Lula pelo Brasil

Ato em Curitiba com Lula, Boulos e Manuela em defesa da democracia encerra caravana

Presença de pré-candidatos e de lideranças de diversos partidos é desagravo após onda de agressões ao ex-presidente e um gesto suprapartidário contra a violência

Ricardo Stuckert

São Paulo – A Caravana Lula pelo Brasil termina nesta quarta-feira (28), em Curitiba, sua quarta edição, desta vez pela região Sul. O ato de encerramento está previsto para as 17h, na Boca Maldita, centro da capital paranaense. E mais do que fechar um percurso de 3.300 quilômetros por duas dezenas de cidades, o ato deve ser converter numa grande manifestação em defesa da democracia e contra o fascismo. 

Os pré-candidatos à Presidência da República Guilherme Boulos (Psol) e Manuela D’Ávila (PCdoB) já confirmaram presença. Ciro Gomes (PDT) também foi convidado, mas se encontra fora do país.

Além dos presidenciáveis, estão confirmadas presenças dos senadores Roberto Requião (MDB) e João Capiberibe (PSB), parlamentares e dirigentes do PT, PSB, Psol, PCdoB e PDT, da Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, CUT, MST, movimentos sociais e personalidades democráticas.

Será um desagravo após uma onda de atentados movidos a paus, pedras, chicotes contra trabalhadores e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E que culminou com disparos de tiros contra dois dos três ônibus que levavam convidados e jornalistas ao assentamento 8 de junho, em Laranjeiras do Sul, onde foi erguido um campus da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), durante o governo Lula, em 2007.

Ricardo StuckertLula em Quedas do Iguaçu
Com comunidades indígenas, em Quedas do Iguaçu
Ricardo StuckertLula na UFFs
Com comunidade acadêmica na Universidade Federal da Fronteira Sul

Antes, a caravana havia experimentado um dia de muito acolhimento na passagem por Quedas do Iguaçu, como em todos as cidades, assentamentos, praças, escolas e empreendimentos agroecológicos visitados. Foram celebrações de gratidão, pelo que foi feito, e de esperança, pelo que ainda pode ser feito se a democracia prevalecer. Os depoimentos de um professor e de uma estudante da UFFS traduzem em parte esses sentimentos

Micheli Becker, 24 anos,

Formada em Engenharia de Aquicultura na Universidade Federal Fronteira Sul e cursando mestrado

Por que mulheres não foram para o enfrentamento contra o Lula? Porque  viram que ele colocou comida na mesa, melhorou a educação para os filhos, sentem no dia a dia as melhorias mais do que o homem.

Sou de Querência do Norte, noroeste do Paraná, de um assentamento do MST. Estava trabalhando na brigada do movimento, e uma mulher falou sobre a existência da UFFS. Naquela época, era mais um sonho, a gente não tinha nem sede própria, nada. Foi em 2011.

Fiz minha inscrição pelo site, passei na primeira chamada, e vim. Com o passar do tempo, a gente conseguiu vir para esse lugar, que é o nosso bloco definitivo. Aí consegui terminar Engenharia de Aquicultura, em cinco anos. Terminando, consegui entrar no mestrado, em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Entrei na terceira turma.

O campus Laranjeiras do Sul é o único dentro de um assentamento. Para mim, que sou do MST, é um orgulho muito grande. Assim como eu, muitos filhos de agricultores, que não teriam oportunidade de fazer o ensino superior, – foi uma das últimas coisas que Lula fez, a criação da UFFS. E a gente tem. Temos um quadro de professores muito bom, a maioria com doutorado. A gente está na expectativa em ter o primeiro doutorado da UFFS aqui, no campus Laranjeiras do Sul, também na área da agroecologia.

Meus pais estão assentados em Querência do Norte, no assentamento Portal do Tigre. Tem mais ou menos 300 famílias. Quando vim para a universidade, acessei o programa estudantil para a manutenção de alunos de baixa renda, como eu. Durante toda a graduação, tive incentivo do governo federal, através de bolsa – o auxílio-permanência.

Aqui era assentamento Oito de Junho. Agora não é mais. O Oito de Junho cedeu os dois lotes para a construção da universidade, o terreno passou a ser público.

Importância da agroecologia

Meus pais têm produção de arroz orgânico, certificado pela Rede Ecovida. Na Rede Ecovida, não se busca simplesmente um produto orgânico, e sim um produto agroecológico, porque leva em conta essa questão do social. Para mim, poder estar estudando o que os meus pais já faziam na prática foi uma oportunidade de ouro, que aproveitei.

Agroecologia é uma ciência. Muita gente conhece como prática, muito comparado com o orgânico, mas na verdade a agroecologia é uma ciência. O nosso curso se propõe a pensar os problemas que a gente vive na sociedade, principalmente a intensificação da produção, pensando nisso de uma forma holística. É conseguir ver o todo do problema, com uma visão macro, para poder discutir, junto com os agricultores, e pensando formas de resolver esses problemas, levando em consideração todo o custo social, ambiental, que isso pode ter para o restante da população.

