ilegal um juiz determinar a instauração de investigação e designar o responsável por essa investigação. “Um órgão acusa, outro defende e outro julga”, pontificou Raquel Dodge em sua manifestação.

“A procuradora-geral descobriu que o Judiciário está investigando, julgando e condenando. Mas ela só descobriu isso agora? O Judiciário vem fazendo isso há anos, com o beneplácito do Supremo e da Procuradoria-Geral da República.”, diz Amaral. “O Ministério Público e o Supremo fizeram isso, apoiando a Lava Jato contra os ex-presidentes Dilma e Lula.” O silêncio das instituições sobre o grampo da Lava Jato que gravou conversa de Dilma e Lula é o emblema disso, em sua opinião.

O cientista político lembra ainda que não foi até hoje julgada pelo STF a questão da prisão após condenação em segunda instância, por recusa da ministra Cármen Lúcia, então presidente da Corte. A questão seria finalmente decidida no último dia 10, mas o novo presidente do tribunal, ministro Dias Toffioli, adiou novamente. “Onde estava o Ministério Público quando a presidente do Supremo impediu o julgamento da ação?”

Yarochewsky concorda que o Supremo não pode se transformar num órgão acusador e lembra que a persecução penal tem que ser feita pelo MP. Por isso, a instauração do inquérito foi equivocada na origem. A violação do princípio do juiz natural é outro argumento da procuradora-geral para recomendar o arquivamento do inquérito, o que foi recusado por Alexandre de Moraes. Segundo esse princípio, Moraes não poderia ter sido indicado por Toffoli, o que deve ser feito por sorteio.

“Agora se fala em juiz natural. Mas não tenho a menor dúvida de que o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, não era juiz natural para julgar o ex-presidente da República (Lula)”, afirma o criminalista. “Começaram tudo em nome de uma perversa lógica de que os fins justificam os meios, atropelaram o devido processe legal, rasgaram a Constituição, e agora que se sentem prejudicados querem fazer valer a Constituição.”

Também para a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), a extrema-direita pode se aproveitar da crise. “Na medida em que as instituições perdem a credibilidade, o que vem em seguida são atos de força. Na mesma proporção em que o governo se isola, ele começa a adotar medidas autoritárias, como o decreto que fecha a Esplanada dos Ministérios por 33 dias. É contra o Movimento Terra Livre, dos indígenas, e depois será contra outras manifestações populares, como no 1° de maio.” Por isso, a parlamentar diz que o campo progressista deve ficar alerta.

Censura

A discussão sobre a retirada do ar de textos publicados por O Antagonista e Crusoé – determinação de Alexandre de Moraes – é considerada pacífica: Serrano, Amaral e Yarochewsky não hesitam em dizer que, sim, houve censura.

Mas, se houve censura, é também verdade que, se o campo progressista hoje não hesita em defender a liberdade de expressão (artigo 5, inciso IX da Constituição), isso não ocorreu quando o ministro Luiz Fux proibiu o jornal de entrevistar Lula em setembro de 2018.

Pelo Twitter, a colunista Mônica Bergamo observou que “o Antagonista, hoje censurado, aplaudiu a censura à Folha em 2018”. Na época, a publicação disse que o magistrado deveria ser “homenageado”, escreveu a colunista.

 

Leia também

Últimas notícias