Futuro

Eleição mostrará que país queremos, diz Miriam Belchior

'Nós ganhamos quatro eleições dizendo que o país precisava crescer, e não fazendo ajuste', afirma ex-ministra, para quem a Caixa está sendo 'sufocada' pela Fazenda e programas sociais são destruídos

Roberto Stuckert Filho/PR (2016)

Miriam: “A perseguição ao PT e ao presidente Lula é óbvia, só não vê quem não ver”

São Paulo – Ex-coordenadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ex-ministra do Planejamento e ex-presidenta da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior avalia que a população terá a oportunidade, nas eleições de outubro, de escolher outros rumos para o país, inclusive revertendo algumas da medidas do atual governo. “Nós ganhamos quatro eleições dizendo que o país precisava crescer, e não fazendo ajuste”, afirma, sem deixar de admitir a necessidade de mudanças na Previdência.

“Nós temos um bônus geracional, mas a nossa população está envelhecendo, então precisamos considerar todas as políticas, previdenciária inclusive. Isso precisa ser considerado a longo prazo, mas não com medidas tão drásticas como estão sendo propostas”, diz Miriam, apontando também um momento de queda de receita, que afeta a Previdência e aumenta os gastos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). “Retomando receita, evidentemente que os gastos vão ficar muito mais estáveis.”

Para a ex-ministra, a Caixa, operadora de políticas públicas, está sendo “sufocada” pela Fazenda e o programa Minha Casa, Minha Vida sofre um processo de destruição. “A hora que eu reduzo a capacidade de financiamento habitacional, especialmente para a renda mais baixa, estou segurando o crescimento. E não estou atendendo a uma demanda importante da população”, diz Miriam, lembrando que a execução do PAC caiu de uma média de aproximadamente R$ 55 bilhões para R$ 25 bilhões. “Isso mostra bem as opções que estão sendo adotadas hoje e que me parecem absolutamente equivocadas.”

Morando atualmente na Bahia, ela vem dando aulas e ajuda na elaboração do programa de governo do PT. E espera que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa participar, apesar de sofrer, segundo Miriam, “o mais escancarado processo ilegítimo de retirar o direito de um cidadão disputar eleição”.

​Depois​ de tanto tempo à frente do governo, em áreas estratégicas, como o PAC e Caixa Econômica Federal, como vê o atual momento do país, em relação aos gastos na área social, por exemplo?

Tem diversos fatores, e num momento como este você pode ter enfoques diferentes em relação a isso. Tem gente que prefere o caminho do ajuste, tem outros que preferem o estilo não crescimento. O que nós demonstramos durante todo o período que estivemos à frente do governo federal é que o melhor para o país, especialmente para os brasileiros, estímulo para o crescimento, é garantir programas sociais que minorem consequência desse momento difícil da economia. Este governo ilegítimo, além de adotar o caminho do ajuste, cortando todos os programas de suporte à população mais pobre, cortando investimentos que são muito importantes para estimular o crescimento da economia do país, não só está fazendo ajuste pontual no ano, mas aprovou a PEC para 20 anos (a Proposta de Emenda à Constituição 55, que se tornou a Emenda Constitucional 95), um congelamento do nosso ponto de vista irresponsável. Imagine o que acontece com uma população envelhecendo como a nossa o impacto disso nos gastos de saúde. Então, é essa escolha que eu acredito que o país fará na próxima eleição. Nós ganhamos quatro eleições dizendo que o país precisava crescer, e não fazendo ajuste. É uma pauta importante para a próxima eleição, que eu espero que o presidente Lula seja o nosso candidato.

Por falar em crescimento, o discurso recorrente do governo, que encontra eco nos meios de comunicação, é de recuperação, retomada. Tem até esse slogan é “agora, é avançar”. A senhora vê sinais disso? É possível falar em uma trajetória consistente de crescimento?

Eu acho que tem uma recuperação, os números dizem isso, mas muito longe do que está sendo anunciado. Pelo contrário. Só no PAC deste ano, por exemplo, tem uma previsão de 25 bilhões de reais. A média durante o período da presidenta Dilma foi de 55 bilhões, inclusive em 2015, um ano difícil. É disso que nós estamos falando. Como crescer sem investimento? Vamos crescer, mas o desemprego continua extremamente alto. Então, do que nós estamos falando? Fora todas as medidas de entregar patrimônio brasileiro especialmente para empresas estrangeiras. Pré-sal, Eletrobras, Embraer… Para onde nós estamos crescendo? Recursos para atender às demandas da população congelados, os investimentos em infra-estrutura também congelados. “Ah, vamos fazer com a iniciativa privada”, mas a iniciativa privada não vai fazer se não tiver crédito.

Crescendo para quem, não é?

