Contradições

Choque entre liberdade sexual e moralismo é um dos focos de tensão do Brasil

Opinião é do historiador e brasilianista americano James Naylor Green, convidado desta quinta-feira (28) do programa 'Entre Vistas', da TVT

Reprodução/Facebook

Para James Green, o governo Bolsonaro impulsiona o ressurgimento de um moralismo que não é novidade no Brasil

São Paulo – Entender o Brasil não é tarefa fácil. Apesar da dificuldade de compreender um país tão grande e diverso, essa é a tarefa à qual se propôs o historiador e brasilianista americano James Naylor Green. Professor de História do Brasil na Brown University e coordenador da Rede Norte-Americana pela Democracia no Brasil, Green é o convidado do programa Entre Vistas desta quinta-feira (28), que vai ao ar a partir das 22h, na TVT.

O jornalista e apresentador Juca Kfouri abre o programa perguntando qual a explicação para o fato de 153 pessoas terem sido assassinadas no Brasil, em 2018, devido simplesmente a sua orientação sexual.

“É uma tradição brasileira de violência contra os LGBTs, gays, trans, não é uma novidade, mas no ano passado aumentou essa violência, eu acredito, pela violência do discurso do presidente Bolsonaro e seus seguidores, que estão realmente reforçando o ódio contra pessoas que têm uma orientação ou comportamento diferente”, responde James Naylor Green.

Juca Kfouri então o questiona sobre como interpretar tamanha violência num país famoso pela alegria do carnaval e por ter um povo acolhedor. A resposta que poderia ser complexa para um tema espinhoso, acaba sendo simples.

“Temos que entender uma coisa que é óbvia. O Brasil é cheio de contradições, entre eles uma liberdade sexual muito grande e também um conservadorismo muito forte”, afirma o brasilianista. Como exemplo, Green aponta o movimento contra o governo de João Goulart nos anos de 1963 e 1964, quando forças conservadoras que pregavam a defesa “da família, da tradição e da propriedade” se mobilizaram contra o então presidente.

“Um moralismo que está ressurgindo agora com esse novo governo no poder, ou seja, o Brasil sempre conviveu com uma certa liberdade e uma moralidade católica, agora protestante, muito enraizada na cultura, principalmente nas classes médias. Esse é o problema. Convivem esses dois fenômenos sempre em tensão”, analisa.

Participam do Entre Vistas a roteirista Marta Nehring, filha de Norberto Nehring, morto sob tortura, em 1970, durante a ditadura civil-militar, e a advogada e antropóloga Terra Johari, membra da Comissão da Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Ainda no primeiro bloco do programa, Terra Johari pergunta ao convidado como as origens totalitárias do Brasil com o período da escravidão, o mais longo do mundo, se refletem na atualidade do país. O questionamento faz James Naylor Green lembrar de um cartaz que viu durante as manifestações de junho de 2013, onde estava escrito: “Não são 20 centavos, são 500 anos”.

O historiador pondera que os primeiros escravizados no Brasil foram os índios, e depois os negros trazidos a força da África para trabalhar na lavoura da cana-de-açúcar, entre outras serviços. O resultado, na opinião do historiador, é a criação de uma sociedade hierarquizada, onde as pessoas brancas têm privilégios que as pessoas não brancas não têm, e onde há uma noção de que certas pessoas têm o direito de fazer o que bem quiserem na vida, enquanto outras têm o sentimento de impossibilidade de reivindicar qualquer coisa porque se consideram inferiores.

Para ele, tal estrutura social passou por transformações nas últimas décadas, com o crescimento de movimentos sociais e populares, especialmente nos últimos governos.

“Acho que uma das explicações sobre o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff e toda essa campanha contra o PT e outros setores populares, é que justamente houve transformações sociais, não radicais ou revolucionárias, mas significativas, e que afetou muitas pessoas acostumadas a terem privilégios sociais, que se assustaram com isso”, explica o brasilianista.

Como exemplo, ele pondera sobre o quanto foi chocante para a classe média a lei que regularizou o trabalho das empregadas domésticas. “De repente já não era mais tão fácil contratar uma pessoa, em geral uma mulher negra, para trabalhar em casa como ‘escrava’. Tinha que pagar mais, ela tinha direito a pedir licença, férias, 13º salário. Isso foi um choque muito grande. E isso vai em todos os sentidos”, afirma Green, citando o crescimento do movimento LGBT, que reivindicou transformações sociais e culturais sobre o modo de entender diferenças no comportamento sexual e de gênero.

O Entre Vistas com o historiador e brasilianista James Naylor Green vai ao ar nesta quinta-feira, a partir das 22h.

Confira o Entre Vistas: 

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