São Paulo

Os 462 dias de Doria: retrocessos e promessas não cumpridas

Prefeito descumpre compromisso de ficar no cargo por todo o mandato e encerra nesta sexta-feira (6) um mandato marcado por muito marketing e pouca realização

Willian Cruz/Vá de Bike

Doria prometeu diálogo com os ciclistas. Na prática, tornou impraticável construir novos trechos de ciclovia

São Paulo – Prestes a deixar a prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo estadual, descumprindo a promessa de permanecer quatro anos no cargo, João Doria (PSDB) deixa para a cidade um legado de retrocessos e promessas não cumpridas. Foram 15 meses à frente do Executivo municipal, com um discurso de melhorar a gestão, fazer “mais com menos”, melhorar os serviços em regiões carentes e emplacar um modelo de gestão empresarial no poder público. O resultado, porém, ficou longe disso. A fila da creche não foi zerada, assim como a de exames; as doações das empresas foram pífias perto do prometido; a periferia sofreu com cortes de serviços e encerramento de programas culturais. E sobrou até ração humana para as crianças.

Uma das primeiras promessas de Doria foi zerar a fila das creches em São Paulo. Definiu em 65 mil vagas a meta a ser alcançada. Inicialmente, disse que faria parcerias com a iniciativa privada para cessão de espaços. Não funcionou. Depois, disse que receberia doações ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (Fumcad) e realizou um grande evento com banqueiros no Theatro Municipal. Também fracassou. Apostou, então, nos convênios com creches privadas. Mas acabou matriculando milhares de crianças em unidades inacabadas. Em dezembro, havia 44 mil crianças esperando uma vaga em creche na capital.

O prefeito também reduziu as aquisições de produtos orgânicos e da agricultura familiar para a merenda escolar. E cortou o Leve Leite de milhares de crianças. No lugar, propôs a distribuição de uma “ração” humana para as crianças, feita com sobras da indústria alimentícia descartadas por estarem próximas do vencimento. Severamente criticado por nutricionistas e organizações, o prefeito desistiu da proposta.

Braços Abertos

Outra promessa não cumprida foi a de acabar com a chamada cracolândia, na região da Luz, centro da capital. Doria liquidou o programa De Braços Abertos, criado pela gestão de Fernando Haddad (PT). Em seu lugar criou o Redenção, que foi considerado inútil por médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e promotores de justiça. Uma ação policial violenta na região e a redução do atendimento por equipes da assistência social terminou por espalhar os dependentes químicos pelo centro da cidade. 

Em apenas sete meses de gestão, Doria extinguiu 51 de linhas de ônibus. Outras 29 foram cortadas. E a nova proposta de licitação do transporte coletivo indica que haverá mais cortes de linhas. Pelo menos 149 serão extintas e outras 186 serão modificadas, afetando severamente a vida da população. Tais mudanças não foram dialogadas. A gestão diz que vai otimizar o sistema e reduzir o tempo de deslocamento, mas a população tem criticado a proposta.

Ao mesmo tempo em que pretende reduzir o número de linhas, Doria retirou milhões de Reais destinados à construção de corredores de ônibus. Somente em 2017, R$ 710 milhões orçados para a construção de corredores foram destinados a outras áreas por decisão da prefeitura. A meta do prefeito era de construir 72 quilômetros dessas vias até 2020, mas somente 3 quilômetros foram entregues até agora – e começaram a ser construídos na gestão Haddad.

Na saúde não foi diferente. Em abril do ano passado, Doria anunciou que havia zerado a fila de exames, por meio do programa Corujão da Saúde, que fez parcerias com a rede privada. No entanto, somente uma parte dos procedimentos foi incluída no programa. Na mesma semana em que Doria fez o anúncio, o El Pais publicou reportagem mostrando que havia 200 mil pessoas esperando vários tipos de exames. Além disso, para 84% dos exames solicitados, o tempo de espera é superior a 30 dias, também contrariando a promessa de reduzir o tempo de espera dos procedimentos.

Remédios e farmácias

Em outra parceria com a iniciativa privada, o prefeito recebeu doações de medicamentos para suprir os estoques das farmácias da rede municipal. No entanto, boa parte destes estava com vencimento muito próximo. Outros sequer eram distribuídos na rede pública. Doria também propôs acabar com as farmácias das unidades de saúde e distribuir os medicamentos em parceria com drogarias privadas. O projeto também acabou descartado.

Atualmente, estão no foco da gestão as 127 unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA). Doria propôs fechar todas. Assim como 50 Unidades Básicas de Saúde (UBS). As AMAs foram criadas na gestão José Serra (PSDB) para fazer atendimentos de baixa complexidade e desafogar os hospitais.

