Tucanato

Doria deixará ‘conjunto de retrocessos’ na prefeitura para disputar governo de SP

Para analistas, prefeito de São Paulo disputa prévias do PSDB pelo Palácio dos Bandeirantes após curto governo ultraconservador, avesso ao diálogo e que não entregou nem mesmo “bandeira da zeladoria” da cidade

André Bueno/ CMSP/ Fotos Públicas

Doria (dir.) faz gestão ultraconservadora e deixará governo para seu vice, o também tucano Bruno Covas

São Paulo – O prefeito de São Paulo, João Dória, começa concretamente neste domingo (18) a corrida pelo governo do estado de São Paulo. Na data, o PSDB realiza o primeiro turno das prévias do PSDB, que começa a escolher o candidato do partido. Concorrem com Doria o empresário Luiz Felipe d’Avila, o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, e o ex-senador José Aníbal. Se nenhum dos candidatos obtiver 50% mais um dos votos, a legenda realiza um segundo turno no dia 25.

Apesar de ter prometido cumprir seu mandato até o fim – assim como José Serra, ao se eleger em 2004 –, se for confirmado como candidato tucano Doria terá ficado menos de um ano e meio no governo municipal, muito criticado por medidas, que adotou sem discussão com a sociedade, ultraconservadoras e que promovem retrocessos na estrutura do município, segundo Américo Sampaio, coordenador da Rede Nossa São Paulo.

“O que marca a gestão de João Doria é um conjunto de retrocessos desestruturantes da cidade, porque as principais medidas mexem com a estrutura de gestão municipal”, diz Sampaio.

Ele cita, como exemplos significativos dessas medidas, o corte de metade dos conselhos participativos (eleitos pela população dos bairros para fiscalizar e propor ações para a administração municipal), prejudicando a manifestação da sociedade sobre as políticas que a afetam; a extinção do Conselho Municipal de Planejamento e Orçamento Participativos (CPOP), onde a sociedade civil podia acompanhar a execução orçamentária; revisão da lei de zoneamento; e o plano municipal de desestatização, que, para Sampaio, traz prejuízos importantes às políticas públicas e à transparência.  “São medidas que desestruturam e atrapalham a dinâmica das políticas públicas da cidade”, afirma.

Entre outras medidas que atingem parcelas específicas ou a sociedade como um todo estão o Projeto de Lei (PL) 621/2016, de autoria do prefeito João Doria (PSDB), que dificulta o acesso dos servidores municipais à aposentadoria, e as amplas mudanças no sistema de transporte público.

Em 4 de outubro de 2017, Doria sancionou a Lei que disciplina o Plano Municipal de Desestatização, o corolário de sua gestão considerada radicalmente neoliberal. O programa, por ser bastante complexo, deve levar dois anos para sair do papel e vai ficar para a gestão de Bruno Covas, o vice-prefeito também tucano,  concluir no final do mandato, segundo prevê Sampaio.

“O plano retira do município patrimônio público e equipamentos que poderiam servir à população como espaços importantes de políticas públicas em saúde, cultura e meio ambiente, passando isso à iniciativa privada, gerando prejuízo à sociedade civil como um todo e lucro e privilégios às empresas, que ou vão ganhar os espaços por concessão ou comprando, no caso de privatização”, opina Sampaio.

O estádio do Pacaembu, patrimônio histórico da cidade, é um dos principais alvos de privatização de Doria. O prefeito aproveitou o apagão durante o jogo Santos e Corinthians, do dia 4, para recolocar o tema em pauta. “O Pacaembu não foi construído na nossa gestão. Não é um problema dessa gestão, é um problema histórico. A solução é a privatização”, disse Doria. Para o especialista em gestão esportiva Amir Somoggi, autor do blog Marketing & Economia da Bola, “o prefeito é o único responsável pelo sucateamento do estádio”.

Doria e o PSDB

Na opinião do cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC, João Doria está longe de significar união do PSDB. “Mais do que dividir o PSDB, ele divide a base do partido nas eleições para o governo estadual, base que é muito mais ampla do que o próprio PSDB, pois foi construída nas últimas décadas, e envolve apoios nas prefeituras de pequenas e médias cidades de todo o interior paulista e vários partidos”, diz.

O PSDB realiza as prévias num clima de racha. José Aníbal tem feito duras críticas a Doria. Em seu Facebook, ele afirmou que o governador Geraldo Alckmin “precisa ter em São Paulo um companheiro leal (para disputar a presidência)”, e acrescentou: “Sou um político, mas, sou também um gestor que não se envergonha de ser político e que cumpre com o que promete!”

Acontece que, para o analista, o autoproclamado “gestor” terá um adversário muito difícil a superar. Ironicamente, esse adversário é o próprio vice-governador de Alckmin, Márcio França (PSB), que também deverá disputar posto de governador. Se antecipando, em fevereiro França já começou a montar a equipe interina com a qual governará os últimos meses do mandato que Alckmin deve deixar para se candidatar à presidência da República.

“Márcio França não está entrando para perder, e entra com uma máquina muito forte e muito maior do que a máquina que o Doria vai ser capaz de mobilizar”, avalia Marchetti. Essa máquina envolve os partidos que fazem parte da base tucana no estado que já estão sob articulação do atual vice-governador. Ele tentará não apenas atrair as legendas dessa base como também partidos “que carregam bandeiras de esquerda, a exemplo do PDT e do PCdoB”, diz o analista da UFABC.

Na disputa pelo governo do estado, Doria tem contra si, ainda, não apenas um temível adversário que vai disputar votos em seu próprio eleitorado, mas também sua gestão, que, para Vitor Marchetti, deixa muito a desejar. “Nem a bandeira dele de fazer a zeladoria da cidade trouxe resultado. Não tem zeladoria. Ele não tem nem essa bandeira para entregar.”

O discurso negociador que Márcio França já está usando para atrair setores de centro-esquerda está longe do estilo do prefeito paulistano.  “Esse é um discurso que Doria não tem. Ele ainda está naquela de falar mal do PT. Se, talvez, esse discurso reverbere no estado de São Paulo, não é suficiente para elegê-lo.  O que vai eleger alguém governador é ter capilaridade nos municípios.”

Essa característica do discurso de João Doria é também sintomática de sua gestão como prefeito. “Ele promoveu uma politização ideológica da prefeitura. Em relação aos setores que criticavam ou apontavam contradições do governo, como os ciclistas, as entidades relacionadas à mobilidade urbana, os ambientalistas, João Dória os atacou sempre, numa perspectiva ideológica, ao invés de tentar o diálogo”, observa Américo Sampaio.

Na opinião de Marchetti, Alckmin e Doria “estão abertamente disputando quem vai liderar o partido daqui para a frente”. “A questão é saber se quem vai ser vitorioso nesse processo é um tucano experiente como Alckmin ou alguém com um discurso ultraconservador, mas estreante na política, como o Doria”, diz.

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