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Na segurança pública, Bolsonaro ‘rasga a Constituição’, diz ex-militar

Propostas não resolvem problema da área e ampliam situação de insegurança do país. 'Aumento da violência por parte das forças de segurança vem ocorrendo há anos e nunca deu resultado'

Adriano Vizoni/Folhapress

Programas de governo dos presidenciáveis não se aprofunda nos temas e deixa situação da segurança em aberto

São Paulo – O programa de governo para a segurança pública do candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), contraria a própria ideia defendida pelo militar reformado de garantir o respeito à Constituição. “Bolsonaro está rasgando a Constituição”, analisa o tenente-coronel da reserva da Policia Militar de São Paulo Adilson Paes de Souza.

Advogado, mestre em Direitos Humanos e também integrante da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, ele analisou e comentou também, a pedido da RBA, o conteúdo dos plano de governo de Gerado Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT).

Para Paes de Souza, as propostas de Bolsonaro esbarram em questões práticas e éticas, além de serem “extremamente genéricas e abstratas”. “Ele elenca liberdade como bem maior do cidadão. Isso é um absurdo. O bem maior de qualquer pessoa é a vida. É um programa extremamente liberal. Tenho certeza de que quem vai ser considerado cidadão é quem tem patrimônio. Isso é muito preocupante. Relativiza a vida”, afirma o especialista.

Entre as propostas mais preocupantes, na opinião do ex-militar, está a “carta branca para a polícia matar. A proposta do candidato é definida como uma “retaguarda jurídica garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude”, de forma a evitar um processo contra o policial que mate uma pessoa em serviço.

“Esse mesmo expediente foi usado na ditadura. A figura do auto de resistência foi criada para dar roupagem legal às execuções praticadas pelos órgãos de repressão, em 1969. O que ele está querendo é justamente reeditar isso. Está mandando para o espaço o devido processo legal, a submissão dos cidadãos ao poder judiciário, o direito à vida. Está instituindo a pena de morte”, afirmou.

Ideologia x fatos

Paes de Souza destaca ainda que o candidato do PSL procura desmentir dados sobre violência policial em seu programa. Houve aumento de 19% na letalidade policial entre 2016 e 2017, no Brasil. Foram 5.144 pessoas mortas em 2017, um dos maiores números do mundo.

Em São Paulo, 19,5% das mortes violentas são praticadas por policiais. Em seu programa, Bolsonaro diz que essas informações são uma “mentira da esquerda”. Não é nem mentira, nem da esquerda, como assegura o tenente-coronel. “É fato. Comprovado. Ele tenta forjar outra realidade. A situação estaria ruim por causa de uma ideologia. Não sei onde está essa ideologia se todos os governos após a Constituição de 88 fizeram a mesma coisa na segurança pública”, observa.

O pesquisador ressalta que o aumento da violência por parte das forças de segurança vem sendo praticado há anos e não obteve qualquer resultado de melhora. “Isso não é denegrir a polícia. Nem propaganda ideológica contra a polícia. Isso é fato. Veja que quanto mais a polícia mata, mais as pessoas se sentem inseguras e mais a criminalidade aumenta. Totalmente ineficaz. Mas as pessoas estão tão assustadas que acreditam que isso vai resolver o problema da segurança. Mais uma vez se quer explorar o medo das pessoas com uma proposta populista”, diz.

Bolsonaro defende ainda “prender e deixar preso”, eliminando as progressões e saídas temporárias. No entanto, essa proposta depende de uma revisão da Lei de Execuções Penais, que depende do Legislativo.

“Isso põe em dúvida o sistema de ressocialização e recuperação do individuo. Cadeia não pode ser depósito de gente. A pessoa deve pagar pelo que fez e ressocializar. Do jeito que está, muitas pessoas já saem piores. É uma medida populista. Tem-se a ideia de que o preso precisa sair para cometer crimes. Mas hoje o preso não precisa deixar o presídio para isso. Tem celular, conference call. Ele dá ordens e gerencia de dentro”, argumenta o tenente coronel.

