Estado sem Direito

Advogados condenam projeto anticrime de Moro em audiência pública da OAB-SP

Para operadores do Direito, proposta é “atécnica', incentiva a violência policial, afronta direitos básicos da Constituição e foi construída 'como um produto' de campanha eleitoral

Mídia Ninja

Violência policial: projeto ofende direitos de cidadania e garantias fundamentais da Constituição de 1988

São Paulo – A Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), realizou na tarde desta quarta-feira (27) uma audiência pública para a discussão do Projeto de Lei “anticrime” do Ministério da Justiça e Segurança Pública, assinado pelo ex-juiz e atual ministro Sérgio Moro.

Advogados e operadores do Direito destacaram veementemente o caráter ofensivo a direitos de cidadania, às garantias fundamentais da Constituição de 1988 (como a presunção de inocência), ao Estado democrático de Direito, entre outros. A falta de diálogo do ministro da Justiça com a sociedade e os advogados do país, assim como os aspectos antidemocráticos de seu projeto do ponto de vista social, também foram destacados.

Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) David Teixeira de Azevedo, por exemplo, o que Sérgio Moro quis foi na verdade “lançar um produto”, objeto de campanha presidencial, que tem um grande apelo emocional e trabalha com sentimento de insegurança da população. Para ele, a caracterização do texto como “produto” pode ser observada logo no início do PL, em seu artigo primeiro, ao definir: “Esta Lei estabelece medidas contra a corrupção”.

Segundo Azevedo, ao contrário do que o próprio Moro afirmou em defesa própria recentemente, o projeto incentiva a violência policial. “Há autorização para a polícia matar? Há, sim. Não se está falando de legítima defesa. O que se trata é de autorização para matar”, disse o professor, que ironiza: “E para matar sob violenta emoção? Por medo, por risco? O policial militar não é treinado para não ter medo, para não ter surpresa, para não agir com violenta emoção? Mas é a este que se está dando a autorização.”

O projeto de Moro prevê expressamente: “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Na opinião de Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro Segurança Pública, o pacote de Moro, com a “escusável emoção”, introduz no sistema penal brasileiro “a legítima defesa da honra como critério de absolvição sumária”.

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Parece que a gente vai vivenciar algo que já tinha sido superado, diz conselheira federal da OAB

Sobre esse tema, Alice Bianchini, conselheira federal da OAB, destacou que a “violenta emoção” merece especial atenção. “Desde a década de 70 conhecemos a ideia de que ‘quem ama não mata’. E quando vimos aquilo de novo no projeto, ficamos muito preocupadas, porque parece que a gente vai vivenciar algo que já tinha sido superado, enterrado, e não se precisaria mais discutir. É uma preocupação do movimento de mulheres”, assinalou.

O Conselho Federal da Ordem já instituiu um grupo de trabalho, do qual Alice faz parte, para analisar a proposta de Moro. O relatório final será apresentado no dia 20 de março. Uma de suas funções no grupo de trabalho, explicou, é fazer uma análise “precisa” sobre os aspectos que envolvem as mulheres no projeto de Sérgio Moro.

De cima para baixo

De modo geral, a proposta “anticrime” de Moro foi apresentada “de cima para baixo”, como uma nova roupagem das dez medidas do Ministério Público”, disse o conselheiro seccional da OAB-SP Cristiano Ávila Maronna, em alusão ao projeto de 2015 do MPF que supostamente combateria a corrupção e a impunidade no Brasil.

“O Ministério da Justiça não proporcionou debate com a sociedade e propõe a supressão de garantias como a presunção de inocência. A Constituição é literal ao dizer que só pode haver execução da pena após trânsito em julgado. Não é necessário aqui esclarecer o que a Constituição Federal deixou evidente”, afirmou. A supressão de salvaguardas aos direitos individuais no projeto comprometem a democracia, destacou, já que são garantias que limitam a punição em qualquer democracia.

“E não foi apresentada evidência científica da eficácia dessas medidas”, aduziu Maronna. Além disso, o projeto não tem qualquer proposta para incrementar a investigação criminal, mas sua direção é apenas a da punição. Ele citou pesquisa que baseou a tese de doutorado do juiz Marcelo Semer, segundo a qual quase 90% das condenações por tráfico de drogas se dá em decorrência de prisão em flagrante e apenas cerca de 10% devido a investigação. “Isso mostra o baixo impacto da investigação criminal no país.”

O deputado federal Luiz Flavio Gomes (PSB-SP) também destacou que a prisão após condenação em segunda instância é inconstitucional. “Só com emenda constitucional. O Moro quer fazer por lei ordinária. Não Pode.”

O criminalista Alberto Zacharias Toron lembrou que, desde 1941 (o Código de Processo Penal entrou em vigor em 1° de janeiro de 1942), existe no país o recurso com efeito suspensivo, cujo objetivo é defender o réu de “acusações excessivas”. “Quer-se tirar a eficácia defensiva para ir mais rápido para o júri. O réu vai a júri, é condenado e fica condenado o recurso. Pressa é o nosso problema? Coloquemos prazo para julgar o recurso, e não tirar algo essencial”, disse Toron.

Para a advogada Marina Coelho Araújo, o projeto é “atécnico, desprovido de estudos de dogmática penal e não respeita técnicas legislativas”. Segundo ela, a legítima defesa já é um conceito inerente à legislação brasileira, e o intuito de ser colocada no projeto é bem diferente do alegado combate ao crime. “Na técnica jurídica já está incluída a ideia, não precisa falar de agentes de segurança pública. Estão querendo dizer que a gente precisa de uma polícia mais violenta para combater a criminalidade.”

O advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes comentou sobre Sérgio Moro: “Tem 44 anos de idade. Precisa viver para amadurecer e entender que um projeto de lei não se põe com desprezo a 780 mil técnicos (advogados) que estão esperando ser ouvidos”.