15ª Edição

Cercados pela Força Nacional, índios reivindicam seus direitos em Brasília

Ações do Acampamento Terra Livre são realizadas sob fiscalização de militares e policiais. Mesmo assim, representantes de etnias cumprem agenda de encontros com parlamentares e ministros do Judiciário

Fotos: Lula Marques

Lula Marques
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Brasília – Como acontece todos os anos, perto de 2 mil índios de todo o Brasil estão na capital do país no Acampamento Terra Livre (ATL), que é realizado em sua 15ª edição. Outros 2 mil, segundo os organizadores, estão a caminho, em caravanas de ônibus, para participar dos encontros e atos públicos a serem realizados até sexta-feira (26). Na programação, em meio ao cenário marcado pelo colorido dos cocares e pinturas de várias tribos e etnias que contrastam com as curvas dos monumentos de Brasília, o clima é de apreensão para que os protestos sejam realizados sem confrontos nem repressão.

A preocupação tem razão de ser. Desde o final de semana, o governo acionou a Força Nacional de Segurança para acompanhar a movimentação das caravanas chegando em Brasília e impediu que os índios acampassem na Esplanada dos Ministérios.

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Eles conseguiram montar algumas barracas ontem, mas hoje pela manhã, a  pedido de policiais militares do Distrito Federal, numa reunião que contou com a interlocução de parlamentares e representantes de entidades da sociedade civil, vários que estavam próximos do Congresso Nacional e da Praça dos Três Poderes foram transferidos para uma área localizada entre a frente e os fundos do Museu da República. Acataram o pedido para trocar a posição das barracas, com a condição de que a polícia evitará uso da violência durante as manifestações.

A estratégia de impedir o acampamento na Esplanada, conforme avaliam muitos integrantes da mobilização, é quase primária: objetiva impedir que a profusão de cores e beleza que os grupos trazem todos os anos para a cidade fiquem muito expostos, chamando ainda mais atenção para suas reivindicações.

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O argumento do Executivo é impedir manifestações turbulentas, mas os índios são os primeiros a tentar evitar qualquer tipo de agressão ou ato mais acirrado. A agenda montada por eles inclui visitas à Câmara e ao Senado, a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e debates sobre o retrocesso nas demarcações de terras com especialistas e representantes de movimentos sociais.

Muitos também reclamaram hoje do vídeo postado pelo presidente Jair Bolsonaro na última semana, em que os chama de “desordeiros”. Bolsonaro ainda deu a entender que os índios foram orquestrados por Organizações Não-Governamentais (ONGs) que financiavam este tipo de evento. Além disso, o Palácio do Planalto divulgou que estava prevista a presença de 10 mil deles no acampamento. A Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) negou, em nota, as declarações do presidente.

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Caráter pacífico

Representantes do acampamento destacaram que o evento, em todas as edições, sempre teve um caráter pacífico, reiteraram que a viagem dos índios até Brasília nunca foi bancada com recursos públicos nem por ONGs e ressaltaram que o número de participantes é próximo de 4 mil, não aos 10 mil que o governo afirmou.

Eles protestam, entre outros temas, contra a extinção de conselhos que tinham a participação de representantes indígenas, o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a desconstrução de políticas públicas voltadas para a saúde nas regiões onde estão alojadas estas tribos, principalmente na Região Norte do país. “Não é apenas isso, estamos vivendo um contexto muito sério”, disse Aírton Soares, que tem descendentes indígenas e foi um dos organizadores de caravana que trouxe parentes da tribo Xucuru, de Pernambuco.

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“O governo não nos ameaça apenas com a paralisação das demarcações, mas com a investida para exploração de minérios e abertura das terras para o agronegócio nas terras indígenas. Os que estão sentados nas cadeiras dos ministérios e o presidente precisam lembrar que isso é inconstitucional. Como se isso não bastasse, temos vivido situações de intolerância e invasões em várias aldeias do país’’, queixou-se.

Com o apoio de parlamentares, integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e representantes de movimentos sociais, os índios conseguiram algumas vitórias nestas primeiras horas de acampamento. Uma delas foi decisão do ministro Luís Barroso, do STF, sobre a Funai.

