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Waldir Pires, a política a serviço da civilização

Em lançamento de biografia do político baiano, morto em junho, o jornalista Emiliano José destacou seu legado. 'Era um democrata contra os regimes autoritários e sempre colocou no centro a luta pela igualdade'

© baraodeitarare.org.br/reprodução

Emiliano José, no lançamento da biografia de Waldir Pires: ‘Minha fala resume-se a dizer algo que poucos dizem até hoje: era um homem de esquerda’

São Paulo – Waldir Pires, político de carreira extensa, advogado e professor, que morreu em 22 de junho, foi homenageado, na noite de terça-feira (31), com um debate promovido no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo, sobre seu legado. O jornalista Emiliano José lançou o primeiro volume da biografia do político baiano. “Um cidadão de 70 anos de vida pública e com uma história extraordinária”, definiu.

Também participaram do debate o comentarista de política da TV Gazeta Bob Fernandes e a diretora da Fundação Perseu Abramo (FPA) Isabel dos Anjos. O encontro foi mediado pela coordenadora-geral do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mieli. “Meu desafio foi tentar explicar o Waldir. Tem um capítulo só sobre a formação do pensamento dele, dos porquês de ele nunca ter vacilado em nenhum momento decisivo da história do país”, disse Emiliano José, ex-vereador e ex-deputado, autor de Waldir Pires: Biografia Volume 1 (Versal Editores).

Em sua carreira, Waldir Pires teve cargos como o de ministro da Previdência Social e da Defesa, além de vereador, deputado e governador da Bahia, quando foi eleito em 1986, logo após o fim da ditadura civil-militar (1964-1985), durante o processo de redemocratização. Deixou o cargo dois anos depois para concorrer a vice do Planalto, em chapa com o emedebista Ulysses Guimarães. “Ele dizia que a política era o único instrumento capaz de garantir a civilização, que sem política, não tem sociedade civilizada”, disse seu biógrafo.

A defesa da política como meio de organização democrático rendeu elogios de Renata. “Me chama a atenção o fato de que (para Waldir) a saída para os problemas sociais é a política. Em tempos de criminalização da política, como os que vivemos hoje, reafirmar que ela é a única saída possível para os conflitos de uma sociedade democrática é fundamental. Fora da política, temos o fascismo, escaladas autoritárias, que estamos tentando evitar que aconteça novamente no Brasil”, afirmou.

Bob Fernandes lembrou da campanha de Pires ao governo da Bahia. Relatou a força e o carisma do personagem diante do eleitorado. “Acompanhei a campanha de 1986 e foi, de fato, extraordinário. Lembro que parecia uma coisa de Antônio Conselheiro (líder de Canudos). Era quase messiânico. Comícios na madrugada, e me lembro do locutor dizendo em tom dramático que ‘ele vai chegar’. Era impressionante.”

Valdemiro Lopes/Câmara de Salvador
O político baiano Waldir Pires

O jornalista falou brevemente sobre a importância do legado de Waldir Pires e fez questionamentos sobre como defender a democracia e enfrentar os riscos de autoritarismo no Brasil atual. “Eu assisti àquela comédia de terror na segunda-feira (30) no Roda Viva (programa da TV Cultura que recebeu o candidato Jair Bolsonaro, do PSL). Fiquei lembrando o que vivemos no passado. Waldir dizia que só conseguiria ganhar, em 1986, se desembarcasse na retaguarda do adversário. Fico pensando, aos olhos de hoje, o que é possível fazer (para frear o fascismo).”

“Estamos vivendo um momento extremamente grave. Eu era menino na ditadura, mas estamos chegando em uma hora muito perigosa. Lembro que o Waldir antevia isso na crise do chamado mensalão. Conversei com ele e ele antevia que tinha algo caminhando. Talvez pela vivência, ele antecipava que chegaríamos ao momento de hoje. Tenho perplexidades e curiosidades”, completou.

Homem de esquerda

Pires passou por diferentes partidos ao longo de sua carreira, como MDB, PSDB e PT. Para seu biógrafo, mais do que um democrata, o político era um homem de esquerda. “Não era apenas um democrata, que é um sujeito que é contra os regimes autoritários, mas Waldir estava além disso. Sem dúvidas era um democrata, mas sempre colocou no centro a luta pela igualdade.”

“Waldir firmou sua convicção de que a luta pela democracia estava vinculada, necessariamente, à luta pela igualdade. E eleições justas eram um passo, mas não era a única coisa. Não há como andar para frente com eleições sem a luta por igualdade. Ele não deixava nada solto. Lembrava a revolução norte-americana com muita força. Foi quem nos ensinou que a luta armada era justa contra os tiranos. Os norte-americanos ensinaram isso. As pessoas esquecem isso. Ele bebia nos fatos históricos, mas nunca deixava de dizer o quanto havia de exclusão em todos os processos. Dizia que a democracia é fundamental, mas trata-se de um projeto inconcluso na humanidade. A humanidade não concluiu o projeto democrático vinculado à igualdade entre os homens e mulheres”, completou.

Democracia incompleta

Para o jornalista, Waldir Pires acreditava que o processo histórico de implementação das democracias é incompleto. “Ele termina sua existência dizendo que a democracia não foi concluída. E a tarefa de todos os que tem o espírito voltado para a igualdade é continuar e concluir o projeto democrático no mundo.”

Para Isabel, da FPA, esse aspecto da fragilidade da democracia aparece na obra de José. “Tem uma frase do livro que me chamou a atenção, já no final dessa primeira parte, que diz o seguinte: ‘A guerra nas trincheiras continua. Outras guerras, outras trincheiras no campo da luta democrática’. Esse trecho sintetiza o que vivemos nesse país nesse momento de crise.”

“Mais do que nunca precisamos ter em mente a atualidade do pensamento de Waldir no que se refere a três pontos especiais. O primeiro, a perseverança na luta pela democracia. O segundo é da prática política aonde ela está. O desafio da construção política cotidiana. E a radicalização da democracia. Sobretudo em um Estado que muito fez morrer na nossa história. A realidade do Estado brasileiro é marcada pela morte. Em muitos momentos, a mão do Estado pesa para a morte de grande parcela da sociedade. Hoje acontece nas periferias, pela ausência da radicalização da democracia. A vida do povo brasileiro vem sendo banalizada pela violência, pelo desmonte de direitos, pelo rasgar a Constituição e o voto democrático. Essa é a guerra em outras trincheiras que está no cotidiano do brasileiro”, concluiu.