Em 462 dias de gestão Doria, o número de mortes nas vias marginais Pinheiros e Tietê aumentou. Após a redução da velocidade efetivada pela gestão Haddad, o número de mortes caiu de 68, em 2014, para 46 em 2015 – ano de criação da medida.

Em 2016, o número reduziu ainda mais: 26 mortes. Doria aumentou as velocidades em 25 de janeiro de 2017. E o número de pessoas mortas em acidentes nas marginais subiu para 32. Houve aumento também no número de ciclistas mortos: de 25 em 2016, para 37 em 2017. Doria promoveu remoções de trechos de ciclovia e sancionou uma lei  que, na prática, inviabiliza a construção de novas vias para bicicletas na cidade.

Zeladoria urbana foi uma das grandes contradições da gestão. Apesar de investir no programa São Paulo Cidade Linda, com intensificação de ações em determinadas regiões da cidade, a zeladoria cotidiana foi reduzida. O resultado foi o aumento do mato em parques e praças, ruas esburacadas e enchentes. Um prefeito regional chegou a ser demitido por Doria por criticar a falta de verba para a área. Para 2018, os prefeitos regionais vão ter um orçamento ainda menor que em 2017.

Em nota, a gestão Doria contestou as informações.

“A atual gestão, em 15 meses, já criou 27.501 matrículas em creches para crianças de 0 a 3 anos. Nesta semana, com a assinatura de 90 novos convênios com entidades parceiras, aumentará em mais 14.202 vagas em regiões onde há mais demanda. Isso totalizará um recorde de 41.703 vagas criadas. Os números representam quase a metade das 85 mil novas vagas; meta para os quatro anos da administração.

O programa Redenção trouxe mudança visível à região da Luz. A antiga situação de permissividade que tomava daquela área, com um “shopping center” de drogas a céu aberto, não existe mais. Não há também a situação de controle do território pelo tráfico, como havia antes.

A primeira pesquisa após a implantação do Programa Redenção revela a mudança do cenário da região. Segundo o estudo realizado em consultoria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o número de usuários frequentadores da região da Luz caiu 77%. Em maio de 2017 eram 1.861, e, em julho, foram contadas 414 pessoas.

A SPTrans informa que não houve corte de linhas de ônibus. Trata-se de uma proposta que prevê alteração em apenas 25% das linhas e, mesmo que aprovadas, as mudanças não serão feitas da noite para o dia. Nenhum usuário do sistema ficará sem ônibus.

As mudanças que forem efetivamente implantadas serão feitas de forma gradativa, partindo de seis meses até três anos após a assinatura dos novos contratos, isso após o término da licitação do sistema de ônibus.

Qualquer alteração será amplamente divulgada aos passageiros, que podem continuar participando e fazendo sugestões a respeito do sistema de ônibus pelo e-mail [email protected], mesmo após o término da Consulta Pública da nova licitação do sistema de transporte.

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de São Paulo reitera que nenhum serviço da rede municipal será interrompido sem que antes outro equipamento esteja pronto para substituí-lo. Eventualmente poderá ocorrer a dispensa de alguns imóveis, desde que considerados inadequados para a nova proposta.

Dessa forma, reforçamos que nenhuma AMA vai ser fechada. Ao contrário, muitas delas vão se transformar em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) 24h ou em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), com equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF).

A reordenação proposta pela SMS é essa: as pessoas vão ser atendidas nos mesmos lugares, mas não mais por um plantonista, mas sim pelo seu próprio médico de família, que conhece todos os problemas de saúde do usuário.

É preciso deixar claro também que o processo de debate das diretrizes da Atenção Básica de Saúde não será aplicado de forma imediata. Cada região está tendo o tempo necessário para realizar seu próprio estudo e propor as mudanças graduais, que serão monitoradas e avaliadas. Tudo está sendo devidamente debatido com a sociedade, por meio dos conselhos regionais.

O objetivo dessa reestruturação é o de caracterizar e melhor integrar os diversos serviços, tomando por referência as necessidades de saúde da população. Serão criadas redes regionalizadas e hierarquizadas de atendimento, em conformidade com o artigo 198 da Constituição Federal de 1988.

Desta forma, cada cidadão saberá com mais clareza para qual serviço se dirigir de acordo com a necessidade de saúde – estarão disponibilizadas todas as informações, como o agente de saúde responsável pela sua área, a UBS de referência, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), o hospital, o Ambulatório de Especialidades (AE), entre outras.

O atendimento, inclusive, está sendo ampliado nas unidades, com a contratação de equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF), que é o modelo assistencial da Atenção Básica que se fundamenta no trabalho de equipes multiprofissionais em um território definido. Ele desenvolve ações de saúde a partir do conhecimento da realidade local e das necessidades de sua população.

