'Velha mídia'

‘Encruzilhada’ entre Haddad e Bolsonaro pode fazer jornais apoiarem petista, diz professor

Para cientista político Fernando Antônio Azevedo, da UFScar, candidatura 'antissistema' causaria 'repulsa' ainda maior que a de presidenciável não alinhado a valores liberais

Ricardo Stuckert

Jornais que por décadas bateram em Lula podem se ver apoiando o PT contra candidato da extrema-direitoa

São Paulo – Para o cientista político Fernando Antônio Azevedo, os principais jornais brasileiros – O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo – podem ter que enfrentar uma verdadeira “encruzilhada” num eventual segundo turno entre um candidato do PT – Lula ou Fernando Haddad, por ele apoiado – e a candidatura “antissistema” e de “extrema-direita” do deputado Jair Bolsonaro (PSL). Azevedo, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor do livro A Grande Imprensa e o PT (1989-2014), diz que Geraldo Alckmin (PSDB) é o candidato favorito dos monopólios de comunicação, que ainda têm influência política, mas não são mais decisivos na escolha do presidente. 

“Quando se examinam os resultados eleitorais no passado, nas vitórias do FHC, por exemplo, ele ganhava em todos os segmentos da população, contando com o apoio declarado da mídia. De 2002 para cá, mais especificamente a partir de 2006, há uma fratura no voto. A elite vota na centro-direita e as classes C e D votam preponderantemente nos candidatos do PT. A mídia fica falando para esse grupo de elite, mas perde as eleições. Ou seja, a mídia continua influente, mas numa audiência específica. Não conseguem mais ditar o debate público”, afirma o professor.

Ele lembra que os principais veículos da mídia brasileira tem uma identificação muito forte com o ideário liberal e conservador, que sempre classificaram os “adversários” de esquerda como radicais, populistas e corruptos. Foi assim com Getúlio Vargas, que tinha no jornalista e político da UDN Carlos Lacerda a principal figura de oposição, e também contra João Goulart, quando quase todos os principais jornais ofereceram apoio editorial ao golpe civil-militar de 1964. 

“Na conjuntura de pré-1964, apoiavam as forças políticas aglutinadas pela UDN, e mais recentemente pelo PSDB. Se a gente vê os editoriais e os principais colunistas, fica muito claro que argumentação deles é de que uma vitória do Lula, ou de um nome indicado por ele, seria uma vitória do populismo, de forças irresponsáveis do ponto de vista fiscal. Tem todo um discurso que se contrapõe ao PT alicerçado nas teses liberais. É um endosso direto ou indireto às candidaturas de centro-direita.” 

Bolsonaro, contudo, “é um candidato antissistema, não da esquerda, mas da extrema-direita”. Nesse sentido, diz o professor, ele causa “repulsa” aos jornais tradicionais. Esses defendem um candidato conservador, mas que jogue a partir das regras do jogo democrático. Por isso, Azevedo acredita que, numa disputa entre Bolsonaro e Haddad, por exemplo, os jornais poderiam até mesmo apoiar o candidato do PT. 

“Tenho impressão de que um dos cenários mais factíveis para a disputa eleitoral inclui um candidato de esquerda – Haddad, no caso –, herdando os votos do Lula, versus Bolsonaro. Isso colocaria toda a imprensa numa situação em que teriam que rejeitar Bolsonaro e apoiar a candidatura petista, sob a lógica do menos pior para eles. Essa é a encruzilhada que podem ter que enfrentar. O que fariam exatamente, não sei. A ver.”

Outro cenário aventado pelo professor é se Alckmin conseguir crescer na preferência do eleitorado. “Nesse caso a imprensa apoiaria Alckmin tranquilamente, inclusive em nome da democracia etc. Na verdade, o núcleo do projeto liberal está com ele, e não com Bolsonaro, que é errático. Até ontem era estatista, uma tradição dos setores militares.”

Em seu livro, o professor da UFSCar analisou a enxurrada de manchetes e textos de opinião produzidos pelos principais jornais contra o PT. Apesar de todo o esforço editorial, essa quantidade de menções, mesmo que negativas, garantem também visibilidade a Lula e ao partido, que conseguiram tirar proveito dessa exposição. 

Quando se contrapõe essa visibilidade à narrativa estruturada pelo PT, de perseguição política ao ex-presidente, isso acabou se revertendo de forma a dar a ele uma alta visibilidade”, avalia. “O PT soube explorar com muita competência, através das redes, das novas mídias, essa narrativa da perseguição, com um processo jurídico acelerado e uma condenação sem provas. Depois aceleraram a sua prisão, com o intuito de retirá-lo da competição eleitoral.”

Outros dois elementos que pesam a favor da candidatura petista, segundo Azevedo, é que as denúncias de corrupção acabaram atingindo também outros partidos e, por outro lado, ainda estaria viva na memória da população os oito anos do governo Lula marcados por avanços na economia, na inclusão social e no bem-estar. Ele destaca ainda o carisma do ex-presidente. 

“É uma memória que fica quando o eleitor contrapõe o quadro de crise, de 2014 para cá, que se agravou com Temer. Isso favorece uma narrativa positiva em relação ao Lula e cria problemas para que a mídia consiga caracterizá-lo unicamente como um condenado por corrupção. Se a gente compara o Vargas com Lula, talvez tenham sido os líderes políticos mais carismáticos do Brasil.” 

 

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