Nada a celebrar

Ministério Público pede que comandos militares não comemorem golpe de 1964

A homenagem, por qualquer servidor, de um regime caracterizado pela supressão da liberdade viola a Constituição

Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Protesto na Câmara, no final de 2018, lembrou os 50 anos do AI-5, que marcou o período mais repressivo da ditadura

São Paulo – Instalações militares em todo o país estão recebendo uma recomendação do Ministério Público Federal para que se abstenham de comemorar, no próximo fim de semana, o golpe de 1964, conforme desejo do governo. No documento, o MPF pede aos comandos militares que adotem providências no sentido de garantir que os subordinados não promovam ou tomem parte em manifestações públicas, “em ambiente militar ou fardado”, falando inclusive em punições disciplinares.

O Ministério Público observa que “a homenagem por servidores civis e militares, no exercício de suas funções, ao período histórico no qual houve supressão da democracia e dos direitos de reunião, liberdade de expressão e liberdade de imprensa viola a Constituição Federal, que consagra a democracia e a soberania popular”. Além disso, a Carta de 1988 “repudia o crime de tortura, considerado crime inafiançável, e prevê como crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

Ontem (26), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão já havia divulgado nota pública na qual afirmava que comemorar a data é “incompatível” com o Estado democrático de direito. Os procuradores citaram violações sistemáticas aos direitos humanos cometidas por agentes públicos durante a ditadura. 

O MPF diz ainda que as Forças Armadas são “instituições nacionais permanentes e regulares, destinadas à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais, não devendo tomar parte em disputas ou manifestações políticas, em respeito ao princípio democrático e ao pluralismo de ideias que rege o Estado brasileiro”.

Após 1988, acrescenta, por diversas vezes o Estado reconheceu a ausência de democracia e graves violações de direitos humanos a partir do golpe de 1964. Cita ofício nesse sentido (10.944, de 2014) das próprias Forças Armadas, que diziam não se contrapor às conclusões da Comissão Nacional da Verdade, por não dispor de “elementos que sirvam de fundamento para contestar os atos formais de reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro por aquelas práticas”.

Os procuradores salientam que o presidente da República se submete à Constituição e às leis vigentes, “não possuindo o poder discricionário de desconsiderar todos os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 31 de março de 1964 como antidemocrático”. O Ministério Público cita a Lei 8.429, de 1992, sobre improbidade administrativa.