Nova Era

Com apoio de militares, ‘Lava Jato’ de Moro e Bolsonaro pode ser risco à democracia

“Parece que os tentáculos vão se aprofundando de tal maneira que, daqui a pouco, será preciso dizer que no Brasil não há mais processo penal democrático', diz o advogado José Carlos Portela Junior

José Cruz/Agência Brasil

Portela destaca que a nova forma de autoritarismo que cresce no mundo é disfarçada de democracia

São Paulo — Os primeiros movimentos do ex-juiz e agora ministro da Justiça, Sergio Moro indicam que o governo de Jair Bolsonaro pretende reproduzir no plano federal a mesma estrutura e práticas contestáveis da Operação Lava Jato em Curitiba. Além de se cercar de ex-colegas da operação, Moro também tem estreitado relações com as Forças Armadas, gesto que pode ser um risco à democracia do país na opinião de José Carlos Portella Junior, membro do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia. 

“É preocupante, porque já se anuncia um aprofundamento do desmonte das garantias constitucionais. A Lava Jato representa um ataque central aos pilares da democracia, que são as garantias individuais, a não admissão da prova ilícita, um juiz imparcial, o devido processo legal e a prisão só depois do trânsito em julgado”, afirma em entrevista ao jornalista Glauco Faria na Rádio Brasil Atual. 

O advogado se mostra preocupado diante dos sinais de que serão institucionalizadas práticas consideradas abusivas, inclusive com o auxílio das Forças Armadas. “Parece que os tentáculos vão se aprofundando de tal maneira que, daqui a pouco, será preciso dizer que no Brasil não há mais processo penal democrático.”

Para ele, os primeiros movimentos do ministro Moro servem como um “alerta vermelho” para quem se preocupa com a democracia. Portella pondera que a aproximação com os militares e a ação conjunta entre o Judiciário e as Forças Armadas remete a um passado recente de péssimas recordações para quem conhece a História e sabe o que ocorreu na ditadura civil-militar (1964-1985), em que instituições que deveriam colocar “freios” ao arbítrio do Estado se aliaram à violência do período. 

“Parece que sem memória histórica a gente tende a repetir os mesmos erros, porque não se aprendeu com o passado, quando vidas foram destruídas”, lamenta. Para ele, se não houver uma resposta mais efetiva de quem se preocupa com a democracia, incluindo a OAB, que para Portela deveria se manifestar de modo mais incisivo, pode se institucionalizar no Brasil uma “ditadura dentro da democracia”. 

“A nova forma de autoritarismo é disfarçada de democracia, em que se usa das leis e de uma ‘capa’ de democracia, mas que no seu conteúdo há um germe de autoritarismo bastante forte”, define. 

Rio de Janeiro 

Na entrevista, o membro do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia também analisa as primeiras ações do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, como a criação de um Conselho de Segurança Pública para substituir a Secretaria de Segurança Pública, porém sob o comando de um desembargador, Jayme Boente. 

“Isso significa uma politização escancarada do Judiciário, que não poderia participar de políticas de persecução penal. O Judiciário deve fazer frente ao arbítrio estatal. Agora, se o Judiciário está dentro do próprio Estado fazendo persecução penal, acaba não fazendo o que deveria”, afirma Portela Junior.  

Para ele, essa inserção de um membro do Judiciário no Executivo também compromete a questão dos “pesos e contrapesos” entre os três Poderes numa democracia, onde um deve fiscalizar o outro, cada qual com seus mecanismos de controle.  

“Só que aqui estamos vendo a união entre os poderes Executivo e Judiciário e isso compromete o que é basilar numa democracia. E deixa o cidadão ao bel prazer do Estado para fazer o que bem entende em termos de combate à criminalidade”, afirma Portela, dando como exemplo o fracasso da “guerra contra as drogas” e que agora parece se repetir no combate à corrupção e às organizações criminosas. 

Ouça a íntegra da entrevista: