Entrevista

Samuel Pinheiro Guimarães: ‘A forma como Lula está sendo tratado é medieval’

Para diplomata, episódio judicial que impediu ex-presidente de participar do velório do irmão Vavá mostra que sua situação é quase a de uma prisão solitária

José Cruz/ABr

“O que deseja a diretoria da Vale? Receber melhores salários”, diz diplomata sobre tragédia de Brumadinho

São Paulo – Segundo o embaixador e ex-secretário geral do Itamaraty Samuel Pinheiro Guimarães, a proibição ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ir ao enterro do irmão Genival, o Vavá, que morreu terça-feira (29), “é algo extraordinário”  e demonstra o medo que Lula inspira, por “representar o povo brasileiro”. “A forma como o presidente Lula está sendo tratado pelo Judiciário, pela polícia e por todos é absolutamente medieval”, diz.

Após a rejeição do pedido dos advogados do petista pelas instâncias inferiores, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, autorizou que Lula fosse à cerimônia. Mas a decisão do ministro veio já durante os trabalhos de sepultamento, e Lula decidiu não ir.

Para Pinheiro Guimarães, a situação do ex-presidente “é quase uma prisão solitária”.

O diplomata comentou também a tragédia de Brumadinho. “Antes da privatização não tinha havido nenhum acidente ambiental. E claro que houve, porque, se aumenta a fiscalização e a seriedade, diminuem os lucros”, disse, por telefone, à RBA.

Como o sr. avalia a proibição de Lula ir ao velório do irmão. Isso pode repercutir internacionalmente, inclusive na questão da campanha pelo Nobel da Paz?

Em primeiro lugar, a forma como o presidente Lula está sendo tratado pelo Judiciário, pela polícia e por todos é absolutamente medieval. Ele tem todo o direito pela lei de ir ao enterro do irmão. Ele não pode ver os amigos. É quase uma prisão solitária. É algo extraordinário. O medo que têm essas pessoas! Porque Lula representa o povo brasileiro, principalmente quando se faz o contraste dele com aquele que teria sido seu adversário na campanha, que ele teria vencido de forma extraordinária. Estamos vendo o que é a ignorância, a inexperiência, as vinculações com o crime e assim por diante.

Por outro lado fica cada vez mais patente que ele é vitima de uma perseguição política, porque não há prova nenhuma. Não há razão para ele não poder receber, por exemplo, Leonardo Boff (a juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal do Paraná, decidiu restringir, no dia 25, visitas de religiosos, que só poderão ver Lula uma vez por mês).

Essa situação pode repercutir internacionalmente?

É claro, é mais uma prova. O argumento que estão usando, por exemplo, que poderia prejudicar as buscas em Brumadinho… São argumentos absurdos. Como se não fosse possível o deslocamento de um helicóptero do Exército, ou até mesmo da presidência, ou particular. É uma tentativa ridícula de dizer que ele prejudicaria o resgate das vítimas de Brumadinho, que já são vítimas. Duzentos e cinquenta pessoas desaparecidas.

Essa ideia de privatizar é absurda. A Vale do Rio Doce foi privatizada por um preço ínfimo. Ao mesmo tempo gerou lucros enormes. E agora está sendo acionada em Nova York. Antes da privatização não tinha havido nenhum acidente ambiental. E claro que houve, porque, se aumenta a fiscalização e a seriedade, diminuem os lucros. O que deseja a diretoria da Vale? Receber melhores salários. Sabe qual o salário dos diretores da Vale? Um milhão e quinhentos mil reais por mês, para cada um! É algo extraordinário. E dizem uns que não têm culpa nenhuma.

Ou seja, o Brasil está com uma fama de país medieval.

Não é o Brasil. Vamos deixar claro: isto não é o Brasil, é o governo. O Brasil não é um país medieval. Claro que lá fora é o Brasil, não é?, porque afinal de contas o governo representa o Brasil. Mas a sociedade brasileira não é isso.

Mas a sociedade elegeu Bolsonaro…

A sociedade brasileira não, só 30%. São 150 milhões de eleitores, ele foi eleito com 57 milhões, Fernando Haddad teve 47 milhões. E 50 milhões não votaram nele. Não votaram em Fernando Haddad, isso é verdade, ou no PT, mas também não votaram a favor dele.

Na diplomacia, como o sr. vê a política de Relações Exteriores do Brasil hoje?

É só ler os jornais (risos). É algo muito inédito. Não existe na história do Brasil nada parecido, no passado. Não existe nada parecido em nenhum país do mundo. Só isso. Todos os jornais do mundo, os governos estão perplexos, com as declarações, com as iniciativas. É algo extraordinário. E é tudo uma falta de sensibilidade humana muito grande. Esses episódios que se sucedem, a troca de twitters, inclusive com um nível baixo.

Não é um problema só de português, é um problema de sensibilidade humana diante da tragédia. Houve uma tragédia há três anos (Mariana) e nada foi feito. São mais de 700 barragens em situação semelhante. Algo fora de série. Congonhas do Campo está ameaçada

Itabira e outras também...

Pois é, e assim por diante. É terrível. Enquanto isso a empresa manda ao exterior pagamento de lucros enormes. 

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