Conferência Internacional

Dilma: crescimento da desigualdade social levou à crise da democracia

Financeirização da economia reduz investimentos na produção e empregos e concentra renda. Rentismo limita capacidade de atuação de governos e cria brechas para a antipolítica

Jorge Taiana/Reprodução

Dilma com o ex-chanceler da argentino Jorge Taiana no segundo dia da Conferência Internacional pela Democracia

São Paulo – A atual fase da globalização, comandada pelo sistema financeiro, produziu “imensa ampliação da desigualdade” social e criou problemas para a democracia em todo o mundo. Na avaliação da ex-presidenta Dilma Rousseff, a democracia se vê mitigada. “Não estamos vivendo mais a expansão democrática do pós-guerra”, afirmou Dilma nesta terça-feira (11), durante a Conferência Internacional em Defesa da Democracia, promovida pela Fundação Perseu Abramo, em São Paulo. 

“No mundo inteiro, a globalização levou a um aumento do desenvolvimento do capitalismo no qual as finanças preponderam. Ao mesmo tempo, ao contrário do que aconteceu na fase da democracia liberal, há uma imensa ampliação da desigualdade. Toda ideologia da ascensão social que surge no pós-segunda guerra se desfaz diante do aumento tão acelerado da desigualdade no mundo.” 

A influência do neoliberalismo financeiro nas economias e nos governos, que vem desde a década de 1980, reduziu dramaticamente o investimento produtivo e comprometeu a criação de empregos – prejudicando todos os trabalhadores e até mesmo empresas que não são grandes o suficiente para acessar o mercado de capitais. Segundo a ex-presidenta, comprometeu também a capacidade dos Estados em atenderem as demandas da população. 

“Quando os governos não são capazes de atender as demandas sociais, isso faz com que uma parte da política se torne irrelevante para as pessoas.” Junta-se a isso, a atuação coordenada ideológica da mídia, que manipula para encobrir as verdadeiras causas dos problemas que contribuem para a insatisfação popular. “Ao não ter a mesma capacidade de responder às demandas da população, surge uma questão, que é internacional, de desvalorização da política, que serve para encobrir as origens da desigualdade. Assim vou reagir contra os imigrantes, que estão tomando o meu emprego. Essa é a visão imediata.” 

Como exemplo do encobrimento dos reais motivos dos problemas sociais vividos pela população, Dilma cita a greve dos caminhoneiros, em abril. Segundo ela, a alta do preço dos combustíveis se deu para atender dos acionistas da Petrobras. “O que leva ao aumento do preço? É a submissão de um governo aos interesses de uma minoria que controla as ações da Petrobras. Ao invés de prestar conta para o conjunto, presta-se conta a uma minoria.”  

Dilma classificou o futuro governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), como autoritário com tendência “neofascista”, porque combina o neoliberalismo econômico com a tentativa de exterminar adversários políticos. “Não basta derrotar eleitoralmente os adversários. Isso faz parte da regra do jogo democrático. Mas destroça-los, destruí-los, não faz. Nem os adversários políticos nem os movimentos sociais.”

Segundo ela, a saída para a crise da democracia é o aprofundamento da própria democracia. Ela defendeu, inclusive, que os setores progressistas disputem “o novo território político” das redes sociais, que tiveram destaque nas últimas disputas eleitorais no Brasil e no mundo, e também têm servido para a convocação de greves e protestos. “O uso das mídias sociais nos movimentos políticos e sociais veio para ficar. Ou a gente encara, ou seremos burocratas.”

Confira a íntegra do debate

Caminhos

Junto com Dilma, participaram do debate que discutiu os alternativas e caminhos na luta em defesa da democracia o ex-deputado e ex-ministro do Equador Virgílio Hernández, a vice-presidenta do Partido da Esquerda Europeia (PIE), Maite Mola, e o vice-secretário geral do Partido Socialista Europeu (PES), Giacomo Filibeck.

Hernández ressaltou que o Equador, assim como o Brasil e outros países da América Latina, também enfrenta a “judicialização” da política. “Eles querem eleições, mas não querem que os eleitores possam escolher entre projetos alternativos. Eles querem variações sobre o mesmo tema, sem mudanças profundas. Não procuram nem sequer legitimar o aspecto mais procedimental, que é o respeito da vontade popular. Se podem te deixar fora da disputa eleitoral, vão fazê-lo. Se não for suficiente, operam um golpe, como no caso do Brasil, Honduras, Paraguai.”

A vice-presidenta do PIE acrescentou que os golpes de Estado e a caça à lideranças populares na América Latina não são ações isoladas, mas parte de um plano imperialista que pretende recuperar o terreno perdido – na década passada – e evitar o surgimento de um “contra-poder” que afete a hegemonia norte-americana. “O objetivo não é apenas impedir que líderes como Lula possam participar das eleições. O objetivo é criminalizar a esquerda, os movimentos sociais e os nossos ideais.”

Filibeck defendeu que a esquerda faça uma avaliação honesta e franca dos erros cometidos nos últimos anos. Segundo ele, na Europa, o principal erro foi não ter avançado no sentido de uma efetiva integração social, e não apenas monetária ou tarifária. “O que os líderes fizeram foi manter o status quo. Não entendiam que o papel histórico era dar um passo à frente”, destacou. “As pessoas não enxergam mais o projeto europeu como uma resposta para os seus problemas. Pelo contrário, o veem como um problema em si.” 

 

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