Lembranças

‘Meu pai era coração’, diz filho mais velho de Vavá, irmão de Lula

Família e amigos despedem-se do irmão do ex-presidente. Para ex-metalúrgico, outro preso em 1980, 'não querem que Lula tenha contato com a população, é um tiro no pé'

Ricardo Stuckert

Edison (último à direita) precisa de apenas uma palavra para definir o pai, a lembrança mais forte: coração

São Bernardo do Campo (SP) – Edison, Andréa, Márcio e Adriana, filhos de Genival Inácio da Silva, o Vavá, deixavam lentamente o Cemitério Municipal da Pauliceia, em São Bernardo, por volta de 13h30, sob um calor de 35 graus. Coube ao mais velho, Edison Inácio, 55 anos, comentar o fato de seu tio Luiz Inácio, irmão de Vavá, não ter podido comparecer ao enterro, no início da tarde desta quarta-feira (30). Repetiu várias vezes: “Não tem explicação, não tem lógica”. Para ele, trata-se de “um jogo político”.

Com idas e vindas judiciais, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, autorizou a saída de Lula para encontrar “exclusivamente” familiares, em uma unidade militar, para a qual o corpo de Vavá poderia ser levado. Uma decisão inócua, como observou o advogado de defesa Manoel Caetano Ferreira, dada praticamente no mesmo horário marcado para o enterro (13h). Diante disso, o próprio Lula decidiu não sair.

“Eles não querem que o Lula tenha contato com a população. O resultado é um tiro no pé”, afirmou o ex-deputado Djalma Bom, também ex-dirigente metalúrgico no ABC, funcionário da Mercedes-Benz, cuja fábrica fica perto do cemitério. Ele foi um dos presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional em 1980, durante uma greve da categoria. E lembrou que mesmo na ditadura Lula foi autorizado a deixar a prisão, para presenciar o enterro da mãe, Eurídice Ferreira de Melo, dona Lindu, no mesmo local, em uma quadra próxima. “Dona Lindu” dá nome à escola de formação do sindicato da categoria.

Vavá também morava na Pauliceia, em um sobrado. Tinha expectativa de visitar Lula no começo do ano, mas seu estado de saúde não permitia deslocamentos. Anos atrás, teve de amputar a perna esquerda. Amigos contam que, mesmo doente, se mantinha animado, uma característica sua, o que vários testemunhos confirmam. Tinha 79 anos. Lula completará 74 em outubro. Uma coisa os separava: o time de futebol. Enquanto o ex-presidente é corintiano, seu irmão era são-paulino.

Edison precisa de apenas uma palavra para definir o pai, a lembrança mais forte: coração. “Ele nunca deixou de ajudar quem precisasse. Falavam que era isso, que era aquilo, mas quem conheceu meu pai sabe que ele ajudava quem passava no portão”, lembra.

Vavá foi metalúrgico na Ford Ipiranga, em São Paulo, recorda Alberto Eulálio, o Betão, aposentado da Ford em São Bernardo, um dos vários a lembrar do irmão de Lula. Recorda-se também do próprio Edson, que segundo ele trabalhou em outra fábrica da região, a Blindex.

“Vavá não tinha momento triste”, diz Luiz Marinho, ex-presidente do sindicato e da CUT, ex-prefeito de São Bernardo e ex-ministro do Trabalho e da Previdência. “Era uma pessoa muito pra cima.” Amigo de Lula, o atual presidente estadual do PT diz que vigora no país “outro tipo de ditadura, não de violência física, mas de negação de direitos”. 

O ministro católico Sebastião Pinto da Silva conduziu a missa em homenagem a Vavá. “Convivi com ele mais de 40 anos”, conta, também morador do bairro Pauliceia, onde vive desde 1981. Trabalhou na Mercedes de 1970 a 1994. “Ele sempre demonstrou para minha família que é gente. A filha dele (Andréa) estudou com a minha. Com o Vavá não tinha tempo ruim”, acrescenta Sebastião, quase repetindo as palavras de Marinho. Pouco depois, ele dará a bênção final no momento do enterro, depois de gritos como “Viva o Vavá, viva o Lula, viva Lula livre!”.