Dor e grandeza

‘Foram dias que abalaram profundamente a gente’, diz Greenhalgh, que leu carta de Lula

Advogado conta que não queria e até insistiu para não ler. 'A parte da carta que me emocionou muito foi quando ele fala da Marisa', afirma

Reprodução

Luiz Eduardo Greenhalgh diz que ao sair da cela de Lula, o ex-presidente pediu: ‘Leia direitinho que eu quero escutar daqui’

São Paulo – Coube ao advogado e ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, um dos fundadores do PT, a missão de ler para o Brasil e o mundo, nesta terça-feira (11), em Curitiba, a carta em que Luiz Inácio Lula da Silva anunciou sua decisão de passar o bastão da candidatura presidencial para Fernando Haddad. Mesmo contra sua vontade, entrou para a história.

Nesta entrevista concedida aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual, Greenhalgh fala sobre os momentos que antecederam a difícil decisão. Apesar da experiência de vida e profissional, tendo inclusive defendido Lula durante sua prisão pela ditadura, o advogado reconhece a dificuldade de ter cumprido a tarefa solicitada pelo ex-presidente.

“Foi difícil. O papel tremia na minha mão, às vezes, a voz ficava meio embargada. Terminei querendo chorar naquele momento”, confessa.

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As horas decisivas

“Foram dois dias que abalaram profundamente a gente. Primeiro, a esdrúxula situação em que se encontra o Lula, com mais de 40% nas pesquisas, quase o dobro dos demais candidatos. Então uma pessoa que tem 40% dos votos e que foi impedida, arrancada pelo Tribunal Eleitoral do pleito, e que teve sonegado o seu direito de participar livremente das eleições, como a ONU determinou ao Brasil que fizesse, é evidente que é um momento de sofrimento, um momento de dor, de incompreensão. E nós passamos a segunda-feira inteira conversando sobre isso. Esperamos até o último momento um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a nova decisão da ONU, que reafirmou o direito do Lula ser candidato, e não veio. Então foi um momento de dor, de frustração. Mas eu vi a grandeza, a inteligência e a capacidade de resignação que o próprio Lula demonstrou. Ao chegar o momento definitivo, nós começamos a trabalhar num texto e, ao final, lá dentro da sala onde ele se encontra, a gente acabou fechando esse texto.”

O pedido de Lula para que lesse a carta

“Foi uma surpresa pra mim ele pedir que eu lesse o texto. Eu disse a ele: ‘Olha, tem outras pessoas mais importantes que eu, a própria presidente Gleisi Hoffmann, os governadores do Nordeste…’. Ele falou: ‘Greenhalgh, eu quero uma leitura solene, quero que você faça essa leitura porque você é fundador do partido’. Então acho que foi minha condição de ter sido um dos fundadores do PT, que está com ele nessa batalha, a condição de ter sido advogado dele na Lei de Segurança Nacional, e agora integrar a equipe de advogados, acho que foi isso. Ainda ponderei, mas ele insistiu e na saída disse: ‘Leia direitinho que eu quero escutar daqui’.”

A emoção do momento

“Foi uma decisão difícil, dura, estávamos todos emocionados, o Haddad… Foi um momento histórico. É uma carta-manifesto em que ele se dirige ao povo brasileiro reclamando das injustiças que têm sido perpetradas contra ele, mas também dizendo que as perseguições, as arbitrariedades, não vão ser pretexto pra ele não continuar lutando, ao contrário. A parte da carta que me emocionou muito foi quando ele fala da Marisa. Ele praticamente diz que a Marisa morreu em função desse sofrimento e da perseguição que a família sofre. Foi difícil. O papel tremia na minha mão, às vezes, a voz ficava meio embargada. Terminei querendo chorar naquele momento.”

A crença que a verdade vencerá

“Evidente que o Lula é um preso político. Evidente que a prisão do Lula é a continuação do golpe que deram na Dilma. É o golpe dentro do golpe. Assim como o Ato Institucional n° 5 (AI-5) foi o golpe dentro do golpe da ditadura militar, a prisão (do Lula) e sua condenação é o golpe dentro do golpe do impeachment. Esse processo do tríplex, cada vez que leio, fico mais boquiaberto, porque não tem prova nenhuma, e é por isso que o Lula ontem disse: ‘Eu desafio os promotores da Lava Jato, desafio o juiz Sérgio Moro, o Tribunal Regional Federal (da 4ª Região, o TRF-4) a apresentar uma única prova contra mim’. Fizeram uma devassa na vida do Lula, procuraram conta no exterior e não acharam, procuraram contas irregulares no Brasil e não acharam, entraram e vasculharam o apartamento dele e nada foi achado. Então quer dizer, não tem nenhuma prova contra ele, e está preso, condenado, nessa situação.

A coisa que mais me emociona nesse assunto, me deixa indignado, é a injustiça que se faz. Estamos vivendo um paradoxo. Quando fui visitá-lo pela primeira vez, dia 9 de abril, dois dias depois (de ser preso), cheguei lá, apresentei minha carteirinha de advogado pro funcionário, olhei e tinha uma placa de bronze: ‘Esse prédio foi construído durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva’. O prédio em que ele está preso foi construído no governo dele. Você chega na frente da sala onde ele está detido, e um funcionário da Polícia Federal bate na porta e fala: ‘Presidente, visita pro senhor’. Quer dizer… Os funcionários, os policiais federais, o chamam de ‘presidente’. É um paradoxo, uma coisa incompreensível, e todo mundo sabe do que se trata essa prisão. É evidente que se ele não fosse candidato, não fosse o preferido da opinião pública… Mas ele reafirma toda semana quando vou lá, que não vai trocar a dignidade dele pela liberdade.”

Declaração da Raquel Dodge  sobre a ONU

“Tudo vale para as outras pessoas, não vale pro Lula. Há dezenas de decisões, votos, pareceres da Procuradoria-Geral da República e dos atuais ministros do Supremo Tribunal Federal no sentido da validade, como lei interna, dos pactos internacionais assinados pelo Brasil como esse Pacto dos Direitos Sociais. O normal, numa situação dessa, quando o Brasil assina um pacto como esse que assinou na ONU, e isto é validado pelo poder legislativo, isso passa a fazer parte da legislação interna. A situação do decreto do presidente da República é um adendo, não é o principal. Isso é um pretexto para desobedecer e não honrar o pacto. O Brasil vai ficar muito mal no exterior, aliás, já está, porque se os países assinam esses pactos internacionais de mentirinha, de faz de conta, isso faz com que o país perca sua credibilidade. E é o que está acontecendo no Brasil. Assinou o pacto e não reconhece uma determinação da ONU. A ONU normalmente não dá liminar, mas no caso do presidente Lula, a situação é tão esdrúxula, tão aviltante, que houve uma liminar. Então essa história da Raquel Dodge e outros é uma situação de contorcionismo. Tudo vale para os outros e nada vale para o Lula.”

 

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