Barroso negou ação impetrada junto ao Supremo para impedir que as atribuições da Funai fossem transferidas para o Ministério da Agricultura. Mas por outro lado, fez uma ressalva em sua decisão para que as demarcações não sejam paralisadas, uma vez que estão previstas na Constituição, o tribunal “poderá intervir” para determinar ao poder público que as realize. Os índios também devem se encontrar com ministros de tribunais superiores.

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Animosidade

Lúcia Santos, da tribo Parakanã, do Pará, afirmou que esta é a sétima vez que vem a Brasília e nunca viu um clima de animosidade como percebeu agora, com policiais portando armas e circulando constantemente pela Esplanada. “É como se esperassem que a gente entrasse em guerra. A gente não quer nada disso, só repetir o que fazemos todos os anos: lembrar  nossas tradições, apresentar uma lista de pedidos e conversar com as autoridades”, contou.

No acampamento também há crianças e bebês de colo. A índia Enir Correia, da tribo Kaimbé da Bahia, afirmou que este é o terceiro ano que vem com os três filhos. Ela aproveitou para amamentar o mais novo, de nove meses, em meio à entrevista e posar para fotos. “Todos sabem que o índio carrega seus filhos para onde vai. E a gente se programa de vir para cá em conjunto mesmo, com as famílias completas. É bom porque nossa luta é antiga e os mais novos precisam saber disso cedo para nos ajudar a pedir pelos nossos direitos. Se não fazemos isso, terminamos sendo esquecidos”, disse.

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A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), única parlamentar índia desta legislatura, aproveitou a ida ao acampamento para reclamar que a atitude do governo de colocar a Força Nacional de Segurança na Esplanada é  deliberação absurda e intolerante, que não respeita a democracia”.

“Estamos vivendo tempos sombrios, em que os direitos sociais estão em risco. Estamos preocupadas com a segurança dos povos indígenas, os direitos de ir e vir e de se manifestar precisam ser respeitados. Queremos proteção, e não repressão”, destacou Joênia. Os acampados pretendem realizar, nesta noite, uma vigília em frente à sede do STF.

Programação do Acampamento Terra Livre

Quinta-feira (25)
Manhã
• Participação de lideranças indígenas em audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir o papel dos povos indígenas na proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável e as consequências da MP 870/19
• Cantos e apresentações de danças e rituais
• Audiência na Câmara legislativa distrital de delegação de lideranças indígenas com deputados do Distrito Federal
Tarde
• Audiência de representantes do acampamento com ministros no STF
• Plenária nacional das Mulheres indígenas
• Plenária da Juventude e Comunicadores indígenas
Noite
• Lançamento de relatórios

Sexta-feira (26)
Manhã

• Realização de rituais indígenas
• Marcha dos índios (em roteiro a ser estabelecido
Tarde
• Plenária de encerramento
• Aprovação da agenda de lutas
• Aprovação do documento final do Acampamento Terra Livre 2019 (ATL 2019)
Noite
• Encerramento com noite cultural e apresentações indígenas
 

Sábado (27)

• Retorno das delegações para suas terras

O que querem os povos indígenas

• Anulação do dispositivo da Medida Provisória 870/2019 que tira a Fundação Nacional do Índio (Funai) da estrutura do Ministério da Justiça, vinculando o órgão ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
• Devolução, para a Funai, da função de demarcar terras indígenas, hoje no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
• Revogação dos decretos presidenciais que extinguem os conselhos participativos, dentre eles os colegiados que discutem as questões indígenas
• Rejeição da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que passa para o Congresso a atribuição de demarcar terras indígenas, atribuição do Executivo Federal
• Invalidação, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), da tese do marco temporal, que garantiria o direito ao território apenas se a área a ser demarcada fosse ocupada pelos indígenas em outubro de 1988, quando a atual Constituição foi promulgada, ignorando os direitos constitucionais que asseguram aos povos tradicionais as terras historicamente ocupadas
• Rejeição da proposta da municipalização da saúde indígena, que tornaria ainda mais precário o atendimento a este importante direito constitucional aos primeiros moradores do país
• Arquivamento dos projetos de flexibilização do licenciamento ambiental, que criam riscos a toda sociedade e, em especial, aos povos indígenas, expondo comunidades a desastres como os de Mariana, Barcarena e Brumadinho.

Fonte: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

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