desorganização

‘A reforma política virou uma salada’, diz professor da UFABC

Para o cientista político Vitor Marchetti, as diversas ideias apresentadas no Congresso Nacional tornaram o debate confuso, mas há avanços como o fim das coligações

José Cruz/Agência Brasil

Reforma é o único meio do sistema político para recuperar sua credibilidade e a democracia do país

São Paulo – As discussões sobre a reforma política estão descoordenadas. Para o cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Vitor Marchetti, com o surgimento de novas ideias a cada semana e sem um objetivo certo, o debate se perdeu. “São inúmeras propostas, com pessoas tirando-as da cartola, sem saber de onde surgiu. Aí vota-se rapidamente em comissões e vai ao plenário. A reforma virou uma salada“, afirma em entrevista Rádio Brasil Atual, nesta segunda-feira (4).

Ele afirma que a desorganização tem que ser deixada para trás logo, pois a reforma é o único meio do sistema político para recuperar sua credibilidade e a democracia do país. “O debate está em um momento de falência das instituições, do fortalecimento da judicialização da política e do surgimento de heróis do Judiciário, que a gente nem vota. De alguma maneira, o sistema político tem que reagir, se não a democracia vai de mal a pior”, alerta.

Marchetti aponta que, apesar da falta de perspectivas, há pontos positivos aprovados na Câmara no âmbito da reforma, como o fim das coligações partidárias. “É um salto de qualidade em termos do que era possível se fazer para ajustar os problemas do sistema proporcional de lista aberta”.

O cientista político explica que um dos principais problemas do sistema atual das eleições proporcionais é de cunho informativo, já que o eleitor tem pouco controle sobre os efeitos de seu voto. “Ele vota em uma pessoa, mas também é para a lista inteira do partido. Isso é pouco claro na cabeça do eleitor. Quando você faz a coligação, a lista em que ele vota é ainda maior, ou seja, ele ajuda a eleger pessoas que ele não faz a menor ideia. A possibilidade de coligação é um dos elementos que favorece o puxador de voto, e essa mudança minimiza isso.”

Representatividade

Para Vitor Marchetti, o multi partidarismo no Brasil tem dois lados: aumenta a representatividade, mas fragmenta muito o Congresso Nacional. “O problema não é a quantidade de partidos. A representatividade de minorias é ótimo, mas precisamos combinar as duas coisas. Há a necessidade de representação, mas também as condições de se governar. Quando a gente fragmenta demais o parlamento, estamos inviabilizando que governos eleitos governem. Eles barram tudo.”

“A democracia precisa de partidos, mas eles precisam encontrar um caminho para que a gente não caia na situação de ter uma representação de cada um por si”, acrescenta o professor.

O especialista diz que a cláusula de barreira, aprovada em 1995, no Congresso, e barrada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2006, aumentou a proliferação de partidos no país e, caso estivéssemos com o texto em vigência, a situação poderia ser diferente. 

“A cláusula fez vários partidos se fundirem. Por uma década, os partidos foram se adaptando às regras que entrariam em vigor em 2006. Quando ela entrasse em vigor, seis partidos poderiam viver de forma robusta, o que seria um número razoável para formar um parlamento”, explica. 

Financiamento

Marchetti também comenta sobre o fundo público que destinaria R$ 3,6 bilhões para financiar as campanhas eleitorais – ponto que, no momento, está praticamente descartado no Congresso. Ele explica que só há dois meios democráticos para garantir a distribuição de recursos aos partidos: financiamento por meio de pessoas físicas ou de recursos públicos.

Segundo o cientista político, a opção do financiamento por doações de pessoas físicas é inviável a curto prazo. “Isso pode ajudar num engajamento maior do eleitor, mas teria que vencer uma estrutura do país que nunca incentivou esse tipo de coisa”, explica. O atual sistema também aumenta a disparidade na competição entre candidatos. “Se coloca um problema nos recursos oriundos de pessoas físicas, porque o próprio candidato pode ter a capacidade de se auto financiar. Um cara rico leva a melhor, então podemos criar condições desiguais”, diz.

“Quando falamos de fundo público de financiamento é para equilibrar as condições dos candidatos para acessar os eleitores. Em uma democracia, não é só quem detém capital que tem direito a representação, temos que garantir para os vulneráveis socioeconomicamente também. A representação política tem um custo que não pode espelhar as desigualdades da sociedade, senão reforçaremos mais essas desigualdades”, conclui o professor.

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