República de Curitiba

‘Lava Jato não pode falar em nome da sociedade e do MP’, diz advogado

“Não se sabe, no Brasil, o que diz o acordo feito nos Estados Unidos. Os procuradores da Lava Jato sabem, mas decidiram não nos mostrar”, afirma o criminalista Renato Vieira

André Richter/ABr

Sede da Polícia Federal em Curitiba, um dos símbolos da Operação Lava Jato

São Paulo – A força-tarefa da Operação Lava Jato extrapolou suas atribuições e competências ao tentar criar uma fundação para gerir recursos oriundos dos processos relativos à Petrobras. E o Ministério Público Federal do Paraná não pode falar em nome de toda a instituição, muito menos a partir de um acordo feito nos Estados Unidos que as autoridades brasileiras desconhecem. A opinião é do advogado Renato Vieira, sócio do escritório Andre Kehdi & Renato Vieira Advogados.

“A força-tarefa não pode falar em nome da sociedade brasileira e muito menos em nome do Ministério Público como um todo, tendo em vista que se está diante de um valor alto e que diz respeito à comunicação entre dois países”, diz. “Isso deveria forçosamente ter passado pelo Congresso Nacional e ser decidido no âmbito da Justiça Federal.”

Na opinião de Vieira, nesse sentido, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “está absolutamente correta” nas argumentações da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 568, que apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação, ela pede o fim do acordo entre a força-tarefa de Curitiba e a Petrobras que garante a criação de um fundo bilionário sob o controle dos procuradores da Lava Jato.

A procuradora-geral também é enfática quanto à gestão dos recursos. “Não compete ao Ministério Público Federal ou ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba administrar e gerir, por meio de fundação, recursos bilionários que lhe sejam entregues pela Petrobras”, afirmou.

Para Renato Vieira, um forte indicador de que a situação se reveste de um caráter “absurdo” é o fato de que o Ministério Público Federal do Paraná, sem nenhuma explicação plausível, ao divulgar o acordo com a Petrobras, não tornou públicos os termos do acordo de não persecução penal firmado nos Estados Unidos, com o Departamento de Justiça norte-americano.

“O que eles tentaram fazer foi um comprometimento das divisas brasileiras com base em um acordo firmado fora do país, mencionando esse acordo e sonegando das autoridades brasileiras o conteúdo firmado lá fora”, diz Vieira. “A premissa é muito complicada, porque inclusive é dito nesse acordo (feito no Brasil) que a Petrobras foi vítima. Mas quem faz acordo de não persecução penal não é vítima. Isso também seria motivo do engodo deste acordo.”

Debate social

Como nenhuma autoridade brasileira, ao que se sabe, conhece o conteúdo do acordo com o Departamento de Justiça americano, o que foi firmado no Brasil não tem como ser prestigiado, defende o advogado. “Não se sabe, no Brasil, o que diz o acordo feito nos Estados Unidos. Os procuradores sabem, mas decidiram não nos mostrar.”

A homologação do acordo entre o MPF e a Petrobras foi feito pela juíza federal Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Na terça-feira (12), a força-tarefa da Lava Jato aparentemente recuou da intenção de criar a fundação. Segundo nota do MPF, “diante do debate social existente sobre o destino dos recursos, a força-tarefa está em diálogo com outros órgãos na busca de soluções ou alternativas que eventualmente se mostrem mais favoráveis para assegurar que os valores sejam usufruídos pela sociedade brasileira”. Porém, na noite do mesmo dia, em entrevista ao portal UOL, o procurador da República Roberson Pozzobon, da Lava Jato, disse que não houve recuo. “Desistiu? Não. A (implantação) foi suspensa para melhores reflexões”, afirmou.

“A decisão sobre quem deve usufruir dos valores não é algo que tem que ser decidido pela força-tarefa. Seria uma novidade ao arrepio da repartição constitucional e legal de atribuições do MP, tanto federal quanto estadual”, insiste Renato Vieira.

Segundo o assessor jurídico da Federação Única dos Petroleiros, Normando Rodrigues, “o recuo temporário dos procuradores da Lava Jato não põe fim à ação popular (ajuizada pela FUP)”. A ação foi distribuída na 11ª Vara Federal, subordinada ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).

Quatro ações foram protocoladas pelo PT, PDT e Pros contra o acordo firmado entre a força-tarefa da Lava Jato com o governo dos Estados Unidos e a Petrobras, segundo o PT, e a consequente criação de uma fundação para gerir R$ 2,5 bilhões oriundos de multa da estatal. As agremiações apresentaram as ações no STF, Tribunal de Contas da União (TCU), Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).