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‘A Nova Direita’ disseca a atuação de fundações conservadoras e ultraliberais

Think-tanks atrelados aos interesses capitalistas internacionais lançam 'cortina de fumaça' moralista para encobrir agenda impopular de 'reformas', predação das riquezas e destruição de direitos

Marcelo Camargo/Ag Brasil

Debate político concentrado em temas morais encobriu propostas como a reforma da Previdência

São Paulo – A ascensão de políticos populistas e de extrema-direita, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e mais recentemente, Jair Bolsonaro, no Brasil, é consequência da crise do capitalismo que eclodiu há uma década em todo o mundo. Mas também é resultado da capacidade de organização dos mesmos agentes que produziram a crise que conseguiram espalhar pelo mundo a ideologia neoliberal que serve para sequestrar o Estado. 

A partir de uma rede de organizações, fundações e institutos, as forças do capital conseguiram imprimir nas sociedades a ideia que o inimigo a ser combatido é o Estado. Mais do que isso, conseguiram também difundir valores morais conservadores que tem servido como “cortina de fumaça” para encobrir os verdadeiros interesses econômicos desses grupos, que estimulam e se beneficiam da crise da democracia. 

É sobre a ação desses grupos responsáveis por propagar o ideário ultraliberal e conservador que trata o livro A Nova Direita: Aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo (Expressão Popular), escrito por Flávio Henrique Calheiros Casimiro, que é doutor em história social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pró-reitor do Instituto Federal do Sul de Minas Gerais.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Casimiro diz que, pelo menos desde os anos 1980, a direita brasileira, como no resto do mundo, vem se organizando a partir desse modus operandi. “Mais do que pensar o que a esquerda deixou de representar nos espaços, o importante é entender como a direita assume essa estratégia como fundamental para continuação e atualização da dominação de classe. No Brasil, houve um aumento das organizações de esquerda, mas houve substancialmente um avanço da direita nesses espaços.”

O lançamento do livro, nessa quarta-feira (28), no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo, contou com um debate com a participação da professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esther Solano, que também estuda a ascensão da direita no Brasil, e da coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Kelli Maffort, com mediação da coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli. 

“O que se tem na verdade é uma sofisticação do capital internacional, que se organiza aqui no Brasil através de think-tanks, como o Instituto Millenium, o Lide, Estudantes pela Liberdade, Instituto Von Mises etc. para promover valores ultraliberais e conservadores”, afirma Esther Solano. Segundo ela, o governo Bolsonaro é a representação desse casamento do pensamento neoliberal – liderado pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, com uma ideologia fundamentalista e conservadora, encarnado nos nomes que vão comandar as pautas de Educação e Relações Exteriores

Esther diz que os representantes do capital, cientes de que suas pautas “reformistas” são de difícil aceitação pela maioria da população – como as ditas “reformas” trabalhista e da Previdência –, mobilizam setores da classe média a partir de pautas moralistas. “Na campanha do Bolsonaro, quase não se falou de reforma da Previdência, mesmo se sabendo que é a principal proposta que ele deve adotar. Se falou basicamente de Escola Sem Partido, sexualização das crianças, Foro de São Paulo, comunismo. Eles têm todo um conjunto de simbologias, termos e conceitos que estão sendo jogados na esfera pública, para criar uma moralização do debate.”

Para a coordenadora do MST, A Nova Direita serve para entender como as forças do capital se articulam internacionalmente. Ela diz que, diferentemente das outras, dessa vez não se trata de uma crise conjuntural do capitalismo, mas de uma “civilizatória e estrutural”, e que a derrota eleitoral para a esquerda também traz lições e oportunidades. 

“Se a classe dominante se apresenta de forma tão explícita, os trabalhadores também estão sendo chamados a se apresentarem como classe. Esse é o ponto que nós temos que seguir nas nossas diferentes trincheiras, no movimento popular, na academia, na militância partidária, no movimento sindical”, afirmou.

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