Intervenção militar

Medo impera nos bairros pobres do Rio, diz ativista do Complexo da Maré

Diretor da ONG Redes da Maré diz que população das favelas e morros teme ações violentas e conflitos que virão como desgaste diário das relações entre os soldados do Exército, polícia e moradores

Tomaz Silva/ABR

Em 2014, o Complexo da Maré foi ocupado por 1.500 soldados. Uma intervenção que custou R$ 12 milhões por dia sem ter resolvido a violência

São Paulo – Enquanto a classe média apoia a intervenção federal sobre a segurança no estado do Rio de Janeiro, por acreditar que a violência está nas favelas e morros, o medo toma conta dos moradores que vivem nessas regiões e que já viveram intervenções menos graves que a atual. A avaliação é do diretor da organização não governamental (ONG) Redes de Desenvolvimento da Maré, Edson Diniz.

A classe média, segundo acredita, “vai bater palmas”. “Essa parcela da sociedade acredita nessa narrativa de que o crime está localizado só nas favelas, o que a gente sabe que não, que não. Você tem o varejo nas favelas, mas os tubarões consumidores não moram lá e sim nos bairros mais ricos. Então nos bairros mais pobres há o medo. Essas pessoas estão assustadas, porque sabem que serão as mais atingidas”.

Outro problema, segundo o ativista, é que os moradores dos bairros nobres, da zona sul, apoiam quase que totalmente a intervenção. “Uma parte da cidade sabe que não será atingida de maneira alguma pelas ações”, diz. “Um bairro como o Leblon, de classe média alta, não vai ter mandado coletivo. Soldados não vão entrar em condomínios de luxo e revistar todos os apartamentos. Ninguém vai fazer isso. Vão fazer na favela.”

Habbeas Corpus

Segundo Diniz, a intervenção militar decretada por Michel Temer traz outra peculiaridade que aumenta o temor de populações pobres que vivem na mira de ações militares que nunca trouxeram soluções. “Temos ainda o fato de ser uma intervenção em escala estadual e a própria inconstitucionalidade desse processo, que atropela a Constituição e direitos legais, como são os mandados coletivos de busca e apreensão. E pior: não se sabe ao certo qual é o plano. Nem eles (governo) parecem saber direito qual é o plano.”

Na noite de ontem, a organização Redes das Marés se reuniu com representantes de outros coletivos e movimentos para debater a questão, que está sendo discutida também pela Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro. Entre outras coisas, a entidade de defesa da garantia dos direitos da população do Rio, inclusive das mais pobres, vai ingressar com um Habbeas Corpus preventivo contra a proposta de mandado coletivo de busca e apreensão defendido pelos interventores. 

O coordenador da Redes da Maré não tem estimativas quanto aos custos da intervenção desencadeada no estado. Mas destaca dados relativos à ocupação militar no Complexo da Maré, zona norte do Rio, em 2014. Ao longo de 14 meses, circulavam diariamente pelas ruas e becos 1.500 soldados. Um custo diário de R$ 12 milhões, segundo ele. Ou seja, R$ 700 milhões no total.  

“Gastou-se tudo isso e a maré continua com os mesmos problemas. A violência continua alta, inclusive a violência do estado. A polícia continua com aquelas incursões violentas, não mudou nada. Não mudou a estrutura do crime nem a vida das pessoas melhorou”, avalia.

Reprodução/Redes da Maré
Publicação do Redes da Maré mostra a percepção dos moradores do Complexo sobre a ocupação armada pelos militares em 2014

Violação de direitos

De acordo com o livro A Ocupação da Maré pelo Exército Brasileiro – Percepção de Moradores sobre a Ocupação das Forças Armadas na Maré, de Eliana Sousa Silva (clique aqui para ler o livro na íntegra), 9% dos entrevistados consideraram ter sofrido alguma ação caracterizada como violação de direitos, especialmente, a entrada de soldados no domicílio. Para mais de 40% dos que sofreram alguma violação, o desrespeito aconteceu mais de uma vez, com agressão verbal e física.

Segundo a autora, chama atenção a invasão da residência por parte dos militares – o que já era comum nas operações policiais na Maré. Estima-se que quatro mil lares podem ter sido invadidos pelo Exército, o que ilustra o desrespeito à privacidade e, também, a ausência de legalidade no ato da invasão à residência não são, em um universo no qual as pessoas têm pouco conhecimento sobre as leis e sobre seus direitos, atos facilmente identificados como violação de direitos — pelo menos, não tanto como é o atentado à pessoa, na forma de agressão física e verbal.

Edson Diniz não nega as cenas de assaltos e arrastões durante o carnaval, que tomaram conta da mídia tradicional e das redes sociais – que aumentaram a sensação de insegurança e medo.

“Entretanto, a análise dos dados mostra que não houve uma explosão de violência no Rio de Janeiro, que justificasse a medida que, na verdade, é usada como última cartada de Michel Temer, com a maior desaprovação popular da história”, afirma.

Ele menciona dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), do próprio governo estadual, sobre o carnaval. “Foi menos violento que os anteriores”, garante.

Segundo o ISP, em 2016 foram 1.771 roubos a transeuntes; em 2017, 1.178. E em 2018, caiu para 1.062. Nos mesmos anos, os casos de homicídios foram 101, 94 e 86. “Mesmo que haja a ressalva de que os dados são provisórios, ainda assim o quadro não é pior que os anos anteriores. É grave, é claro. No entanto, a explosão de violência não ocorreu”.   

“A verdade é que o presidente mais impopular da história do Brasil saiu derrotado na sua proposta de reforma da Previdência. Ninguém mais fala nessa reforma. Por isso, mudar a pauta do país para o tema da segurança é providencial para um governo que luta para sobreviver politicamente.

Para o ativista, não se constrói política de segurança pública eficiente a partir de uma intervenção federal desarticulada do cumprimento do dever de oferta de serviços públicos, como educação, saúde, moradia, emprego. “Pelo contrário, resgatam velhas fórmulas, com os militares tratados como a salvação para crise, como se pudessem trazer paz pela guerra. Trata-se de um governo moribundo atendendo demandas político-eleitorais”.