DERROTA PARA RURALISTAS

Falta de quórum impede votação de MP do Funrural

Medida provisória tem só hoje para ser apreciada pela Câmara e Senado, o que é considerado impossível para parlamentares. Ausências de ontem refletiram insatisfações com benefícios para agronegócio

Gilmar Félix/Câmara dos Deputados

“Sanha gulosa” dos ruralistas ajudou na falta de quórum na sessão de ontem

Brasília – Por conta do trabalho da oposição e também pela própria insatisfação de aliados do governo com a matéria, a bancada ruralista teve de amargar, ontem (27) e hoje, o que está sendo encarado como derrota por vários parlamentares. Isso porque, depois de muitos pedidos e acordos com o Executivo para conseguir parcelar as dívidas do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), os empresários do agronegócio não conseguiram fazer com que o plenário da Câmara obtivesse quórum suficiente para votar a Medida Provisória (MP 793/17) que trata do tema.

Nesta terça-feira acaba o prazo de vigência da medida. Ou seja, o Planalto terá de reenviar para a Casa um novo instrumento legislativo sobre o Funrural, que pode continuar sendo uma MP ou um Projeto de Lei (PL), o que vai atrasar a vigência das regras e pode até alterar o que já foi aprovado.

Para muitos deputados, tanto da oposição como da base do governo, os grandes culpados pelo fato de a MP “caducar” – jargão usado para a perda de validade de uma medida provisória no Congresso – foi o que muitos chamam em reservado da “sanha gulosa” dos ruralistas. De última hora, eles resolveram modificar um texto já favorável ao setor para ampliar ainda mais os benefícios concedidos aos grandes produtores.

A MP institui o Programa de Regularização Tributária Rural perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, incluindo pessoas físicas, cooperativas e intermediários.

Anistia de dívidas

A relatora do texto na comissão especial criada para apreciar a MP, deputada Tereza Cristina (sem partido-MS), conseguiu aumentar ainda mais as facilidades previstas para o agronegócio. No seu formato original, a MP estabelecia que quem aderisse ao programa passaria a ter a obrigação de pagar ao menos 4% da dívida consolidada em até quatro parcelas mensais e liquidar o restante em até 176 meses.

Mas o relatório de Tereza, aprovado pela comissão especial no início do mês, reduz ainda mais a alíquota inicial a ser paga e propõe que o devedor pague entrada de apenas 1% do total da dívida (em vez dos 4% previstos). Outra mudança feita pela parlamentar foi a redução de 2% para 1,2% da alíquota da contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial.

Não satisfeita, a relatora estendeu o benefício ao empregador rural pessoa jurídica reduzindo as alíquotas de 2,5% para 1,2%, aumentou o parcelamento específico para as cooperativas e ampliou o prazo de adesão ao programa, de 29 de setembro para 20 de dezembro de 2017.

Para completar, anistiou as multas dos devedores destas entidades (pelo texto original, estas cooperativas devedoras teriam desconto de 25% do total das dívidas, não anistia total).

A MP foi encaminhada ao Congresso após forte pressão dos ruralistas junto a Michel Temer  porque o próprio Executivo era contra as regras diante do impacto de recursos nos cofres da União (estimado entre R$ 17 bilhões e R$ 18 bilhões). 

Com a proximidade da votação da segunda denúncia contra Temer e a cobrança constante dos deputados e senadores da chamada “Bancada do boi”, Temer resolveu atender aos pedidos, mesmo com declarações contrárias da parte do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. 

Ontem, dia “D” para a medida ser apreciada, a Câmara não conseguiu o registro dos 257 parlamentares necessários para votar a matéria. Mesmo com o pedido feito anteriormente pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que todos chegassem mais cedo esta semana a Brasília como forma de acelerar a votação de propostas pendentes na pauta, só 197 deputados compareceram à sessão – embora outros tenham chegado, mas preferido ficar recolhidos nos seus gabinetes.

‘Pequenos igualados aos grandes’

A grande polêmica em torno da MP é que os oposicionistas apoiam a renegociação das dívidas do Funrural, mas para que o benefício seja dirigido apenas aos pequenos produtores da agricultura familiar.

A base aliada do governo, sobretudo os ruralistas, tem destacado o contrário e argumenta que “o agronegócio é um só”. Motivo pelo qual, conforme este segundo discurso, “todos os produtores têm direito a ser beneficiados”.

Para muitos deputados “uma coisa é um pequeno produtor que tenha dívida de R$ 4 mil, outra é a empresa do agronegócio que possui dívida de bilhões ser anistiada. E falamos disso, num governo que vive enviando a esta Casa medidas de ajuste falando que precisa melhorar a economia”, argumentou o deputado Glauber Braga (Psol-RJ). Ao protestar ontem sobre o tema, Braga apresentou requerimento para retirada do texto da pauta do plenário da Câmara.

Também a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) disse que o texto original da medida provisória enviada pelo Executivo já se constituía no que ela qualificou como “grande pecado original”, por igualar grandes e pequenos. A parlamentar citou o fato de a relatora ter ampliado ainda mais os benefícios, de uma forma que só ajudará os grandes produtores.

“A MP já era absurda. Depois que o novo texto passou a perdoar todas as dívidas, todas as multas, e anistiar os grandes em todos os seus bilhões, passou a ser inadmissível”, afirmou.

Zarattini propõe PL

Partiu do líder do PT, Carlos Zarattini (SP) a sugestão de que, se o governo voltar a enviar a matéria para o Congresso na forma de um projeto de lei, mesmo que em regime de urgência, os oposicionistas poderiam aceitar fazer algum acordo sobre os itens do texto.

“A MP 793 é complexa e polêmica para ser votada em apenas dois dias pela Câmara e pelo Senado”, disse o petista. Zarattini também criticou a forma como se encontra o texto atual, que a seu ver, “não atende aos pequenos agricultores”.

O deputado Patrus Ananias (PT-MG), que é secretário agrário nacional do PT, classifica o relatório da deputada Tereza Cristina de “indecoroso”. Ananias reclamou, dentre vários itens, do fato de o texto promover uma “minirreforma” da Previdência para eximir ou reduzir as obrigações pecuniárias de agricultores e de grandes empresas rurais.

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