Reforço ao trabalho escravo

O candidato do PSL ainda tem uma proposta de segurança bastante contraditória: revogar a Emenda Constitucional 81, aprovada em 2014, que para ele é uma “relativização da propriedade privada”.

A emenda determina a desapropriação de terras onde for encontrado plantio de plantas usadas na produção de drogas ilícitas ou trabalho escravo. “[A emenda] é uma medida repressiva interessante. Pode desencorajar alguém a plantar uma substância ilícita em sua propriedade. (Ao revogar) ele também vai estar reforçando a prática de trabalho escravo”, afirma Souza.

O especialista também discorda das propostas de redução da maioridade penal para 16 anos e de revogar o Estatuto do Desarmamento. A única proposta que ele teve concordância foi em usar as forças armadas contra o crime organizado. “Só não diz como”, lamentou.

Para Souza, pode-se colocar as Forças Armadas nas fronteiras, nos rios, nos portos, para fazer fiscalização. “Porque não pode atuar em atividade de polícia se pode atuar em Garantia de Lei e Ordem? Por exemplo, deslocar os efetivos das Forças Armadas que estão nos grande centros urbanos e não têm mais função. Faz policiamento ostensivo nas fronteiras, dá um sentido importante às forças armadas. Vamos emprega-los na defesa do país contra o crime organizado.”

Faltam propostas

Para o tenente-coronel, de uma forma geral, todos os programas pecam por não trazer propostas claras. “Não precisamos de pirotecnia, precisamos de propostas efetivas. Existe apelo da população, movida pelo medo, para matança como solução. É muito difícil escolher um candidato olhando essas propostas. São apenas premissas gerais, um cheque em branco. Tratam-se de enunciados genéricos e abstratos, a tônica geral é que as propostas falam, falam e não dizem nada em si”, afirma.

O Instituto Sou da Paz, Instituto Igaratá e Fórum Brasileiro da Segurança Pública elaboraram propostas com prioridades para melhorar a segurança pública no país. Para o grupo, as prioridades são a redução e prevenção de crimes violentos e o enfraquecimento das organizações criminosas.

Para isso propõem uma atuação nas causas da violência com investimento em programas de prevenção, em inteligência e no fortalecimento da perícia para combater a impunidade. Defendem ainda a criação de um órgão para enfrentar o crime organizado, atualização da política de drogas, reestruturação do sistema prisional e a manutenção da política de desarmamento.

O programa do candidato de Geraldo Alckmin (PSDB), é o mais “genérico” dos quatro analisados. São apenas quatro tópicos, sem nenhum detalhamento. Entre as propostas, ele também propõe dificultar a progressão de penas e acabar com as saídas temporárias, como o candidato do PSL.

Também propõe criar uma Guarda Nacional como polícia militar federal, apta a atuar em todo o território nacional. “É um absurdo. Não diz o que é isso, como vai funcionar e de onde vai vir o recurso”, critica Souza. Alckmin não cita a violência policial em seu programa, apesar do índice de letalidade da Polícia paulista ser um dos maiores do país.

O tucano afirma que pretende reduzir o número de homicídios a uma taxa de, pelo menos, 20 por 100 mil habitantes em todo o país e combater o crime organizado e o tráfico de armas e drogas com a integração da inteligência de todas as polícias.

“Programa de governo é como um cardápio de restaurante. Eu tenho de saber muito bem o que vem em cada proposta. E os programas analisados não são detalhadas. O que temos é um viés punitivo, populista, com propostas genéricas e abstratas. Isso eu considero um perigo”, afirma.

Elaborar depois

Já o candidato do PDT, Ciro Gomes, promete “elaborar, junto com policiais, especialistas, promotores, juízes e sociedade civil, um detalhamento do plano de segurança para aplicação imediata”. O que foi é avaliado pelo especialista.