Esta é a questão, muito importante para o país. Vamos esperar crescer para dividir o bolo? Nós saímos do mapa da fome, com inúmeras políticas, capitaneadas pelo Bolsa Família, mas não só, pela valorização do salário mínimo. Estamos tendo um retrocesso neste momento, com famílias que estão voltando para uma situação muito difícil. É esse o caminho?

Em relação à reforma da Previdência, aparentemente fora da pauta neste momento, mas que deve voltar ao debate, o argumento oficial é de combater os “privilégios”, mas a proposta do governo, essa que está na Câmara, aponta nessa direção? 

Acredito que não. Aconteceu uma série de concessões. Primeiro, que não foi esta a proposta original enviada, de combate ao setor público, basicamente, às vantagens do setor público, que eu acho que precisam ser de fato corrigidas, especialmente no Judiciário. Mas todas as concessões eram exatamente para garantir vantagens a determinadores setores. De novo, tem um debate que eu acho importante, que os especialistas têm apontado, e o trabalho feito no Senado em relação a isso, questionando que déficit é esse. A gente precisa ver que estamos em um momento de receita menor, aumentando o gasto em relação ao PIB. É claro, o PIB caiu, todos os gastos vão aumentar. Retomando receita, evidentemente que os gastos vão ficar muito mais estáveis. E põem na conta coisas que não são déficit previdenciário.

Acho que o momento que se avizinha vai ser importante para discutir a reforma da Previdência. Não iam aprovar mesmo, já tinham jogado a toalha, agora tem esse jogo de cena com a intervenção no Rio. Eu acho que esse é um debate que deve ser feito no período eleitoral, faz parte de que país a gente quer, e o que de fato precisa ser alterado na Previdência.

Houve uma reforma para o setor público logo no começo do governo Lula…

O presidente Lula mandou uma proposta de alteração na Previdência. Não tem jeito. Nós temos um bônus geracional, mas a nossa população está envelhecendo, então precisamos considerar todas as políticas, previdenciária inclusive. Saúde, porque aumentará gastos no setor. Provavelmente em educação, porque provavelmente vamos ter menos alunos, porque está caindo a natalidade… Então, isso precisa ser considerado a longo prazo, mas não com medidas tão drásticas como estão sendo propostas. Tirar esse debate de dentro do Legislativo neste momento é fundamental. A sociedade precisa dar sua opinião sobre o que ela quer, o que o país deve ter, o que a população quer que seja feito. Isso deve orientar um presidente legitimamente eleito.

Durante os governos anteriores, os bancos públicos tiveram papel importante, no crédito, fomento em época de crise. Hoje, sofrem com ataques, indicando certa política para dizer que o que é público não é bom. Algo poderia ter sido feito lá atrás para blindar as empresas de setores estratégicos?

Está sendo feito algo que foi planejado em 2002, no governo FHC, quando tentou privatizar a Caixa Econômica Federal. Nós recuperamos a Caixa, para que ela cumpra um papel de banco público. No caso da Caixa, de operadora dos principais programas do governo, sejam sociais, sejam de infra-estrutura. Todo mundo elogiou demais a Caixa agora na distribuição dos recursos do Fundo de Garantia. Que banco é capaz de fazer isso? Um banco que tem muita capacidade. Não é qualquer um que faz um atendimento de milhões e milhões de brasileiros. O que eles estão fazendo é sufocar a Caixa. O governo federal é o acionista integral da Caixa, ele que tem de capitalizar o banco. As novas exigências que todos os bancos têm que cumprir em relação à segurança bancária, as regras de Basileia, qual é a responsabilidade do governo federal com isso? Todo mundo está tendo de se capitalizar para dar essa maior garantia. E a Caixa também se preparou. Só que a Caixa não é só um banco comercial.

Em momentos de crise, os bancos privados não dão financiamento para ninguém, então que falácia é esse de dizer que Banco do Brasil, Caixa, BNDES ocupam espaço do setor privado? No momento de crise, eles não dão crédito a ninguém. Então, não dá para dizer que há uma concorrência desleal. O Ministério da Fazenda está sufocando a Caixa Econômica Federal. Dois terços do crédito para financiamento habitacional é feito pela Caixa, porque os bancos privados não fazem, não interessa porque a remuneração é muito baixa. A Caixa faz, para garantir financiamento habitacional para a população que mais precisa. Precisa de funding para isso, se viabiliza uma alternativa, que é aquele empréstimo do Fundo de Garantia, para continuar fazendo financiamento habitacional, o Ministério da Fazenda bloqueia essa alternativa e não dá outra.

