grito de basta

‘Vivemos um festival de horrores’, afirma Haddad sobre exílio de Jean Wyllys

Ato público em São Paulo faz defesa da democracia e presta solidariedade ao deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), que desistiu de seu terceiro mandato e vai viver fora do país, após ameaças de morte por apoiadores de Bolsonaro

Christian Braga / PSOL

Auditório da Faculdade de Direito da USP reuniu partidos, juristas, artistas, intelectuais e militantes em defesa da democracia e em apoio a Jean Wyllys, agora um exilado da ‘era Bolsonaro’

São Paulo – “Vivemos em um festival de horrores. O caso de Jean é um de milhares. Precisamos alertar a sociedade”, disse o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), durante sua participação, ao lado de outras lideranças políticas de diferentes partidos – além de juristas, jornalistas, artistas, intelectuais e militantes –, do ato público [email protected] Com Jean Wyllys: Em Defesa da Democracia, na noite de ontem (29), na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, na região central de São Paulo.

Em um auditório lotado, muito foi falado sobre o ódio e o preconceito que levaram o deputado federal eleito para seu terceiro mandato Jean Wyllys (Psol-RJ) à renúncia e ao exílio. A acusação central foi ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), que atua como um ícone dos movimentos de extrema-direita do país.

Jean sofre ameaças de grupos de apoio ao presidente há um bom tempo. Como base para tais ameaças, os grupos espalham um número massivo de fake news, movimentadas pela mesma estrutura que garantiu o Planalto a Bolsonaro.

“Existe um processo de infantilização. É impressionante as mentiras que acreditam via WhattsApp (…) É loira do banheiro, é kit gay, é tudo. Como as pessoas podem acreditar nessas coisas? O que está acontecendo? Não podemos deixar com que esse processo prospere, o tempo corre contra a gente. O tempo faz com que o povo se acostume com a barbárie”, disse Haddad, que foi aluno daquela faculdade.

Christian Braga / PSOLboulos haddad medeiros
Guilherme Boulos, Fernando Haddad e Juliano Medeiros. Unidade pelo restabelecimento da democracia no país

Ao lado dele, como sua vice, Manuela D’Ávila (PCdoB), que foi a candidata a vice de Haddad nas eleições presidenciais, também esteve no ato em solidariedade a Jean. Seu discurso antecedeu o de Haddad, e foi na mesma direção. “Temos que dar nome às coisas. Precisamos dizer que a onda de fake news e as redes de ódio são responsáveis pelo exílio do Jean (…) São muitos anos que Jean sofre com isso e não é por acaso (…) Precisamos falar sobre o dinheiro sujo que financia fake news e ódio. Foi isso que definiu as eleições no Brasil. Ali estava o dinheiro não declarado de campanha”, disse.

Outro presidenciável, do partido de Jean, Guilherme Boulos, aumentou o calibre das palavras contra Bolsonaro. Para ele, o presidente serve como um farol para aqueles que ameaçam Jean de morte. “Temos que apontar os responsáveis. Não venha me dizer que são os babacas das redes sociais. Quando se mata alguém, nunca o responsável é só quem aperta o gatilho. Estão construindo este ambiente, estimulando o ódio e a violência. A responsabilidade política das ameaças ao Jean, inclusive pela forma como reagiu, essa responsabilidade é do Bolsonaro. Ele deve ser cobrado”, disse.

Boulos fez referência à reação do presidente que, logo após Jean anunciar exílio com medo de ameaças de morte, comemorou via redes sociais. “Quando a mensagem de ódio e de violência vem de cima, ela se reproduz como um pode tudo na sociedade. Quando alguém ameaça, agride, mata, ele se sente legitimado por quem está lá em cima que constrói este discurso. A postura do Bolsonaro quando Jean anuncia sua decisão é duplamente lamentável. Comemorou um deputado eleito saindo do país por conta de ameaças. Segundo porque é covarde. Veio dizer que não era aquilo. É um moleque. Essa turma tem coragem de dizer que Jean se acovardou. Mas quem é covarde é quem está no Planalto. Bolsonaro é um covarde.”

