Vazios

Secretários de Doria não se apresentam na Câmara para explicar ‘ração humana’

Segunda audiência pública convocada para esclarecer dúvidas sobre o projeto Alimento para Todos acaba frustrada

Rosanna Perotti/Divulgação

Em vez de ampliar as medidas que tiraram o Brasil do Mapa da Fome até recentemente, prefeito paulistano prefere oferecer alimento processado e favorecer empresas amigas, sem explicar devidamente as razões

São Paulo – Convidados para esclarecer dúvidas sobre a chamada ração humana, em audiência pública na Câmara Municipal paulistana, hoje (1º), os secretários Municipais de Assistência Social, Felipe Sabará, e de Direitos Humanos, Heloísa Arruda, não compareceram e nem apresentaram justificativas à Comissão de Administração Pública da casa. É a segunda atividade sobre o tema em uma semana que a gestão do prefeito João Doria (PSDB) ignora.

“Só o secretário da Educação (Alexandre Schneider) justificou que, como a ração não vai mais ser distribuída nas escolas, não tinha o que explicar. É um desrespeito com a população. Por que não querem discutir a situação da fome?”, questionou o vereador Alfredo Alves, o Alfredinho (PT), que convocou a reunião.

Na última sexta-feira (27), a Comissão de Saúde também pretendia discutir o assunto, mas a base de Doria esvaziou a reunião. “Nós também não tivemos resposta. O governo tem o dever de esclarecer as dúvidas, ainda mais em um programa como esse, que desrespeita o Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional entre outras políticas municipais e nacionais”, afirmou a vereadora Sâmia Bonfim (PSOL).

A nutricionista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Renata Levy lamentou a ausência do governo na reunião. “Queria ver alguém defender esse programa”, pontuou. “Alimentação é muito mais que um punhado de nutrientes. Se fosse só isso bastava fazer uma cápsula com aporte de nutrientes. Alimentar-se está relacionado com a cultura, regionalidade, etnicidade. Um produto alimentício ultraprocessado vai contra tudo que se avançou nesse tema”, afirmou.

Direito humano

O membro da comissão executiva do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comusan-SP) André Luzzi lembrou que as políticas da área consagram a alimentação “como direito humano e não caridade”. Para ele, Doria devia responder por improbidade administrativa por suas ações relativas à segurança alimentar. “A casa da agricultura ecológica de Parelheiros está abandonada, não tem apoio aos agricultores familiares, a revisão do Leve Leite ignorou os conselhos”, pontuou.

Entre as perguntas ainda sem resposta sobre a ração humana estão: Qual a informação nutricional do produto? Como o produto será produzido, se a Plataforma Sinergia não possui fábrica? Qual será o custo do município para a produção da ração humana? Qual o diagnóstico de segurança alimentar da capital paulista? Como e para quem o produto será distribuído?

A ideia da gestão Doria é receber doações de sobras de alimentos que seriam descartados pela indústria ou comércio e processá-los para produzir um “granulado nutricional” a ser distribuído para a população de baixa renda. Em troca, os “doadores” receberiam benefícios econômicos e isenção de impostos.

A Política Municipal de Erradicação da Fome e de Promoção da Função Social dos Alimentos foi estabelecida pela Lei 16.704/2017, sancionada em 8 de outubro. A partir dela, a prefeitura elaborou o projeto Alimento para Todos, em parceria com a Plataforma Sinergia, que consiste em produzir o “Alimento”, “um granulado nutritivo” que pode ser adicionado às refeições ou utilizado na fabricação de outros alimentos, como pães, bolos, massas e sopas. 

Em seu site, a Plataforma Sinergia informa ter desenvolvido “um sistema de beneficiamento de alimentos que não são comercializados pelas indústrias, supermercados e varejo em geral. São alimentos que estão em datas críticas de seu vencimento ou fora do padrão de comercialização, razões que não interferem em sua qualidade nutricional ou segurança”. Rosana Perrotta, executiva da entidade, trabalhou na Monsanto, grande fabricante de agrotóxicos e sementes transgências, e na Mead Johnson Nutrition, que produz suplementos alimentares e leites infantis artificiais.

Várias entidades já se manifestaram contra o programa de Doria: os Conselhos Federal e Regional de Nutricionistas, o Comusan-SP e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abraço), eentre outras.