Início da ditadura

Tribunal derruba liminar que proibia governo de comemorar golpe de 1964

Para desembargadora plantonista, a medida do governo federal está dentro da alçada das competências da administração. E 'ainda não houve violação da legalidade, tampouco dos direitos humanos'

Evandro Teixeira

Abril de 1969: repressão durante missa na Candelária do estudante assassinado Edson Luís

São Paulo – A desembargadora de plantão Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), cassou hoje (30) a decisão da véspera, (29) da Justiça Federal do Distrito Federal, que impedia a União e as Forças Armadas de comemorar o golpe de 1964. Conforme seu despacho, a medida do governo federal está dentro da alçada das competências da administração. E que ainda não houve violação da legalidade, tampouco dos direitos humanos.

“Não obstante reconheça a sensibilidade do tema em análise, confiro relevância à argumentação da agravante, no sentido de que a recomendação deduzida pelo Presidente da República insere-se no âmbito do poder discricionário do administrador”, disse Maria do Carmo.

A plantonista acatou os argumentos da Advocacia-Geral da União, de que as ações propostas não preenchem os requisitos necessários para concessão de uma medida liminar. Caso a tutela de urgência fosse mantida, a competência administrativa do Poder Executivo ficaria, conforme defendeu, a AGU, comprometida, afetando o princípio da separação de funções constitucionais do Estado.

Maria do Carmo Cardoso cita, ainda, a nota divulgada pelo Ministério da Defesa como comprovação de que não há afronta à memória ou à verdade referentes ao período do regime de exceção que vigorou no país entre 1964 e 1985.

“Não visualizo, de outra parte, violação ao princípio da legalidade, tampouco violação a direitos humanos, mormente se considerado o fato de que houve manifestações similares nas unidades militares nos anos anteriores, sem nenhum reflexo negativo na coletividade. Constato, ademais, que a nota divulgada pelo Ministério da Defesa, já amplamente veiculada pela imprensa, não traz nenhuma conotação ou ideia que reforce os temores levantados pelos agravados, de violação à memória e à verdade, ao princípio da moralidade administrativa ou de afronta ao estado democrático de direito – o qual pressupõe a pluralidade de debates e de ideais”, apontou a desembargadora.

A deliberação se deu no âmbito de uma ação popular e de uma ação civil pública proposta pela Defensoria Pública da União. No recurso, a AGU questionou a legitimidade da proponente, “uma vez que o órgão deve atuar primordialmente na defesa de pessoas hipossuficientes, ou seja, carentes de recursos econômicos ou necessitados jurídicos”.

“Não há qualquer elemento ou indicação de presença de pessoas hipossuficientes na presente demanda; em verdade, o que se revela da atuação da DPU, é que procura agir na defesa (em tese) de toda a coletividade brasileira, visto que defende, consoante a sua percepção, a moralidade administrativa em geral”, detalhou a AGU, no agravo de instrumento.

Incompatível

Em seu despacho desta sexta-feira, a juíza Ivani Silva da Luz afirma que a comemoração é incompatível com o processo de reconstrução democrática promovida pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e pela Constituição Federal de 1988.

“Nesse contexto, sobressai o direito fundamental à memória e à verdade, na sua acepção difusa, com vistas a não repetição de violações contra a integridade da humanidade, preservando a geração presente e as futuras do retrocesso a Estados de exceção”, explicou.

A Defensoria Pública da União (DPU), autora da ação, argumentou que a ditadura violou diversos direitos e garantias fundamentais dos brasileiros. E que o regime promoveu assassinatos, torturas, prisões arbitrárias e cassações de políticos, funcionários públicos e dirigentes sindicais. A ordem de Bolsonaro, assim, viola o princípio da legalidade. 

Com informações do Consultor Jurídico