Grito de basta

O líder do Psol terminou sua fala ao dizer que Jean está dando um “grito de basta”. “É importante ouvir esse grito e transformar em disposição, unidade e mobilização para que possamos começar a virar esse jogo. Para construirmos um país aonde alguém como Jean seja valorizado. Aonde todas as formas de amor sejam valorizadas e respeitadas. Um país aonde o lucro não esteja acima das vidas, como nos assassinatos da Vale. Querem mudar a lei antiterrorismo para pegar MST e MTST. Mude para pegar os dirigentes da Vale. Terroristas são eles.”

A indignação com fatores políticos que acontecem em sucessão nos últimos períodos, como o crime ambiental da Vale, citado por Boulos, o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), entre outros, norteou o ato. “Estamos vivendo um dos piores momentos da nossa história. Um paladino dos direitos humanos foi obrigado a sair do Brasil para não ser morto. Estamos diante de um regime que elimina as pessoas fisicamente, como aconteceu com Marielle. Assim eles fazem. O clima não é bom. O Judiciário vive a pior crise, não me lembro de nenhum tempo, a não ser o mais negro do golpe, aonde a luta por direitos é tão arriscara. Um homem como Jean Wyllys deixará de exercer seu mandato porque não é possível sobreviver deste jeito. Não há mais consciência”, disse o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello.

Christian Braga / PSOLManuela Jean
Manuela D’Ávila, do PCdoB, também presente na luta pela democracia

A viúva de Marielle, Mônica Benício, também colocou a responsabilidade sobre Bolsonaro, ao apontar supostas relações de sua família com grupos de criminosos milicianos no Rio de Janeiro. “Falar de Jean é falar em democracia, ele que resistiu a todo tipo de violência. Bravamente representou a população LGBT e não podemos deixar isso ser apagado. Precisamos deixar nossos defensores serem mortos ou exilados para mostrarmos descontentamento. Jean não soltou nossa mão, quem soltou foi esse clã do governo que tem pacto com a milícia.”

Ecos do passado

Para o professor de Ciência Política da USP, Vladimir Safatle, que é articulador do Psol, a obrigação de Jean de partir para o exílio faz parte de um contexto histórico. “Estamos falando de um país que não quis ver que era o único país do continente que não colocou um torturador na cadeia. Único país do continente aonde hoje se tortura mais gente do que na época da ditadura. Nada do aparato repressivo da ditadura foi desmontado. A grande maioria do povo brasileiro não tem ideia do que seja democracia. Eles têm suas casas invadidas a todo o tempo pela polícia. Vivem em um Estado de exceção. Uma democracia para poucos.”

Safatle argumentou que as supostas relações de Bolsonaro com as milícias possuem a mesma origem. “Quem está ocupando o poder é o porão, a escória da ditadura militar, os criadores das milícias. Bolsonaro ter pacto com a milícia não é estranho, sabendo da laia de onde eles vieram. Que fique claro, porque temos um grande desafio. Temos a obrigação de criar uma democracia de verdade, não tentar retomar os pactos, a conciliação, mas criar algo que este país ainda não viu.”

O professor, por fim, deixou uma mensagem de esperança, de que “esses que estão no poder já nos tiraram de lá. Já nos exilaram. E eles perderam. E vão perder mais uma vez. Isso vai acontecer quando o povo brasileiro entender que o que eles têm a oferecer é lama, é tiro, é miséria e empobrecimento”.

Logo em seguida, a deputada estadual eleita Erica Malunguinho (Psol-SP), fez um discurso combativo lembrando o dia de ontem como o Dia da Visibilidade Trans. “Venho aqui no dia da visibilidade trans. Vim celebrar as importantes conquistas da população trans, celebrar pessoas trans que estão vivas a despeito de toda a pressão. Essa celebração faz referência a um chamado. O que aconteceu com Jean Wyllys é a ponta de um iceberg. O que fizeram com Marielle. O que fez um grande professor não ser eleito. O que fez uma presidenta ser deposta. O que fez alguém sem crime estar preso. Isso tudo é ponta de iceberg da naturalização da violência em relação a determinados corpos. Isso não diz respeito apenas à direita fascista.”

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