Em nome da fé

Quem são, o que pensam e sentem os milhões de evangélicos brasileiros?

Valores religiosos, morais e políticos dos brasileiros são tema do 'Entre Vistas' desta terça, 22h, na TVT, com Magali do Nascimento Cunha, do Conselho Mundial de Igrejas

TVT
TVT

Para a professora Magali do Nascimento Cunha, é preciso compreender o fenômeno evangélico “sem preconceito”

São Paulo – Quais as características do cidadão evangélico? Há diferença de crença entre eles ou é um grupo homogêneo? O que distingue os pentecostais dos neopentecostais? E como funciona a mídia das igrejas evangélicas? A religião é mesmo o ópio do povo?

A influência dos evangélicos na vida social e política do Brasil tem crescido significativamente nas últimas décadas e, nas eleições deste ano, o voto desse eleitorado foi considerado decisivo por muitos analistas políticos. Para tentar compreender o que há nos corações e mentes desses milhões de brasileiros, o programa Entre Vistas desta terça-feira (4) convida a professora Magali do Nascimento Cunha, doutora em Ciências da Comunicação e colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas.

Apresentado pelo jornalista Juca Kfouri, o programa vai ao ar pela TVT, a partir das 22h, e tem também a participação da advogada Eliana Borges, professora da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Magali considera haver muita confusão em entender quem são os evangélicos e usa uma definição simples para iniciar o debate: os evangélicos são todos os cristãos não-católicos romanos ortodoxos. Para situar na história, explica que tal vertente do cristianismo chegou ao Brasil no século 19 e se consolidou ao longo do século 20, com o uso de linguagem popular e discurso emotivo. “Mas não são um grupo só. São variadas as compreensões da fé e do significado da vida.”

Ao ser questionada então sobre a diferença entre pentecostais e neopentecostais (uma classificação recente), explica que os últimos se caracterizam pela procura da “cura” fora da medicina tradicional, o que leva a sessões de exorcismo, e entende a realização material como presença de Deus. Um grupo que se estabelece no país a partir dos anos de 1980 nos grandes centros urbanos. “Prosperidade, cura e exorcismo”, define a estudiosa ao se referir aos neopentecostais.

Quando a conversa envereda para a representação política, a professora avalia que a famosa “bancada BBB”, da bala, do boi e da bíblia, deveria ter o último “B” substituído por “babel”, tamanha a diversidade do grupo, que inclui também parlamentares ligados à Igreja Católica. Ainda assim, avalia, os evangélicos têm mais protagonismo desde 2010, quando assumiram uma posição de oposição ao governo da então presidenta Dilma Rousseff.

“Esse protagonismo acaba apagando a presença católica, embora haja uma articulação entre as duas, uma afinidade ideológica principalmente em temas morais e políticos de ‘controle do corpo’”, explica Magali.

Lobos devoradores, Estado laico e mídia

A exploração da fé alheia é um dos temas abordados pelo Entre Vistas desta terça-feira (4), uma situação nada nova e que remonta à época de Jesus Cristo. Há 2 mil anos, segundo a Bíblia, Jesus já se referia a essas pessoas como “lobos devoradores” e “vendilhões do templo”, explorando a crença de parte da população com objetivos pessoais, financeiros e políticos.

“A religião é feita de gente, e onde tem gente há o uso para interesse próprio. Há pessoas que instrumentalizam a fé para seus projetos pessoais, seja para ganhar dinheiro, seja para projeto de poder”, explica a colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas – organização ecumênica internacional sediada em Genebra, Suíça, que reúne igrejas e denominações seguidas por mais de 500 milhões de fiéis, presentes em mais de 120 países

O programa também discute o passado, presente e futuro do Estado laico brasileiro. Para Magali do Nascimento Cunha, a presença de religiosos na política não ameaça a laicidade do Estado, sendo uma característica intrínseca da democracia. O problema, pondera, é quando há o privilégio de um determinado grupo, uma situação em que algumas “vozes são ouvidas e outras silenciadas”.

“O Estado laico é um processo e, no Brasil, é um processo muito recente a separação do Estado da Igreja Católica. E neste processo há avanços e retrocessos, altos e baixos”, afirma a professora da Universidade Metodista de São Paulo. Como exemplo, cita a posição fortemente contrária assumida pela Igreja Católica quando houve a aprovação da lei do divórcio, em 1977.

O surgimento e a consolidação do império de comunicação das igrejas evangélicas, principalmente a Igreja Universal do Reino de Deus, são outro tema abordado ao longo do programa. Um assunto que se mistura com a relação de poder e barganha envolvendo as concessões de rádio e televisão no Brasil, e que no caso da Igreja Universal, está diretamente ligada a uma figura tão polêmica quanto influenciadora: o bispo Edir Macedo, que controla a Record, emissoras de rádio espalhadas por todo o país e o jornal impresso de maior circulação nacional, com cerca de 2,5 milhões de exemplares semanais.

“É um processo de ocupação de espaços que vemos desde os anos 80”, observa Magali, destacando a força do rádio no Brasil e os novos rumos na mídia digital. “Esses grupos têm um discurso sedutor e que acaba se espalhando.”

Ópio

A religião como fator alienante ou não do povo, o afastamento da Igreja Católica brasileira do caráter progressistas da Teologia da Libertação, a simbiose entre mercado e religião, e a necessidade de se compreender o fenômeno evangélico no país “sem preconceito” são outros assuntos abordados no Entre Vistas.

Um fenômeno que Magali Cunha resume no hipotético exemplo do gari, um trabalhador invisível da sociedade durante toda a semana, mas que no domingo veste um terno, sobe no palco da sua igreja e assume um papel de protagonismo. “Ali a pessoa se sente transformada. Ela aguenta ser gari durante a semana porque sabe que no domingo vai brilhar.”

Confira íntegra do Entre Vistas com Magali Cunha