É uma área econômica alinhada com o sistema financeiro…

É só ver a origem do presidente do Banco Central e do ministro da Fazenda. Está muito claro que também é esse um dos grandes interesses por trás da reforma da Previdência, que é a previdência privada. Quem é que vai ganhar com isso?

Quando a senhora estava na Caixa já sentia o, vamos dizer assim, olho grande do mercado financeiro sobre os bancos públicos?

Claro, é claro que sim. Tem sempre uma enorme reclamação do porquê a Caixa tem uma receita adicional por prestar serviços. Quem é que paga o Bolsa Família? Quem paga seguro-desemprego? Quem faz a operação de uma série de programas tanto sociais como de infra-estrutura para o governo federal? Acham que não pode contratar muita gente, nós fizemos isso via Caixa, em vez de contratar na administração direta. E aí, os bancos reclamam da Caixa ter essa vantagem. Quem é que quer fazer esse trabalho? Eles certamente não querem. E essa é a função fundamental da Caixa: conseguir garantir isso. Quem é que se abre para ter conta bancária para quem tem renda muito baixa?

Então, havia como blindar?

Por exemplo, havia o interesse da Fazenda em transformar a Caixa em S.A., e eles queriam fazer isso votando no Conselho de Administração, só que não pode. A lei que criou a Caixa diz que ela não é S.A., então se quiser mudar tem de mandar um projeto para o Congresso. Eles tentaram impingir isso à Caixa, mas a equipe jurídica foi muito firme e a Fazenda teve de, pelo menos momentaneamente, recuar. Acho que existem já mecanismos para isso, mas, claro, é um banco público e quem está à frente do governo federal vai determinar o que ela deve ou não fazer. Esse governo não quer que ela atenda programais sociais, nem fazer investimentos em infra-estrutura e habitação. Então, tira oxigênio da Caixa, que é responsável por fazer isso. O caso do financiamento habitacional me parece o mais claro. A construção civil é super importante para retomada do crescimento, para alavancar a economia, gerar emprego. A hora que eu reduzo a capacidade de financiamento habitacional, especialmente para a renda mais baixa, na realidade estou segurando o crescimento. E não estou atendendo a uma demanda importante da população.

Para pegar várias coisas que passavam pela Caixa, o Bolsa Família tem 4 milhões de pessoas a menos do que quando a presidenta Dilma saiu. O Minha Casa, Minha Vida está sendo destruído, porque não atende a Faixa 1, que atende a população com renda familiar até 1.800 reais, que é 80% do déficit habitacional do país. Enquanto a nossa média era de 280 mil unidades por ano – chegamos em 2013 a 560 mil –, eles prometeram 170 mil e contrataram 22 mil no ano passado. Estão só fazendo financiamento para as faixas 2 e 3, deixando a população que mais precisa sem essa alternativa.

PAC de 18 a 25 bilhões, é ridículo. Enquanto a nossa média era de 55 bilhões de execução. Isso mostra bem as opções que estão sendo adotadas hoje e que me parecem absolutamente equivocadas.

E sobre essa atual polêmica do auxílio-moradia? Especialmente no Judiciário, que anda tão em evidência nos últimos tempos? É uma questão que precisa ser rediscutida?

Eu acho o Judiciário uma caixa-preta. Há muitas mudanças que precisam ser feitas. Acho que aquela decisão de uma juíza, infelizmente, deixando uma mulher prestes a ter um filho e no dia em que ela precisaria comparecer à audiência ela estava no parto, e no dia da audiência ela volta com o bebê, mostra muito bem esse alheamento do Judiciário em relação à realidade do país. Nós temos auxílio-moradia também no governo federal, no Executivo. Antes de receber, você tem de demonstrar que não tem imóvel. O Executivo não paga auxílio-moradia se não tiver demonstrado que você não tem imóvel nenhum. Eles não só não fazem isso, como acham que podem justificar você ter imóveis luxuosos, e ainda ter mais 4.700 reais. Alguns em duplicidade, marido e mulher recebendo. Ou justificar, como disse o Moro, que não teve reajuste. Oras, quem tem direito a isso? Quem é que tem direito a dois meses de férias? O auxílio-alimentação do Judiciário é duas vezes o do Executivo. O auxílio-creche, a mesma coisa, mais de duas vezes. E qualquer tentativa de colocar na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que o Executivo é o teto, o Judiciário faz um lobby gigantesco no Congresso. Acho que é preciso arejar o Judiciário, seria muito importante. 

O servidor do Executivo em relação ao Judiciário, sempre foi visto como uma espécie de primo pobre, entre aspas…

Muitas aspas em relação ao conjunto do povo brasileiro…

Sim, “pobre” não ao pé da letra… Chegou a se pensar em uma solução lá atrás, para reduzir essa desigualdade?

