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Afrânio Jardim: condenação de Lula é um ‘projeto muito combinado e articulado’

Jurista participou de debate e expôs as falhas que levaram à condenação do ex-presidente. 'Essa denúncia é uma das piores que eu, como promotor que fui por 31 anos, já vi'

Reprodução/Facebook

Afrânio Jardim sobre Moro: “Está claro que ele tinha um réu e buscava um crime pra atribuir a esse réu”

São Paulo – Procurador de Justiça aposentado e um dos mais renomados juristas do Brasil, Afrânio Silva Jardim afirmou que a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é parte de um projeto envolvendo integrantes do Ministério Público na Operação Lava Jato, o juiz Sérgio Moro e setores da mídia brasileira.  

“Quando se fez o projeto de condenar o ex-presidente Lula, um projeto muito bem combinado e articulado, uma estratégia até anunciada em trabalho acadêmico pelo juiz Sérgio Moro quando comentou a operação Mãos Limpas, ele se fechou com a mídia, passou a alimentar a grande imprensa para demonizar os réus. No caso, principalmente Lula, e então passaram os procuradores e o juiz a ter quase uma obrigação de resultado, de entregar o produto daquilo que foi combinado”, disse Silva Jardim. “Ficaria até muito complicado para o juiz Sérgio Moro absolver o Lula diante da estratégia que foi montada. Está claro que ele tinha um réu e buscava um crime pra atribuir a esse réu.”

A avaliação foi feita nesta quarta-feira (7), durante debate intitulado “Os erros judiciais do Caso Lula e a repercussão internacional”, no qual participaram também o embaixador e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim e Carol Proner, professora de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Afrânio Silva Jardim elaborou sua análise crítica do caso a partir de aspectos processuais e pelo mérito. Um dos aspectos processuais destacado por ele é que a 13ª Vara Federal de Curitiba e o juiz Sérgio Moro são “absolutamente incompetentes” para julgar o processo de Lula, considerando que os crimes imputados ao ex-presidente teriam ocorrido em São Paulo, e a competência é do lugar onde se consumou a infração. Para modificar a competência, explica o jurista, seria necessário haver conexão entre delitos, o que não houve.

“Eu não vi, examinei e desafiei até os procuradores da República e os juízes federais que me mostrassem quais das três conexões que o Código de Processo Penal elenca estariam presentes para justificar a modificação da competência de São Paulo para Curitiba. Não há porquê justificar esse juízo universal do juiz Sérgio Moro”, afirma.

Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o jurista ainda destacou a contradição de Moro, nos embargos de declaração, de que jamais disse na sentença que a vantagem indevida que Lula teria recebido em troca do imóvel no Guarujá tem ligação com contratos lesivos à Petrobras – o que era justamente a acusação do Ministério Público e que justificaria a competência da Vara de Curitiba para julgar o caso.

Sobre o acórdão publicado esta semana pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Silva Jardim enfatizou haver, logo no início do texto, um elogio à denúncia dos procuradores da Lava Jato. “Aquilo me causou espécie. Essa denúncia é uma das piores que eu, como promotor que fui por 31 anos, já vi”, disse, definindo a peça de mais de 100 páginas como “inepta”. “Fiz mais de 400 denúncias em 31 anos, nunca fiz uma com mais de dez páginas. Não precisa, não é necessário.” Segundo ele, ao ler a denúncia contra Lula, não se consegue entender ao certo qual é a acusação.

Como consequência, o professor critica o acórdão do TRF4 por parecer que se está condenando Lula por ter nomeado os diretores e gerentes da Petrobras. “O relator (João Pedro Gebran Neto) gastou um tempo enorme falando sobre isso, e isso não é objeto da imputação da acusação e, se não é objeto, Lula não tem que se defender disso.”

Os crimes

De modo didático, Afrânio Jardim explicou que o crime de corrupção passiva se refere a “receber vantagem indevida”, mas no acórdão e na sentença de Moro se diz que o imóvel foi “atribuído” e “reservado” a Lula.

“Isso não é crime. Se alguém reserva um imóvel pra mim, não pratiquei conduta nenhuma. Eles dizem que o imóvel foi ‘destinado’ ao Lula, que ele ‘queria’ e ‘desejava’ o imóvel, mas o verbo ‘receber’ não é usado e essa é a conduta penalmente típica.”

No caso, receber o imóvel seria ter a posse, o que não aconteceu, pois o apartamento tríplex está no nome da OAS, ou usufruir o imóvel, o que igualmente não ocorreu porque o ex-presidente Lula jamais passou sequer uma noite no apartamento.

Segundo o jurista, outra possibilidade para a acusação do crime de corrupção passiva seria dizer que Lula “solicitou” ou “aceitou” a vantagem indevida, dois verbos também previstos no Código Penal. Entretanto, ele pondera que, neste caso, a acusação não poderia incluir o crime de lavagem de dinheiro. “Eles forçaram uma acusação para depois fazer a imputação absurda da lavagem de dinheiro de algo que não foi recebido.”

Ainda sobre a lavagem de dinheiro, ele explica que Lula foi condenado neste crime por não ter transferido o imóvel para o seu nome, o que caracteriza uma conduta omissiva. Porém, o crime é tipificado no Código Penal como conduta comissiva (uma ação). “Não há prazo para a transferência. Posso fazer um contrato de compra e venda com o embaixador Celso Amorim, comprar um imóvel dele, e não registrar no registro de imóveis. O apartamento é dele ainda, e não tenho prazo pra registrar. Então a conduta omissiva é perpétua… é uma coisa inusitada.”  

Ato de ofício

No debate transmitido pelo Facebook, Afrânio Jardim abordou a polêmica da desvinculação que o TRF4 e o juiz Moro fizeram entre a indevida vantagem de receber um imóvel e o chamado ato de ofício causador do favorecimento.

“Tem que haver um ato ilegal do funcionário público e uma conexão com a indevida vantagem. É justamente por causa disso que a vantagem é indevida. A OAS pode me dar um apartamento, a Odebrecht pode me dar uma casa, e isso só será crime se for em razão de um ato de ofício, uma conduta comissiva ou omissiva que tenha praticado enquanto funcionário público. E essa prova não se faz”, argumenta. Novamente, ele lembra que o próprio juiz Sérgio Moro, nos embargos de declaração, afirma nunca ter dito que o recebimento do imóvel estava vinculado a algum ato ou contrato ilícito.

A questão da pena a qual foi sentenciado o ex-presidente também mereceu análise do jurista. Sérgio Moro inicialmente condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão, tempo depois aumentado pelo TRF4 para 12 anos e um mês. “Foi deliberado”, afirmou Afrânio. De acordo com o jurista, a pena por lavagem de dinheiro prescreveria e a pena por corrupção passiva, se ficasse em até oito anos, também estaria prescrita. “O tribunal sabe disso. E aumentou para evitar a prescrição. Isso é absolutamente censurável, para ser delicado e usar uma expressão suave.”

Assista à íntegra do debate:

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