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Formação de dois polos antagônicos torna mais claro debate político no país

Cláusula de desempenho pode ajudar a reduzir fragmentação partidária, sem comprometer representatividade. Mas 'derretimento' do centro dificulta 'pacificação' e governabilidade, diz cientista político

PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO

Um é pouco, dois é pouco, 35 é demais: Congresso Nacional deve refletir a capacidade de mobilização dos partidos

São Paulo – É quase consenso geral que o número de partidos políticos no Brasil é exorbitante, muitos deles sem bandeira ou conteúdo ideológico claro. Para o cientista político Vitor Marchetti, essa realidade dificulta a governabilidade e complica a compreensão do jogo por parte do eleitor. Por outro lado, na avaliação do professor da Universidade Federal do ABC, tentar estabelecer quantas agremiações partidárias bastariam, sem que nenhuma parcela da sociedade fosse privada da representação política, não é tarefa simples. 

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a Universidade de Oxford, da Inglaterra, publicada nesta semana pela BBC Brasil, apontou que os 25 partidos hoje representados no Congresso Nacional – de um total de 35 – são “mais do mesmo” do ponto de vista ideológico e poderiam ser reduzidos a apenas dois, um de centro-esquerda, reunindo partidos como PT, PCdoB e PDT, e outro de centro-direita, com PSDB, MDB, PP e assemelhados. 

Mais do que a visão das legendas sobre diversos temas da agenda – que foi o que a pesquisa mediu, a partir da opinião dos próprios parlamentares –, seria importante levar em consideração a capacidade de mobilização que os partidos têm, ou não, perante o conjunto da sociedade, aponta Marchetti. 

Para enxugar o quadro sem estrangular a representação, Marchetti defende mecanismos conhecidos como cláusula de barreira – ou cláusula de desempenho –, que volta e meia aparecem como propostas, sem se concretizar efetivamente. A partir desses mecanismos, os partidos só poderiam ter acesso ao fundo partidário ou ao tempo de televisão, por exemplo, se alcançasse um patamar mínimo de apoio entre os eleitores. 

“A gente tem dados que mostram que de seis a nove partidos teriam de fato capilaridade, capacidade de conquistar votos e se manter para além do financiamento eleitoral. Essa medida da capacidade dos partidos em mobilizar eleitores é mais interessante, para além do recorte temático”, diz o cientista. 

Apesar de evitar ser taxativo quanto ao número de partidos, o professor da UFABC concorda que a formação de dois polos políticos antagônicos vem se cristalizando nos últimos anos, com uma caminhada contínua do PSDB cada vez mais à direita, e do retorno do PT às suas bases de esquerda, principalmente no cenário pós-golpe.

Outro fator apontado é o “derretimento do centro”, antes dominado pelo MDB, agora ocupado por um conjunto de pequenas e médias agremiações e que, assim como o MDB, também caminharam para a direita. Esse processo traz aspectos positivos e negativos, segundo Marchetti: o sistema político ganha mais nitidez com a formação desses dois polos com posições antagônicas. Mas a conciliação fica cada vez mais difícil.

Como é a cláusula de desempenho

De acordo com a Emenda à Constituição 94/2017, a partir de 2030, somente os partidos que obtiverem no mínimo 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos nove estados, terão direito aos recursos do Fundo Partidário. Para ter acesso ao benefício, os partidos também deverão ter elegido pelo menos 15 deputados distribuídos em pelo menos um terço dos estados.

O mesmo critério será adotado para definir o acesso dos partidos à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. A mudança, no entanto, será gradual, começando pelo piso de 1,5% dos votos válidos e nove deputados federais eleitos nas eleições de 2018; chegando a 2% e 11 deputados eleitos, em 2022; a 2,5% e 13 eleitos em 2026, até alcançar o índice permanente de 3% e 15 eleitos em 2030.

“Por um lado, ficam mais claros os posicionamentos, mas por outro, do ponto de vista, da condução de governos que possam construir pactos para a governabilidade, para fazer avançar uma determinada agenda, tem-se dificuldades maiores. Quanto menor for o centro, maior vai ser a dificuldade de cada um dos polos de pacificar o país para governar.”

Se muitas vezes a negociação com esses partidos que compõem o chamado “centrão” acarretam em fisiologismo e corrupção, sem eles, o cenário é de radicalização. Não há soluções fáceis para problemas complexos. “É o centrão que dá base, que confere zonas de contato entre os polos. Sem mecanismos de conciliação, a gente vai para um tudo ou nada que não cabe dentro do regime democrático.” 

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