Militarização da segurança

Entidades pressionam Raquel Dodge contra intervenção federal no Rio

Representação entregue à PGR aponta diversas inconstitucionalidades da ação no Rio de Janeiro e solicita que procuradora-geral faça manifestação no STF

Tânia Rêgo/Agência Brasil

Interventor da ação no Rio é militar, mas Constituição estabelece que todas as funções públicas são de natureza civil

São Paulo – Mais de 40 organizações da sociedade civil e movimentos sociais protocolaram nesta sexta-feira (2) representação à procuradora-geral da República (leia ao fim da matéria), Raquel Dodge, solicitando que ela encaminhe ao Supremo Tribunal Federal (STF) ação que formalize o que as organizações apontam como inconstitucionalidades do Decreto presidencial 9.288, que instituiu a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

De acordo com a representação, são várias as razões para que o decreto seja considerado inconstitucional. Entre elas, ao atribuir funções exclusivas do governador a um interventor militar, o decreto estaria contrariando a Constituição, que estabelece que todas as funções públicas são de natureza civil – independente de quem as ocupa.

Segundo as entidades, o decreto também “exime o interventor das normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção”. Na prática, alega-se que, embora a intervenção seja uma medida excepcional prevista na Constituição Federal, “não há previsão constitucional e nem autorização para que o Interventor não se submeta às normas estaduais”.

Assinam a representação a ONG Conectas, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Justiça Global, Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Redes da Maré, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Movimento Mães de Maio, Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH), Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) e o Instituto de Estudos da Religião (Iser), entre outras organizações.

“O Rio de Janeiro vive há tempos uma situação complexa, na qual o discurso do medo cria uma sensação de insegurança generalizada – sendo que, paradoxalmente, na grande maioria das vezes, os combates entre varejistas de drogas e policiais ocorrem nas favelas e periferias”, afirma o documento. “Parte da sociedade se sente mais segura com o Estado agindo ‘em guerra’ contra o crime, acreditando que a militarização das ruas resolverá o problema da violência; e o Estado foca quase que exclusivamente em medidas de repressão e militarização da segurança pública com poucos ou nenhum resultado prático.”

A representação dirigida à procuradora-geral ainda destaca outras duas inconstitucionalidades do decreto: o conceito de proporcionalidade, considerando que o decreto “não indica mudança estrutural na segurança pública do Rio que justifique uma ação excepcional como esta”; e o fato de o Executivo ter descumprido o rito necessário para a aprovação da intervenção, que obriga que os Conselhos da República e da Defesa Nacional sejam consultados antes de elaborar o decreto.

“Essa intervenção é uma radical ruptura do pacto federativo, e em nada representa uma séria solução para problemas relacionados à segurança da população. Ela parte da premissa de que a militarização das ruas e a deflagração de ‘guerra’ é a solução para problemas crônicos e estruturais de um país com diferenças sociais abissais”, explica Rafael Custódio, coordenador do Programa de Violência Institucional da ONG Conectas, no site da entidade. “Tais questões deveriam ser antes tratadas com investimento em direitos básicos da população, como saúde, educação, lazer e trabalho, e de reformas estruturais no próprio sistema de justiça, como descriminalização das drogas, controle de armas e reforma das polícias”, diz ele.

Segundo Rafael Custódio, o objetivo da representação é “instar a Procuradoria Geral da República a cumprir seu papel de defender o estado democrático de direito e levar questionamentos ao STF a respeito da flagrante inconstitucionalidade do decreto”.

Julgamento

Além das alegadas inconstitucionalidades, na representação dirigida a Raquel Dodge as entidades manifestaram preocupação com a recente aprovação da Lei 13.491/2017. De acordo com a nova legislação, militares que cometam crimes dolosos contra a vida de civis não serão mais julgados por um tribunal civil, somente pela Justiça Militar.

“Este é mais um ponto que escancara a inconstitucionalidade do decreto porque, ao determinar o caráter militar do interventor, este é submetido à Justiça Militar e não à Justiça comum, eliminando qualquer tipo de controle social sobre suas ações”, critica Custódio.

Conteúdo
20180227RepresentacaoPGRIntervencaoFederal_comassinaturas_FINAL.pdf