O nosso mestrado tem duas linhas: uma de entrevistas com agricultores, sobre problemas práticos; e a minha, mais laboratorial. Estou estudando uma forma alternativa de tratamento de doenças em peixes. Seguindo a minha graduação, na parte de piscicultura, estou fazendo trabalho com erva mate e outras plantas, com o extrato delas, para combater. É uma atividade prática.

A gente tem uma diversidade muito grande. Na minha turma, tinha enfermeiro, nutricionista, agrônomo, historiador, geógrafo. Essa ideia da agroecologia de pensar de forma diferente proporciona que outras áreas se conectem, cada um trazendo do macro para a sua área para tentar pensar de forma diferente e resolver aquele problema.

Machismo e empoderamento da mulher

O sul é muito patriarcal. Normalmente o homem responde pela família. Só que, na agroecologia, dentro da Via Campesina, a gente tem uma coisa muito assim: quando a vida está ameaçada, quem sai à luta é a mulher.

Por que mulheres não foram para o enfrentamento contra o Lula? Porque elas viram que ele colocou comida na mesa, melhorou a educação para os filhos, sentem no dia a dia as melhorias mais do que o homem, que está preocupado normalmente em aumentar o patrimônio da família. Não é aquela coisa do dia a dia…

Por que a gente tem toda essa dificuldade? É uma construção histórica. Aqui na instituição, os cursos ainda tem muito mais homens do que mulheres. Eu estou formada e encontrando dificuldade no mercado de trabalho. Por que não tenho qualificação? Não, me formei entre os melhores da turma, mas a área que eu escolhi é dominada pela questão dos homens.

Os agricultores têm essa mentalidade patriarcal. Para eles, chegar uma mulher na propriedade para dizer como ele tem que fazer para produzir peixe é um choque, por que a assistência técnica sempre foi feita por homens.

Tanto para mim, que sou da Engenharia da Aquicultura, como as minhas amigas que se formaram em Agronomia, temos muita dificuldade na busca pelo campo de atuação. Exatamente porque o sul, até pela própria colonização – de alemão e italiano –, é uma coisa mais patriarcal, onde o homem decide as coisas. A gente está passando por um período de transição, e de a mulher se assumir e se desafiar a fazer novos papeis dentro da sociedade.

Paulo Henrique Maia, 51 anos

Professor de Agronomia na UFFS

Nossos cursos são bem conceituados. O grande problema da elite é ver o filho do trabalhador rural fazer o concurso junto com o filho deles e passar. As pessoas que querem estudar fazem isso com qualidade. Durante oito anos, demonstramos que essa universidade é de qualidade

A universidade foi fundada no dia 15 de setembro de 2009. Ela é uma universidade com campi no Paraná, Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Em Laranjeiras do Sul temos cursos nas áreas de educação agrária. Temos curso de Agronomia com ênfase na agroecologia, tem curso de Engenharia da Agricultura, Ciências Econômicas no Cooperativismo e Gestão de Agroindústria. Tem um curso de Educação na área de Ciências da Terra.

O nosso campus conta com mais de 1.200 alunos e temos dois mestrados: um sobre agroecologia e desenvolvimento rural sustentável e outro na ciência de alimentos. Ao todo, em todas as universidades, deve ter uns 15 mil alunos.

Nós começamos aqui numa estrutura emprestada. Durante o governo Lula e Dilma construímos esse campus que está afastado 4 quilômetros do centro da cidade. Conta com 40 laboratórios equipados, 40 salas de aula, um restaurante universitário, um bloco de 90 professores e 70 técnicos

Integralização do ensino

Nosso exemplo é importante para o atendimento das populações locais. Nosso campus funciona num assentamento da reforma agrária e os nossos cursos são formados em 70% por alunos da região. Vêm os agricultores aqui do lado para cursar Agronomia, Engenharia e saem daqui trabalhando na própria região. Isso é importante para o desenvolvimento local.

Aqui todos os alunos que têm dificuldades socioeconômicas têm uma bolsa, que foi promessa da Dilma. A gente cumpriu isso nesse campus graças ao trabalho de uma equipe impressionante que temos na universidade, principalmente, na área de serviço social. Isso é um fato importante para manter os alunos.

Existem preconceitos das pessoas que são ignorantes. Por exemplo, há pessoas que vêm para cá e acham que vai ser um ato de politicagem. Não, a universidade é criada por lei e nunca sairá daqui. Existe muita truculência, sim. Mas aqui temos filhos de assentados e pequenos agricultores que vêm para fazer uma faculdade de qualidade.

Os nossos cursos são bem conceituados. Acho que o grande problema da elite é ver o filho do trabalhador rural fazer o concurso junto com o filho deles e ver a gente passar. As pessoas que querem estudar fazem isso com qualidade. Durante os oito anos, demonstramos que essa universidade é de qualidade.

Com reportagem de Cláudia Motta, em Laranjeiras do Sul (PR)

 

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