'Podia ser seu filho'

Tiros no Calabouço. Há 50 anos morreu o estudante Edson Luís

Assassinato no Rio provocou reações em todo o país, que meses depois veria a Passeata dos 100 Mil. O ano terminou com a decretação do AI-5 pela ditadura, e mais violência do Estado

Acervo Biblioteca Nacional

Estudante foi assassinado durante ataque da polícia. Colegas não deixaram que o corpo fosse levado ao IML

Quem cala sobre teu corpo
Consente na tua morte

(Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)

Cala a boca, moço
Cala a boca, moço

(Sérgio Ricardo)

 

São Paulo – Em tempos de aumento de ataques a líderes sociais pelo país, execução de uma vereadora, Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e atentado a tiros contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região Sul, um episódio marcante da história recente do Brasil completa 50 anos nesta quarta-feira (28). A morte do estudante Edson Luís de Lima Souto causou uma convulsão no Rio, com reflexos pelo país. Dali surgiriam movimentos mais intensos contra a ditadura, em um ano que terminaria com a decretação do AI-5, intensificando a repressão do Estado.

Estudante secundarista, Edson Luís era um menino pobre vindo de Belém. Tinha acabado de completar 18 anos. Não fazia parte das lideranças do movimento estudantil, executava tarefas como colar cartazes. Durante um ataque policial, recebeu um tiro no peito.

Os jovens preparavam mais uma manifestação contra o governo. O Calabouço, na região central do Rio de Janeiro, era um ponto de encontro. Ali ficava um restaurante que recebia milhares de jovens todos os dias – a comida ruim provocava protestos constantes. Na noite do ataque, Edson resolvera jantar mais cedo.

O menino, cantado em música por Milton Nascimento e por Sérgio Ricardo, morreu na hora. Os estudantes não permitiram que o corpo fosse levado ao Instituto Médico Legal – com uma multidão já formada, foi conduzido ao prédio da Assembleia Legislativa, onde ocorreu a autópsia e foi feito o velório. 

Inaugurado ainda nos anos 1950, o Calabouço (cujo apelido faz referência a uma possível prisão de escravos), era administrado pela União Metropolitana dos Estudantes (UME). No complexo chegaram a funcionar, também, um teatro e uma clínica. Depois do golpe de 1964, ficou nas mãos do governo, que demoliu o restaurante original, sob forte protesto, e meses depois abriu outro, em lugar diferente.

A notícia da morte de um estudante se espalhou rapidamente e provocou reação imediata. O movimento foi intenso na Assembleia durante a madrugada. Em 2 de abril, foi realizada missa na Igreja da Candelária, também na região central. E ocorreram protestos por todo o país. O Rio parou no dia do enterro. Uma frase é lembrada até hoje: “Mataram um estudante. Podia ser seu filho”.

Em junho, o Rio é palco da Passeata dos 100 mil, a maior manifestação pública contra a ditadura. A situação política foi piorando, até desaguar no ato que inaugurou o período mais violento do regime autoritário.

 

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