Eleições 2018

‘Temos uma eleição tutelada por um esquema judicial-militar’, diz Fornazieri

Cientista político teme influência do Judiciário e das Forças Armadas nas eleições. 'Vivemos numa anormalidade democrática'

Reprodução

Para Fornazieri, houve um veto judicial-militar à candidatura de Lula, e as Forças Armadas ‘apadrinharam’ Bolsonaro

São Paulo – As tendências e contradições das últimas pesquisas eleitorais, a autocrítica do senador tucano Tasso Jereissati e a “tutela” judicial-militar sobre a eleição presidencial são alguns dos temas analisados por Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em entrevista concedida nesta terça-feira (18) a Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual. Fornazieri abordou as seguidas suspensões, por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das propagandas do PT que mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como cabo eleitoral, ponderou sobre a influência dos grandes grupos de mídia na democracia, além de analisar particularidades como a ausência de comícios e atos que envolvam a população no processo eleitoral. Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Pesquisa CNT/MDA

“Ela é um pouco discrepante em relação à do Datafolha, mas aponta algumas tendências. A primeira tendência é de que o Bolsonaro se consolida no primeiro lugar, e que o Haddad tende a se consolidar no segundo lugar. Agora, tem que esperar um pouco outras pesquisas essa semana e semana que vem pra ver exatamente qual é o caminho do eleitorado em relação ao primeiro turno. Mas, de modo geral, todas essas pesquisas indicam Bolsonaro no primeiro (lugar) e Haddad no segundo (lugar). Pode ser que o Haddad tenha fôlego suficiente para chegar perto do Bolsonaro, mas é preciso esperar.”

Índices de rejeição dos candidatos

“Os números são muito diferentes entre o Datafolha e Ibope, por isso que, se o eleitor for olhar as pesquisas, cria uma certa confusão. No Datafolha a tendência de rejeição do Bolsonaro sobe, e no Ibope ela cai. Então acho que os institutos não estão vendo o fenômeno definitivamente.”

Candidatura Alckmin

“É surpreendente ele vir sofrendo uma desidratação muito forte, era quase imaginável que com o tempo de TV, com a estrutura partidária, com a estrutura de presença em governos do estado e máquina pública, o PSDB e o Alckmin terem um desempenho tão frágil.”

Autocrítica de Tasso Jereissati e a crise do PSDB

“As pautas bombas do Eduardo Cunha (em 2015) aumentaram o déficit fiscal, e o PSDB tinha uma história relacionada à responsabilidade fiscal. Então o PSDB votou contra seus princípios, só pra enfraquecer o PT e derrubar a Dilma.

“Se olhar o que aconteceu em 2016, o eleitorado puniu severamente o PT, porque o PT tinha se apresentado com o discurso da ética na política e o eleitor se sentiu traído e decidiu punir o partido, tanto é que o PT perdeu mais de 50% das prefeituras que detinha. Mas o PT se refez, naquela época tinha 11% de apoio do eleitorado e hoje tem entre 24% e 29%.

“Tanto o movimento interno do PT para se refazer, quanto o desastre do governo Temer, ajudaram o PT. E o que aconteceu com o PSDB? O PSDB agiu de forma antidemocrática, votou nas pautas-bomba contra o seu programa e entrou no governo Temer.

“Outro ponto importante é que o eleitor tende a punir a hipocrisia, um partido não pode se declarar uma coisa e ser outra. Em face de todo o escândalo que envolveu o Aécio Neves e outros líderes do partido, então o eleitor agora está punindo severamente o PSDB, como puniu o PT em 2016.

“O PSDB vai ter que se refazer, buscar um outro caminho, se reconectar com o eleitorado que, do meu ponto de vista, se não houver nenhum fato novo que mude significativamente o rumo da eleição presidencial, o PSDB vai sofrer uma fragorosa derrota.”

Acusações de fraude da eleição

“O que vem se observando é que nós temos uma eleição tutelada por um esquema judicial-militar. Houve um veto judicial-militar à candidatura de Lula, e agora as Forças Armadas apadrinharam a candidatura do Bolsonaro. Eles tinham uma certa resistência ao Bolsonaro, mas agora apadrinharam, e colocaram ali o general Augusto Heleno, comandante das tropas militares do Brasil no Haiti, para tutelar o Bolsonaro.

Se o Bolsonaro vier a ser presidente, ele vai sofrer uma tutela do alto comando das Forças Armadas. É uma situação muito complicada, porque agora, a cada dia, tem pronunciamento político de um general, e isso faz muito mal à democracia. Os militares fazerem essa pressão sobre o jogo político democrático, é incompatível com a democracia. E além disto, temos essa tutela judicial que procura conduzir o país politicamente. Entendo que vivemos numa anormalidade democrática. Não cabe nem ao judiciário, nem aos militares, se intrometerem no jogo político do país.”

Suspensão de propagandas do PT

“Há regras eleitorais e o PT tem que observar as regras, mas o que estamos vendo, na verdade, é uma censura da livre expressão e da livre propaganda. Penso que o PT tem que ter o maior cuidado com relação aos tempos que a justiça eleitoral permite para que uma terceira pessoa, que não seja candidata, participe da propaganda eleitoral como cabo eleitoral, mas me parece que há uma extrapolação da justiça eleitoral em relação a presença do Lula na campanha eleitoral.”

A interferência da mídia

“O que nós tivemos no Brasil foi uma conspiração contra a legalidade democrática, e isso é intolerável em países de democracia consolidada. Nestes países, as emissoras e os jornais podem fazer opções eleitorais durante uma campanha presidencial, mas lá tem uma imprensa democrática, que não está concentrada na mão de três ou quatro famílias, como no Brasil. É preciso, de fato, democratizar os meios de comunicação no Brasil. Precisa ter uma lei dos meios de comunicação, e evidentemente que não se trata de fazer nenhuma censura, mas é intolerável que haja uma monopolização do direito de informar, como há no Brasil.”

Particularidades da eleição de 2018

“Observo duas coisas: uma é que há poucos eventos junto com a população, nas outras campanhas tinham manifestações muito maiores, esse ano são menores e escassas, os candidatos se resumem a caminhar numa feira, num lugar público. Acho que isso é ruim para a democracia, porque eleição implica em mobilização; e por outro lado, temos uma radicalização na internet, nas redes sociais.

Penso que quanto mais se envolve a população de forma ‘quente’ nas ruas, comícios e atos, não de forma fria como é a internet, é melhor para a democracia. Nesse sentido, a democracia brasileira tem que se rever, em termos de como ela faz a campanha. Se fosse instituir a obrigatoriedade das prévias eleitorais para escolher o candidato à presidente, seria muito salutar à democracia. Mas prévias obrigatórias e nas quais o próprio eleitor pode votar, e não apenas o filiado ao partido.”

Ouça a entrevista na íntegra:

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