neoliberalismo x soberania

Audiência pública no Supremo critica as privatizações de Temer

Debate convocado pelo ministro Lewandowski questiona modelo de Michel Temer. 'Audiência ajuda a compreender que as empresas públicas são indispensáveis', diz a presidenta da Contraf, Juvandia Moreira

arquivo/ebc

Entre as primeiras medidas de Temer, a privatização de setores do pré-sal: o preço do golpe

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu ontem (28) audiência pública para discutir se o governo federal precisa de autorização do Congresso para privatizar as estatais. O debate foi convocado pelo ministro Ricardo Lewandowski, que em junho concedeu liminar impedindo que o governo de Michel Temer (MDB) vendesse subsidiárias da Eletrobras. 

Ao todo, 38 participantes falaram durante a audiência. O tom majoritário foi de crítica à venda de estatais de setores estratégicos, como petróleo e eletricidade. “Nunca deveria ser cogitada a privatização dessas empresas”, disse o representante da CUT na audiência, Roni Anderson Barbosa. “Petrobras, Eletrobras, bancos públicos sustentam nossa economia e se privatizados deixarão de gerar empregos aqui e lucros serão enviados ao exterior”, completou.

Durante a audiência, a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, reforçou a importância dos bancos públicos como instrumento de soberania e desenvolvimento social. “Bancos públicos são empresas centenárias, sólidas e têm papel social fundamental para o povo brasileiro e para o desenvolvimento econômico do país (…). Sem eles, grande parte do Brasil estaria desassistido do atendimento bancário.”

Os números apresentados por Juvandia comprovam sua fala: 63,3% das agências do Norte e 59,3% do Nordeste são de bancos públicos. O Sudeste é a única região com maioria do sistema assistido por bancos privados. “Isso significa que, se nós não tivéssemos bancos públicos, exceto a região Sudeste, que é onde os bancos privados atuam, porque é a região mais rica e o foco deles é apenas o lucro, as demais regiões do país teriam escassez de crédito. Teríamos problemas tanto no financiamento imobiliário, quanto no crédito agrícola, e para o desenvolvimento econômico. Nisto a gente vê o papel dos bancos públicos para o desenvolvimento regional.”

Outro papel essencial dos bancos públicos é o de financiar o desenvolvimento social por meio de crédito para habitação e para o setor agrícola. “Numa sociedade tão desigual, não podemos não contar com elas, em especial os bancos públicos. Caixa,Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) , Banco do Brasil e outros são os grandes responsáveis por impulsionar o desenvolvimento, a criação de emprego e renda. Essa audiência ajuda a sociedade a compreender que as empresas públicas são indispensáveis”, argumentou Juvandia.

Especificamente sobre o setor agrário, a presidenta da Contraf ressaltou que “70% do alimento que chega na mesa do trabalhador brasileiro vem da agricultura familiar. E quem é que financia a agricultura familiar? Setenta por cento dessas operações são realizadas por bancos públicos, como o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste”. Ela disse que os bancos públicos cobram taxas de cerca de 5% ao ano pelo crédito agrícola. “Se fosse no mercado financeiro privado os juros seriam de 70%. Isso significa que os alimentos chegariam mais caros na mesa do povo brasileiro. Porque se você não tem financiamento subsidiado para comprar os grãos, para a produção, o financiamento fica mais caro e, obviamente, o alimento também vai ficar mais caro.”

Temer na contramão

O professor de ciência política William Nozaki argumentou que a forma como o governo Temer vem dilapidando o patrimônio público caminha “na contramão das tendências internacionais que acompanham a história”. “Não há exemplo de um país que tenha se industrializado sem recorrer ao fortalecimento das suas capacidades estatais e empresas públicas. Não foi diferente com o Brasil, que construiu sua modernização a partir de um sistema público de estatais incluindo um sistema financeiro de bancos públicos.”

“No período recente, este debate está muito marcado por certas características ideológicas, o que nos coloca na contramão. Observamos na Europa e nas economias desenvolvidas um conjunto de enfrentamento às lacunas deixadas pelos processos de privatização ocorridos na década de 1990. Na Inglaterra, país pioneiro nas privatizações, se iniciou em 2018 um processo de reestatização do serviço penitenciário e ferroviário. A França também iniciou processo de estatização dos estaleiros”, completou Nozaki.

Para o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Simão Zanardi, “a soberania brasileira sofreu um terrível golpe jurídico e midiático estimulado pela ânsia das empresas de petróleo multinacionais”. Ele faz relação do modo descontrolado das privatizações, outrora citado por Nozaki, com o impeachment da presidente eleita em 2014, Dilma Rousseff (PT). “Queriam explorar nosso petróleo do pré-sal”, disse.

“O governo Dilma resistiu ao máximo e não permitiu isso. Forças entreguistas nacionais foram fundamentais na elaboração e execução de um golpe. Vale lembrar que o golpe era com o Supremo e com tudo. Após retirar Dilma, rapidamente o Congresso se alinhou para pagar o apoio que tiveram para financiar o golpe. Isso fica visível no caso de petroleiras que entraram no pré-sal e aumentaram expressivamente suas reservas de petróleo”, completou.

Raquel de Oliveira, da Frente Nacional dos Petroleiros, fez uma sustentação técnica sobre os problemas dos processos de privatização tocados pelo governo. “A legislação exige a publicação de edital que contenha no mínimo a justificativa da privatização, o sumário dos estudos de avaliação e o critério de fixação do valor de alienação. No sistema de desinvestimento da Petrobras isso não aconteceu. Apenas existe uma justificativa aonde não são divulgados estudos ou critérios de valores. Isso afronta o princípio da publicidade presente na Constituição (…) é uma completa obscuridade do processo”, disse.

A coordenadora do comitê em defesa das empresas públicas, Maria Rita Serrano, reafirmou a visão dos expositores. “Após a dominação do neoliberalismo, criou-se uma dicotomia do público e privado. Vende-se o público como algo oneroso, ruim para a sociedade, burocrático, opressor. Essa é a imagem. E o privado, se vende como algo livre, criativo, imaginativo e moderno. No último período, o que mais se falou foi isso, que deve se privatizar para evitar a corrupção no sistema público. Como se a corrupção fosse algo do setor público. Os casos de corrupção em empresas privadas são diversos. O interesse dessa dicotomia é desvalorizar o público e para todos”, disse.

“O cerne desta questão, que embala os debates eleitorais, é qual o modelo de Estado queremos, qual o modelo de mundo. O público, do Estado, as instituições, olham para o cidadão. Olham para a necessidade dos cidadãos. O privado, é voltado para os consumidores, para os que pagam. Portanto, não é fato que as empresas privadas têm o mesmo potencial de atendimento das empresas públicas, porque elas só vão aonde está o consumidor que vai pagar”, argumentou.

Maria Rita exemplificou a importância das empresas públicas como motores do desenvolvimento social. “O programa Luz para Todos, que levou luz para os sertões, foi da Eletrobras. Uma empresa privada não faria esse programa, porque não existe interesse. Os bancos públicos são os principais financiadores da habitação popular. Os bancos privados não fazem esse papel, porque o único interesse deles é de aumentar o lucro. Portanto, o que não tem resultado financeiro, não tem interesse.”

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