O modelo busca favorecer a aproximação entre a unidade de saúde e as famílias; promover o acesso aos serviços, possibilitar o estabelecimento de vínculos entre a equipe e os usuários, a continuidade do cuidado e aumentar, por meio da corresponsabilização da atenção, a capacidade de resolutividade dos problemas de saúde mais comuns, produzindo maior impacto na situação de saúde local.

Em relação à zeladoria, a atual gestão herdou 604 mil demandas não atendidas em anos anteriores e priorizou o atendimento dos estoques. Em 2017, o Serviço SP 156 registrou aumento de 38% nos atendimentos. Foi o primeiro ano em o número de serviços executados foi superior ao de pedidos recebidos.

A Prefeitura trabalha para intensificar a zeladoria em toda a cidade. Em março foi concluído o pregão para contratar novas equipes de poda e áreas verdes, que começam a atuar em toda a cidade neste mês. Este processo não era realizado desde 2014, o que inviabilizou, desde janeiro de 2015, a contratação de novos funcionários.

A atual gestão retomou o processo licitatório em 2017 e, após a liberação do Tribunal de Contas do Município, está aumentando de 34 para 100 as equipes, que somam cerca de mil funcionários em toda a cidade. O programa Asfalto Novo vai recapear 147 quilômetros nas vias da cidade. Diariamente mais de mil buracos são tapados. Neste mês a cidade atingiu a marca de 1.100 praças adotadas, iniciativa que permite a manutenção de áreas verdes por munícipes e empresas.

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) informa que a cidade de São Paulo registrou queda de 7% no número de mortes em acidentes em 2017. Foram registradas 796 mortes no trânsito contra 854 mortes em 2016. O índice de fatalidade no ano foi de 6,56 mortes por 100 mil habitantes. Esse número se aproxima da meta estipulada pela cidade de São Paulo em compromisso com a Organização das Nações Unidas (ONU), de 6 mortes por 100 mil habitantes. No Brasil, essa taxa é de 23,4 mortes/100 mil habitantes.

De janeiro a dezembro de 2017, a CET registrou 32 acidentes fatais nas marginais, ante 26 de 2016. Foram 19 vítimas fatais na Marginal Tietê e 13 na Marginal Pinheiros. Diversos acidentes que resultaram em óbitos em 2017 foram provocados por atitudes imprudentes e não têm relação com as velocidades das vias. É o caso, por exemplo, da motorista alcoolizada e utilizando o celular que matou três pessoas e do pedestre que atravessou a via passando por baixo de uma carreta de caminhão. Houve ainda um motociclista que caiu após chutar o retrovisor de um carro e os dois motoqueiros que, com trânsito lento, caíram ao tentarem ultrapassar caminhões pela faixa entre os veículos.

Os dados consolidados da CET utilizam as informações registadas nos boletins de ocorrência por meio do Sistema de Informação Criminal (Infocrim), que é uma ferramenta de acesso ao Registro Digital de Ocorrências da Polícia Civil. Trata-se da mesma metodologia de estatísticas utilizada pela companhia desde 1979, ano em que teve início o trabalho de compilação de acidentes no trânsito na capital. Esses dados consolidados, com base nas informações dos Boletins de Ocorrências, permitem uma comparação sólida da evolução das estatísticas por utilizarem a mesma metodologia.

Os dados de acidentes com vítimas nas Marginais ainda estão sendo tabulados. Como acontecem em todos os anos, serão divulgados após a análise completa de todos os Boletins de Ocorrências registrados no período.

A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes iniciou estudos sobre as condições de toda a malha cicloviária e criou um grupo de trabalho para avaliar os projetos existentes, corrigir eventuais falhas e dar melhor utilidade à rede.

A diretriz da gestão é dar a máxima utilidade às ciclovias existentes, promovendo a interligação da malha cicloviária com terminais de ônibus, do Metrô e da CPTM; e fazer parcerias para a expansão da rede atual.

Ao contrário do que questiona o jornalista, as doações foram sim efetivas. Como consta no Portal da Transparência, a Prefeitura recebeu mais de R$ 505 milhões em doações. Aguarda ainda a efetivação de mais R$ 215 milhões. Os dados são públicos e podem ser consultados por qualquer munícipe.

Em relação ao contingenciamento do orçamento da SMC no início de 2017, por um equívoco na formulação do orçamento daquele ano, feito em 2016 pela gestão anterior, algumas despesas foram caracterizadas equivocamente. Programas como Fomento às Linguagens (Dança, teatro etc.) e de Formação foram incluídos como projetos, o que caracterizaria programas novos, em vez de atividades, que são programas continuados. Esta alteração na composição da peça orçamentária fez com que R$ 82 milhões fossem contingenciados. 

Ao longo do ano, contudo, os recursos foram sendo liberados e os programas realizados normalmente. Foram, inclusive, lançados novos editais de fomento como ao Livro, o projeto Museu de Arte de Rua (MAR), Rádios Comunitárias, Música, entre outros.”

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