Várias vezes foi mandado na Lei de Diretrizes Orçamentárias um teto para esses penduricalhos. Todos foram retirados pelo Congresso, muito por pressão do Judiciário. A gente discutiu muitas vezes com o Judiciário. Eles queriam, não sei se você lembra, um plano de cargos que significaria um aumento de 80% real. É uma insanidade. É o que eu digo desse alheamento completo em relação à realidade brasileira. Juro que eu teria vergonha de propor ao Executivo um aumento de 80%. Mas eles brigaram muito para ter esse aumento e nós resistimos bravamente para não acontecer.

Também por falar em Judiciário, como a senhora viu o julgamento do ex-presidente Lula e essa possibilidade de ele não poder concorrer, em que medida isso pode afetar a legitimidade do processo?

Acho que a legitimidade do processo brasileiro está toda comprometida desde o afastamento da presidenta Dilma. Ela foi afastada sem nenhuma, zero, prova de que ela tenha cometido alguma irregularidade. Foi um golpe parlamentar, puro e simples. Este momento do país é muito difícil de assistir. Eu ainda era nova durante o período da ditadura, vivi minha juventude no final do período ditatorial, é muito difícil ver o que vem acontecendo, no que o Judiciário está se transformando. O direito de defesa não existe mais. O abuso nas conduções coercitivas, o que o aconteceu com o reitor em Santa Catarina, acho que são exemplos claríssimos. E agora, essa maluquice de mandado coletivo (no Rio de Janeiro). Se isso não é Estado de exceção, eu não sei o que é. A perseguição ao PT e ao presidente Lula é óbvia, só não vê quem não ver. Quem não quer ver o Judiciário cancelando ação contra o (senador Romero) Jucá, para pegar um dos inúmeros exemplos. Não tem prova de que o presidente Lula é proprietário daquele imóvel. É ridículo. Não só o Moro reconhece isso e o condena, como os do tribunal fazem um exercício, todos eles, além de concordar com o Moro, chegam a uma pena de mesmo período para não ter risco de atrasar mais o processo. Está claramente articulado para tirar o Lula da eleição. Por que não é legítimo? Porque estão usando de subterfúgios terríveis para tirar quem eles sabem que vai vencer a eleição. Dia destes aqui teve senador que votou pelo afastamento da presidenta dizendo que se arrependeu. Meio tarde. Estamos de fato flertando com o Estado de exceção, e os mecanismos que estão usando para retirar a possibilidade de o presidente Lula são absurdos, enquanto os outros flanam pelo país.

Acredita que ele possa disputar?

Vamos trabalhar para que isso aconteça. Já tem cheiro do mesmo tipo de aceleração que houve na Justiça Federal no Tribunal Superior Eleitoral. Tudo com ele (Lula) é diferente. Estão julgando ainda um monte de processos pendentes da eleição passada. Quatro anos e ainda não julgaram processos eleitoral, mas o dele já estão falando que vão fazer antes da eleição. É o mais escancarado processo ilegítimo de retirar o direito de um cidadão disputar eleição.

Seja qual for o nome, é possível reverter medidas do atual governo, caso vença um nome mais identificado com o campo progressista? Ou isso depende em grande parte da renovação do Congresso?

É muito importante isso ser debatido durante o processo eleitoral. Tem sentido congelar por 20 anos os gastos públicos? E assim por diante. Ou seja, que país nós queremos? E, portanto, o que o Estado deve fazer? O período eleitoral será determinante para onde o país vai. Eu acredito que tem muitas políticas importantes a serem revertidas. Essa do gasto público é uma delas. Também é fundamental eleger um Congresso mais sintonizado com o que a população precisa. Isso é fundamental para pensar num país diferente. Infelizmente, não foi feito grande avanço com a reforma política. Essa decisão de financiamento individual é muito complicada. Você vai garantir que só quem tem dinheiro vai poder custear sua campanha, sem nenhum limite. Não só não fez a reforma política, como ainda abriu caminho para uma elitização ainda maior do Congresso Nacional. Agora, o Congresso também depende muito da opinião pública e, portanto, a despeito de uma campanha muito curta, acho que terá tempo para fazer esse debate público e será possível retroceder parte importante dessas medidas.

Hoje a política tradicional está muito desgastada, o que abre caminho para nomes apresentados como novos, mas que nem sempre são tão novos assim. Como resgatar a credibilidade?

Acho que ela precisa ser revertida, e por dentro da política, não pela negação, mas para isso precisa de reforma. O atual sistema, em que partidos podem ser criados à mancheia, que recebem recurso do Fundo Partidário, são mecanismos puro e simples de negociação de tempo de TV. Isso é muito nocivo para o sistema político. E contribuiu demais para essa situação de completo descalabro no Legislativo.

 

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