A vida como ela é

Traficantes são intermediários, chefões moram na Barra, diz Paulo Sérgio Pinheiro

No programa 'Entre Vistas', da TVT, Paulo Sérgio Pinheiro analisou a intervenção federal no Rio de Janeiro e o tema da segurança pública

RBA

“Estamos num momento célere de desconstrução de tudo que se conquistou”, avalia Paulo Sérgio Pinheiro

São Paulo – Ex-ministro de Direitos Humanos do governo de Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro não é nem um pouco otimista com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Do despreparo do Exército para agir em meio à população civil a ausência da vigilância da Baía da Guanabara.

“Não vai dar em nada”, disse na última terça-feira (27), durante participação no programa Entre Vistas, apresentado por Juca Kfouri, na TVT. Carioca, frequentador da praia do Leblon quando era criança, Pinheiro afirmou que os traficantes normalmente apresentados como chefes do tráfico são apenas intermediários, enquanto os verdadeiros líderes do negócio moram em bons apartamentos na Barra da Tijuca – ou no exterior.

O cientista político, um dos formuladores do Núcleo de Estudos da Violência da USP, também criticou a ausência do enfrentamento da lavagem de dinheiro proveniente das drogas no sistema bancário do Brasil, algo vital para diminuir o poder do narcotráfico. Comparando com fatos acontecidos em Nova York e Miami, onde a máfia usava pizzarias e outros estabelecimentos comerciais para lavar dinheiro, Paulo Sérgio Pinheiro não aliviou: “Hoje, São Paulo é uma grande praça de lavagem de dinheiro”. E foi além: “É evidente que o tráfico da favela é mantido pelos consumidores das classes dominantes que têm dinheiro para comprar cocaína. Então, por que a sanha contra os pobres e afrodescendentes?”

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Para ele, a localização das favelas na zona sul do Rio de Janeiro durante muito tempo foi “útil aos brancos”, pois ali moravam seus empregados, com rápido acesso ao local de trabalho na casa ou na empresa do patrão. Uma relação definida pelo ex-ministro de Direitos Humanos como baseada no desprezo e no racismo com os moradores das favelas.

Ao ser lembrado do caso envolvendo o capitão do Exército William Pina Botelho, conhecido como Balta Nunes, Pinheiro usou de ironia para criticar a ação. No episódio, o militar atuou como agente infiltrado e forneceu à polícia informações que levaram à prisão 18 jovens que rumavam para uma manifestação contra o governo Temer. Para ele, o método deveria ser empregado não para criminalizar movimentos sociais, mas para enfrentar o narcotráfico, tendo sido um instrumento importante nos Estados Unidos e na Itália no combate contra a máfia.

Foi quando Juca Kfouri lhe perguntou se não teme ser preso, considerando suas críticas. “Acho que do jeito que as coisas vão, isso pode acontecer…”, respondeu.   

Crítico do processo que destituiu Dilma Rousseff da Presidência da República, Pinheiro se revela preocupado com a situação política do país. “Hoje, Temer é um governo regressista, porque põe abaixo tudo o que se conquistou (nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma). É um momento de desconstrução da democracia, de tudo que se conquistou.”

Nesse contexto temas como a revogação do Estatuto do Desarmamento ou a redução da maioridade penal ganham força para serem alterados. “Esse Congresso aprova qualquer coisa.”

Durante a gravação do programa Entre Vistas, no Café do Sindicato dos Bancários, no Edifício Martinelli, centro de São Paulo, o ex-ministro foi questionado sobre contradições do pensamento progressista ditos de “esquerda” na temática da segurança pública. E respondeu: “Não é verdade que a esquerda não esteja acordada para o tema da segurança. O sucesso do Fórum Brasileiro de Segurança Pública é prova disso, e não me consta que o Fórum seja de direita”, afirmou.

Cidadão de direitos

Ex-relator do assunto infância na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Paulo Sérgio Pinheiro avalia que as crianças serão as primeiras vítimas do congelamento por 20 anos dos gastos do governo federal, tendo como consequência retrocessos em direitos econômicos e sociais. “É preciso ter políticas estritamente direcionadas para crianças e adolescentes”, acredita. Da mesma forma, o ex-ministro também avalia que o as vítimas na linha de frente da intervenção federal no Rio de Janeiro serão os jovens

Perguntado sobre a lei 13.010/2014, conhecida como a Lei da Palmada, Pinheiro destacou que toda criança e adolescente tem que ser vista como um ser de direitos, e que a famosa “palmada” é ineficiente. “Há muitos estudos sérios sobre o tema. É uma abordagem estúpida, que não adianta nada. Se não admitimos violência do homem contra a mulher, violência contra os animais…é totalmente absurda.”

Ao final do programa, Juca Kfouri provocou Paulo Sérgio Pinheiro a respeito de suas relações pessoais, considerando sua amizade com Fernando Henrique Cardoso, o fato de ter trabalhado para Franco Montoro, mas também ter sido nomeado para a Comissão Nacional da Verdade por Dilma Rousseff e ter boa relação com o ex-presidente Lula.

“Eu não sou confiável”, brincou. “Minha luta são os direitos humanos.”  

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