Eleições 2018

Prova para servidores de Alckmin ‘cutuca’ Doria: ‘Prefeito de Mil Maravilhas’

Questão em exame para funcionários públicos estaduais faz paralelo a gestor da capital paulistana, atração de recursos privados, falta de transparência e favorecimento de amigos empresários

Reprodução

Questão aplicada a servidores estaduais que realizaram concurso interno do governo paulista no último domingo

São Paulo – Uma prova aplicada a servidores estaduais no último domingo (12) pode se tornar mais um episódio na disputa de bastidores entre o governador paulista, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria, ambos do PSDB, pela indicação do partido para concorrer à Presidência da República em 2018. Isso por conta de uma aparente referência a Doria em uma questão sobre desrespeito aos princípios da administração pública, na parte do teste sobre Noções de Administração Pública. “O prefeito recém-eleito da cidade de Mil Maravilhas, pessoa muito popular, mas pouco habituada com a gestão pública, tomou a decisão de atrair recursos privados para seus projetos, da mesma forma como fazia com suas empresas privadas”, diz o trecho inicial da questão 41.

A pergunta segue: “Apenas o grupo de amigos empresários do prefeito investiu recursos, mesmo porque esse foi um assunto tratado no âmbito privado do gabinete do prefeito. Muito embora não houvesse má-fé entre o prefeito e os empresários locais, quais princípios da Administração Pública foram desrespeitados por esse prefeito?”. O destaque na palavra “desrespeitados” foi aplicado pela própria comissão organizadora da prova.

O teste foi organizado pela Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista (Vunesp), personalidade jurídica de direito privado criada pelo Conselho Universitário da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). A entidade organiza concursos públicos e vestibulares para o governo paulista.

Servidores que realizaram a prova identificaram na questão uma relação com o prefeito. “É muito claro que isso tem a ver com a briga política deles. Mas colocar isso em uma prova para servidores é um exagero”, descreveu o servidor que apresentou o documento à reportagem, pedindo para não ser identificado. 

O concurso interno foi aplicado para fins de promoção para as carreiras de Especialista em Políticas Públicas e Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas e para as classes de Oficial Administrativo, Oficial Operacional, Oficial Sociocultural, Analista Administrativo, Analista de Tecnologia, Analista Sociocultural e Executivo Público.

Alexandre Carvalho/A2img/Fotos Públicas
Geraldo Alckmin e João Doria travam disputa de bastidores para serem os indicados do PSDB para as eleições presidenciais, com alfinetadas recíprocas

A resposta para a questão aponta para possíveis práticas consideradas irregulares na administração pública. A alternativa correta era a letra C, conforme gabarito da prova. “Impessoalidade, na medida em que favoreceu seus amigos empresários; e Publicidade, pois não se divulgou a proposta de busca de recursos privados de maneira ampla, acessível e transparente”, diz o texto.

Os dois itens foram apontados em críticas à gestão Doria quanto às doações feitas por empresários para a capital paulista. Desde o início da gestão Doria enfatizou a contribuição das empresas, como a doação de medicamentos para distribuição nas farmácias de rede municipal de saúde – muitos deles bem próximos ao vencimento. Outras doações ocorreram, como uniformes para a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e câmeras de vigilância.

No entanto, reportagem do jornal Folha de S. Paulo demonstrou que do total anunciado (R$ 623 milhões em doações), apenas 8% foi efetivado até julho deste ano. Muitas empresas contavam na lista de doadores e não tinham qualquer processo instaurado para fazê-lo.

A disputa entre Doria e seu padrinho político se intensificaram no meio do ano, mas o revés no noticiário recente e nas pesquisas de intenção de voto para 2018 fizeram Doria recuar. No início de novembro já se especulava sobre a intenção do prefeito concorrer ao governo paulista ou ser vice de Alckmin na chapa presidencial

A RBA procurou o prefeito de São Paulo, João Doria, e o governador paulista, Geraldo Alckmin, para comentar o caso, mas até o fechamento da reportagem nenhum dos dois havia respondido.

A Fundação Vunesp negou qualquer relação entre a pergunta e o prefeito de São Paulo, conforme nota reproduzida abaixo:

“A Fundação Vunesp toma a liberdade de esclarecer que a sugestão, anotada no final da mensagem (enviada pela reportagem à entidade), ‘A questão pareceu ser uma crítica direta ao prefeito de São Paulo’, carece de correção. A bem da verdade, é exatamente o oposto. E essa afirmação é corroborada, no mínimo, pelas seguintes informações:

a) Até onde nos é dado conhecer, o Prefeito Dória jamais deixou de revelar seu propósito de buscar parcerias privadas para o fortalecimento de projetos para a gestão pública. Nesse sentido, a situação criada na questão apresentada na prova vai na direção oposta à linha de atuação do Prefeito de São Paulo.

b) Também não é desconhecido que a busca de parcerias pelo Prefeito Doria não se limita a empresas locais conforme descreve a questão 41, da supra citada prova. Por exemplo, a recente interlocução com os Emirados Árabes, também divulgada amplamente, escapa em absoluto, do caráter local que se identifica na questão proposta na prova.

Além disso, cabe ainda lembrar que a prova se destinava a investigar a capacidade do candidato de refletir sobre uma situação que lhe pode ser apresentada quando em exercício de sua função e que dele pode demandar parecer técnico que requer a capacidade de discernir exatamente os limites legais de atuação de um dirigente.

Desta forma, fica explicitado, com clareza que não há como nem porque atrelar à figura pública do Prefeito de São Paulo, tampouco às características da sua gestão, à situação proposta na Questão 41 da prova.”