Carta à família

Sigmaringa Seixas recusou duas vezes indicação de Lula para vaga no STF

Ex-presidente envia carta a amigos e familiares do ex-deputado, morto nesta terça-feira. Segundo Lula, Sigmaringa dizia não estar preparado, 'praticando um desprendimento raro'

Depois de ter negada liberação para comparecer ao enterro do amigo, Lula enviou carta e coroa de flores

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ter convidado o ex-deputado e advogado Sigmaringa Seixas, morto nesta terça-feira (25), em duas oportunidades para assumir uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. E que em ambas as ocasiões as indicações foram recusadas. 

Identificado com a defesa das causas democráticas e dos direitos humanos, Sigmaringa, 74 anos, sofria de leucemia. Ingressou no PMDB no início dos anos 1980, foi eleito deputado constituinte em 1986 (DF) pela legenda, participou da fundação do PSDB em 1988 e filiou-se ao PT em 1994.

“Tive a honra de tê-lo como advogado, mas tive, principalmente, o privilégio de ter o Sig como amigo leal e generoso, convivendo familiarmente com você, Marina, e com nossa querida Marisa. Estes momentos são as melhores lembranças que levarei dele”, diz Lula em carta endereçada a Marina Luce de Carvalho, mulher de Sig, como era chamado pelo amigos.

“O que guardo dele é o exemplo singular da decência, ética, dignidade, independência e honestidade intelectual. Prova disso é que o convidei duas vezes para a nossa Suprema Corte e ele recusou, com o argumento de que não se sentia preparado para a função, praticando um desprendimento raro, mas não surpreendente vindo dele”, revela o ex-presidente.

Ontem, advogados enviaram à Justiça pedido de Lula para fosse autorizado a comparecer ao enterro do amigo. O juiz Vicente de Paula Ataíde Júnior negou o requerimento. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou, além da carta, uma coroa de flores, com a mensagem: “Saudades para sempre do amigo Luiz Inácio Lula da Silva e Família”.

Leia íntegra da carta:

“Minha querida Marina,

Foi com profunda tristeza que recebi a notícia da morte de meu grande amigo e seu companheiro de vida Luiz Carlos Sigmaringa Seixas. Nosso Sig teve a delicadeza de nos deixar no dia do Natal, uma data em que a sensibilidade das pessoas está voltada para o amor e para o bem, que foram a marca de sua passagem pela Terra.

É nessas qualidades do Sig que eu e seus incontáveis amigos e amigas estamos pensando neste momento de dor. Quantos defensores da Justiça e da Democracia conhecemos pessoalmente e ao longo da história de nosso país… Mas quantos se dedicaram à causa com abnegação, desprendimento e coragem como ele?

Não consigo me recordar agora de alguém que tenha vivido por estas causas sem perder a ternura, sem abrir mão da alegria de viver, sem faltar com a generosidade e o carinho que o Sig sempre dedicou aos amigos e à humanidade em que sempre acreditou. E foi por este amor à vida e à humanidade que ele lutou até as últimas forças.

Não conheço quem tenha ouvido dele uma palavra de rancor contra os muitos que o atacaram pela coerência que herdou do pai, o Velho Sigmão, e transmitiu aos filhos queridos Guilherme e Luíza. Também desconheço algum momento em que tenha titubeado diante dos riscos e ameaças por advogar em defesa de presos políticos e militantes sindicais durante a ditadura.

Poucos hoje são capazes de avaliar os riscos que ele correu, junto com um punhado de colegas, para levantar os documentos oficiais da Justiça Militar que comprovaram a prática de torturas no Brasil. Foram cinco anos de trabalho quase clandestino que resultaram no livro “Tortura: Nunca Mais”, com provas irrefutáveis contra 444 torturadores. Este livro mudou a historiografia do Brasil.

Eleito deputado constituinte, esteve no PMDB, no PSDB e no PT, sempre coerente com seus compromissos de vida e deixando amigos por onde passou. Como agente político e homem do direito, transitou entre os grandes e foi por eles respeitado e admirado. A cordialidade e o respeito à divergência foram os traços que o marcaram em ambientes onde a vaidade e a arrogância costumam vicejar.

Tive a honra de tê-lo como advogado, mas tive, principalmente, o privilégio de ter o Sig como amigo leal e generoso, convivendo familiarmente com você, Marina, e com nossa querida Marisa. Estes momentos são as melhores lembranças que levarei dele.

O que guardo dele é o exemplo singular da decência, ética, dignidade, independência e honestidade intelectual.

Prova disso é que o convidei duas vezes para a nossa Suprema Corte e ele recusou, com o argumento de que não se sentia preparado para a função, praticando um desprendimento raro, mas não surpreendente vindo dele.

Agora ele entra definitivamente no coração dos que o amavam e o admiravam, onde viverá eternamente.

Receba todo o meu carinho nesse momento de dor e transmita este sentimento, por favor, à família e aos muitos amigos e admiradores do Sig.

A vida segue, companheiro Sigmaringa, com a certeza de que o seu sonho de um Brasil de paz, fraternidade e justiça social ainda se transformará em realidade, por obra do nosso povo maravilhoso e de pessoas especiais como você.

Saudades para sempre e um abraço carinhoso do amigo

Luiz Inácio Lula da Silva”

Curitiba, 26 de dezembro de 2018