Conferência da OAB

Advogados apontam perseguição, exclusão e ‘grampolândia’

Em conferência, profissionais criticam o que consideram desrespeito a princípios do Direito e a práticas profissionais dos advogados. Um deles acusou a presença de 'justiceiros' no meio judiciário

Eugênio Novaes/OAB

Conferência reúne milhares de advogados durante quatro dias: críticas a tentativas de limitar o exercício da profissão

São Paulo – No primeiro dia da 23ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, o que mais se ouviu foram denúncias e queixas de desrespeito à atuação dos profissionais, críticas ao Judiciário e mesmo comparações com o período autoritário. Um dos palestrantes chegou a se referir ao país como “grampolândia”, referência ao que considerou excesso no uso de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e muitas vezes usadas com fins midiáticos. 

Veterano defensor de presos políticos e ex-secretário da Justiça do Rio de Janeiro, o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva, afirmou que no período da ditadura, com ausência de habeas corpus e presos incomunicáveis, as visitas, quando ocorriam, podiam ser pessoais e reservadas. “Coisa que hoje não se consegue”, emendou.

“Hoje em dia a conversa é por telefone, instrumento que pode ser interceptado por terceiros”, disse Lins e Silva em mesa sobre as prerrogativas dos advogados. “Frequentemente, advogados são interceptados nas conversas com seus clientes – e são vazadas. Parece que a sociedade acaba se acostumando”, lamentou. “A conversa (com clientes) é por telefone, e não é pessoal, é diante de um vidro”, disse o advogado, que no final da palestra proporia, figurativamente, “quebrar as vidraças que nos separam dos clientes e arrancar os aparelhos telefônicos que escutam as nossas conversas”.

Ele fez críticas a decisões do Supremo Tribunal Federal que, a seu ver, comprometeram o direito à inviolabilidade do local de trabalho. “Um ministro da Corte Suprema autorizou a escuta ambiental em um escritório de advocacia porque um deles (dos advogados) estava sendo investigado. A Polícia Federal foi à noite com uma gazua e colocou escutas em todos os ambientes. Ficaram escutando todo mundo.”

Outra crítica foi feita a intimações para advogados prestarem depoimento, como em comissões parlamentares de inquérito, “sobretudo nessa onda delacionista”, acrescentando que o profissional tem “obrigação ética de não depor” e deve se recusar a fazê-lo.

O presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Jarbas Vasconcelos do Carmo, autor da expressão “grampolândia”, disse que depois de aproximadamente um ano percorrendo o país coletou ocorrências de ameaças e agressões a advogados, inclusive uma carta-bomba que feriu um deles. “Todo dia um colega nosso é preso por desacato. Nunca se prendeu tanto advogado”, afirmou. “Temos de enfrentar aqueles que não gostam da liberdade, de direito de defesa, que flertam com o Estado policial, com o Estado autoritário.”

Para o presidente da OAB de Sergipe, Henri Clay Santos Andrade, o país caminha em sentido contrário ao da Constituição de 1988, que determinou o rompimento com o Estado autoritário. Ao desvalorizar o advogado, afirmou, se ataca o direito à ampla defesa e se desprestigia a própria cidadania. “O que estamos vendo hoje é uma democracia formal”, disse Henri, para quem o arbítrio tem prevalecido.

Sem citar nomes, ele criticou a presença de “justiceiros” no Judiciário. “O juiz anti-ético não é o juiz corrupto, é o parcial, que que lesa a pátria, a Justiça, a democracia. Não podemos admitir o justiceiro. O que estamos vendo aí são juízes que falam mais de política do que de seus compromissos.” O advogado disse que o problema do país não é são as leis ou a Constituição, “está na falta de vergonha, seriedade e compromisso com os princípios republicanos”.

O vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Luis Cláudio da Silva Chaves, destacou a garantia da defesa como uma condição para o Estado democrático de direito. Ele falou em “frequente ofensa aos direitos sociais”, criticando os poderes Executivo e Legislativo, na medida em que “não validam as expectativas do voto popular”, e em ataques à advocacia, com desrespeito a princípios como presunção de inocência, processo legal, ampla defesa, direito ao contraditório e produção lícita de provas. 

Também criticou a exclusão do advogado em muitos processos, presumivelmente por fatores econômicos. “É uma excrescência deixar o advogado de fora para dizer que a justiça será mais célere. O Estado deve prover assistência jurídica (para quem precisa).” Para quem considera que os advogados “atrapalham”, Chaves reagiu: “Atrapalha o autoritarismo, a ilegalidade, ou quando o juiz quer ter o seu próprio CPC (Código de Processo Civil)”. 

A conferência continua nesta terça-feira (28), com a realização de mais de 16 painéis sobre temas como reforma trabalhista, diversidade sexual e de gênero, direito do consumidor, reforma tributária e crimes informáticos. O evento, realizado em São Paulo, termina na quinta (30).