Doria viajou

Para 64%, Doria fez menos que o esperado. E números comprovam: é verdade

Prefeito desdenha de resultados de pesquisa e culpa gestão anterior pela má avaliação. Mas números comprovam que ele executou mal o orçamento e, para se dedicar a ambições eleitorais, viajou mais do que devia

Facebook

Regina Duarte ao lado de Doria em ação de marketing. Tem medo, mas não tem vergonha

São Paulo – O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), reagiu de forma previsível ao resultado da última pesquisa do Instituto Datafolha que expôs a acentuada queda na aprovação do tucano na administração da maior cidade do país: culpou a gestão de Fernando Haddad (PT) por um suposto rombo orçamentário. Como a RBA mostrou em agosto, no entanto, o gestor tinha R$ 11 bilhões em caixa no mês de julho desse ano. Além disso, a prefeitura arrecadou R$ 800 milhões a mais no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado.

Pretenso candidato à presidência da República em 2018, embora desminta tal intenção publicamente em diversas ocasiões, Doria viu a avaliação ótimo/bom de sua gestão despencar doze pontos percentuais, de 44%, em fevereiro, para 32% este mês. Na contramão, a avaliação de ruim/péssimo do gestor dobrou: de 13%, em fevereiro, para 26%. Além disso, seu desejo de concorrer à presidência é rejeitado por 58% dos paulistanos. Mas o dado que chama mais a atenção é que, para 64% dos entrevistados, o prefeito fez menos do que era esperado.

Desde o início do ano, as ações da gestão Doria tem sido orientadas por um forte ajuste fiscal, com cortes e congelamento de orçamento em todas áreas, sobretudo as que mais atendem à população da periferia: educação, saúde, assistência social, transporte coletivo, cultura e limpeza urbana. O que contradiz uma frase repetida muitas vezes na formação de seu secretariado e logo no início do mandato: “vamos governar para quem mais precisa”.

A primeira área que sofreu um corte severo foi a da cultura. O prefeito congelou R$ 243 milhões (47%) do orçamento da área, reduzindo oficinas culturais para crianças e adolescentes, programas de formação teatral (Piá e Vocacional), além dos fomentos ao Teatro, à Dança, ao Circo, às Periferias.

Ainda no setor, o Programa de Valorização das Iniciativas Culturais, criado em 2004 para apoiar jovens de baixa renda em projetos socioculturais, sofreu uma redução significativa no número de projetos selecionados, em relação aos anos anteriores. Centenas de artistas e produtores culturais ficaram sem apoio e milhares de crianças e adolescentes foram excluídos dos programas.

Na saúde, uma das áreas mais mal avaliadas pela população, a grande vitrine do prefeito foi o Corujão da Saúde, criado para zerar a fila de exames médicos. A conclusão do programa foi anunciada em abril e banners afirmando que a meta havia sido alcançada apareceram no portal da prefeitura por meses.

Mas a realidade de quem precisa de exames é outra. Uma semana depois do anúncio, o El País revelava que 112 tipos de exames não foram contemplados pelo Corujão. A fila real, em março desse ano, era de quase 200 mil procedimentos.

Outros problemas perseguem o prefeito, muitos criados por ele mesmo. Como a redução de horário das Unidades Básicas de Saúde (UBS) no Jardim Miriam. Uma experiência mal aceita pela população, mas que ele pretende repetir no restante da cidade. Também não foi bem recebido por parte da população o fechamento de oito unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) em Itaquera, que serão transformadas em Unidades Básicas de Saúde (UBS). Com a mudança, na prática, o pronto atendimento deixa de existir nesses locais, que passam a fazer consultas agendas.

A distribuição de medicamentos doados por grandes laboratórios, mas que tinham data de validade muito curta, às vezes menor que seis meses, foi outra medida que causou impacto negativo. Ainda mais quando o prefeito aplicou 16% a menos do que Haddad na área.

Contestação em diversas áreas

O prefeito também repetiu a promessa mais antiga da educação em sua campanha: zerar a fila da creche e da pré-escola. A fila da creche chegou a 103 mil crianças, em junho deste ano. A da pré-escola, menos grave, foi equalizada em abril.

Para resolver o problema, a gestão Doria determinou o fechamento de salas pedagógicas, o encerramento do ensino integral em algumas unidades e abriu a possibilidade de aumentar o número de crianças por sala, em 2018, por meio de portaria publicada pela Secretaria da Educação. Ao mesmo tempo, pré-escolas da zona sul da cidade dispensam alunos por não ter professor. E muitas famílias não sabem mais o que é o Leve Leite.

Demonstrando pouca sintonia com as discussões sobre mobilidade urbana, o prefeito de São Paulo determinou cortes de 80 linhas de ônibus em toda a cidade e a remoção de vários trechos de ciclovias, sem qualquer diálogo com a população ou com os usuários de bicicletas. Mas cumpriu uma de suas promessas de campanha aumentando a velocidade máxima permitida nas marginais Pinheiros e Tietê, aumentando o número de acidentes e mortes nas vias, conforme aponta o jornal Folha de S. Paulo, ainda que a prefeitura negue que exista relação entre a medida e o aumento. Nem os semáforos escaparam da gestão problemática na área.

A administração ainda comanda um desmonte em políticas de assistência social, o que levou os servidores da área a protestar contra Doria. Organizações de atendimentos a crianças e a adolescentes na periferia estão tendo atrasos no repasse de verbas. Na região central, a retirada de pertences da população de rua voltou a ser cotidiana.

E o programa de Doria para enfrentar a questão do crack na região da Luz, que substituiu o De Braços Abertos, também é alvo de críticas. Segundo os conselhos de Medicina, Enfermagem, Psicologia, Políticas sobre Drogas, Defensoria e o Ministério Público, o Redenção não funciona.

Nada disso parece preocupar o prefeito, sempre muito presente em vídeos nas redes sociais. Questionado sobre sua intensa agenda de viagens, Doria afirmou que não precisa estar presente para administrar a cidade.

Mas a população parada no trânsito por conta de semáforos que não funcionam, que aguarda uma vaga em creche para o filho, que deixou de ser atendida no Leve Leite ou que ainda espera por um exame médico em uma fila anunciada como, não aceitam isso. Para 77% dos entrevistados do Datafolha, suas viagens só trazem benefícios para ele mesmo. Mas, pelo visto, nem tanto assim.