SEGURANÇA PÚBLICA

Intervenção federal no Rio só fica abaixo de ‘estado de sítio’ e ‘estado de defesa’

Planalto reconhece risco político da decisão. Ministros desconversaram a respeito de a iniciativa abrir precedentes e poder representar algum tipo de ruptura democrática

Beto Barata/PR

Maia, Temer e Pezão: intenção do Planalto é continuar atuando em “parceria” com o governo do Rio

Brasília – A intervenção decretada pelo governo federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro é considerada a primeira iniciativa do gênero observada nesta área no país desde a promulgação da Constituição de 1988. Segundo informações do próprio Executivo, as ações realizadas nas últimas décadas, em especial nos últimos anos, foram todas relacionadas à atuação das Forças Armadas em unidades da federação por meio da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em parceria com os respectivos governos estaduais. Os casos mais recentes, de uso das Forças para ações de GLO, foram vistos na Bahia, Pernambuco, Espírito Santo e, mais recentemente, Rio Grande do Norte.

Durante o ato que oficializou a intervenção, Michel Temer, reconheceu que a decisão é extrema, mas argumentou que, diante das circunstâncias pelas quais passa o estado do Rio de Janeiro, se faz necessária. “O estado não pode ficar de braços cruzados, diante da violência que tem sido observada, temos de agir”, afirmou Temer, ao lado do governador fluminense, Luiz Fernando Pezão (MDB).

De acordo com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, a ação “só fica abaixo da decretação de estado de sítio e estado de defesa”. O estado de sítio é o instrumento utilizado pelo chefe de Estado em que são suspensos temporariamente os direitos e as garantias dos cidadãos e os Poderes Legislativo e Judiciário ficam submetidos ao Executivo, tendo em vista a defesa da ordem pública. Já o estado de defesa consiste em medida constitucional que tem como objetivo a preservação ou restauração da paz social e ordem pública, principalmente em locais que sofrem com instabilidades institucionais, grandes calamidades ou situações de guerra.

Já o ministro de Segurança Institucional da Presidência, Sérgio Etchegoyen, ao ser questionado sobre o fato de a intervenção representar “risco para a democracia”, podendo abrir um precedente para outros casos de intervenção em outros estados, disse que não vê tal possibilidade. 

“As Forças Armadas jamais foram ameaça à democracia em qualquer tempo desde a redemocratização. Ameaça à democracia é, isto sim, a incapacidade da estrutura policial, que é da competência dos estados, para executar sua tarefa”, afirmou Etchegoyen.

Sob o crivo do Congresso

Caberá agora ao Congresso Nacional votar com prioridade o decreto a partir da próxima terça-feira (20). Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tudo o que depender do Legislativo será feito para a aprovação do texto em tempo célere. Maia também propôs que o Congresso passe a ter uma agenda de votação de matérias que modernizem a atual legislação de segurança pública no país, a ser definida a partir da retomada dos trabalhos da Câmara e do Senado, “diante do momento que o Brasil está passando”. 

“Precisamos nos debruçar, a partir de agora, para aprimorar a legislação de combate ao tráfico de drogas e de armas e a legislação de combate ao crime organizado. Também temos que voltar os olhos para a efetivação do sistema nacional de segurança pública, para que passe a ser uma realidade no país. Chegou a hora de atuarmos para dar um passo à frente, além da intervenção, por meio da modernização das nossas leis”, destacou Maia.

A intervenção, por uma questão de ordem regimental, passou a ter ligação direta com a votação da reforma da Previdência, que está na pauta da Câmara dos Deputados – muito embora já esteja sendo dado como certo que a reforma terá apreciação adiada para depois das eleições. Como a alteração nas regras previdenciárias consiste numa emenda à Constituição, só poderá ser votada se houver revogação do decreto de intervenção, conforme estabelece a Constituição Federal.

Por conta disso, Temer afirmou, logo após a assinatura do decreto, que se os líderes da Câmara dos Deputados e do Senado acharem, na próxima semana, que há condições para votar a reforma, o Executivo revogará o decreto para, alguns dias após a votação, publicar nova intervenção. E no período logo após essa revogação, será autorizada uma ação de GLO ampliada no Rio de Janeiro.

Este mesmo procedimento se repetirá sempre que estiver sob votação alguma propostas de emenda à Constituição (PEC), ao longo do ano. A possibilidade de revogação e continuação dos trabalhos foi questionada e vista de forma crítica por políticos oposicionistas e jornalistas presentes ao ato de assinatura do decreto. Mas foi minimizada pelo ministro da Defesa, que destacou a importância da ação de “GLO ampliada” nestes possíveis intervalos.

‘Medida de risco’

O interventor federal designado pelo governo, o atual chefe do Comando Militar do Leste, general Walter Souza Braga Netto, disse que foi surpreendido com a missão e ainda dará início a várias reuniões para fortalecer o sistema de segurança fluminense. De acordo com o ministro Raul Jungmann, ele é um militar que “conhece bem o Rio de Janeiro, tem participado com muita intensidade da atuação do Exército nas operações de GLO e absolutamente qualificado para a tarefa, além de ser conhecedor profundo da dinâmica do estado em termos de segurança”.  

Jungmann disse que, apesar da intervenção federal , a intenção do Executivo é continuar atuando em parceria com a secretaria estadual de Segurança Pública, as polícias civil e militar, o sistema penitenciário e o corpo de bombeiros. “Já tínhamos uma integração muito boa com as polícias do Rio de Janeiro. O que faremos agora é intensificar esse trabalho para que tenhamos um salto de qualidade no sistema de segurança do estado”, afirmou o ministro da Defesa.

A operação é tida como frágil, do ponto de vista de possível revogação dependendo da agenda do Congresso, e ao mesmo tempo “de alto risco” para o governo federal.

Nos bastidores, o próprio Temer admitiu isso antes da solenidade, mas destacando que não vê outra alternativa para o Rio de Janeiro. Está sendo aguardado para as próximas semanas o anúncio de um novo ministério ou secretaria especial, voltado especificamente para a área de segurança pública do país.

Pressionado por repórteres ao final do ato, o governador Pezão descartou que o governo estadual tenha perdido o controle no quesito segurança. “Não perdemos o controle. O que houve foi um aumento muito forte da criminalidade nas nossas divisas e em todo o estado, que nos levou a pedir a ajuda do governo. É um momento muito difícil, no qual estamos certos de que só as nossas forças de segurança não conseguem dar vazão a tantas demandas e precisamos de ajuda. Mas não significa a perda do controle”, disse.

 

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