“Ele está demonstrando que não tem plano nenhum para a segurança. Se ganhar é que vai reunir esse pessoal. É preciso chegar no primeiro dia já sabendo por onde vai caminhar”, afirmou. O candidato também propõe manter o estatuto do desarmamento, investir em investigação e prevenção de homicídios e no enfrentamento às organizações criminosas.

No caso do crime organizado, Ciro propõe a criação de várias forças tarefa constituídas de policiais federais, estaduais e promotores. Junto a isso, seria implementado um sistema nacional de inteligência criminal destinado à troca de informações entre as polícias dos estados e as federais sobre essas organizações. “Criação de força tarefa é um jargão que soa bem ao ouvido da população. Mas não é de hoje que estamos ouvindo falar disso. E se já foi tentando tantas vezes estava na hora de alguém vir com uma proposta elaborada”, completou.

Ciro defende a criação de uma Polícia de Fronteiras, considerada “uma panaceia” por Souza, que defende a destinação de militares para essa atuação. O candidato do PDT também propõe a unificação do cadastro das armas registradas no país, e de um sistema de inteligência sobre armas e munições que consiga rastrear a proveniência das armas ilegais apreendidas. Para o tenente coronel, toda proposta de restringir o acesso a armas é importante.

O ex-governador do Ceará e ex-ministro também propõe atuar junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para agilizar a tramitação dos processos e inquéritos de crimes graves e preencher vagas ociosas em presídios federais. “Não vejo no que o CNJ, com a estrutura que tem, pode ajudar nisso. É preciso uma reforma na justiça criminal, para torna-los mais céleres e eficientes. Agora, levar presos para presídios federais não resolve qualquer problema. Mesmo em presídios federais estão conseguindo dar instruções para suas quadrilhas. Enquanto não se resolver a questão de que presídios são escritórios privilegiados do crime, não adianta mudar daqui pra lá”, afirma Souza.

Mudar a Lei de Drogas

O candidato do PT, Fernando Haddad, propõe a criação de um Plano Nacional de Redução de Homicídios, adotando políticas intersetoriais para os serviços públicos nos territórios vulneráveis e fortalecendo as investigações policiais e processos judiciais.

O tenente coronel, no entanto, é cético quanto ao programa petista. “Um programa de governo de quem já esteve no governo tem de chegar apresentando propostas claras e explicar por que não deu certo antes. Faz um mea culpa, apresenta um raio-x e diz o que vai fazer de forma transparente”, critica.

Haddad propõe a manutenção do controle de armas e estratégias cidadãs na atuação policial. Souza, novamente, se mostra cético. “O que é polícia cidadã? É respeitar os direitos humanos? Não tem clareza do que isso signifique. Ainda mais se considerar que o PT no governo não foi diferente dos outros partidos na segurança, aprovando, inclusive, a lei antiterrorismo”.

Na contramão dos demais candidatos, o petista propõe medidas de desencarceramento que promovam “a reintegração social e não mais a retroalimentação de mão de obra das organizações criminosas”, reservando a privação de liberdade para condutas violentas.

O candidato petista propõe revisar a política de drogas, evitando a prisão de pessoas com pequenas quantidades de drogas – no geral, usuários que são denunciados como traficantes – e enfrentar a rede de negócios, o poder armado e o controle do território. Além de investir em medidas de prevenção do uso, investir em atendimento psicossocial e programas de redução de danos.

Para Souza, mudar a Lei de Drogas é uma medida importante. “A legislação foi aprovada em 2006 e propunha haver menos criminalização das pessoas e menos prisões, mas o que ocorreu foi o contrário. Quem define, em certos contextos, o que é uso ou porte é o policial. Tem muita gente com pouca quantidade sendo presa como traficante. Tem de combater o traficante, como a droga chega nos locais, as movimentações econômicas. Tudo o que garante esse fluxo contínuo de mercadoria”, defende.

 

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