Entrevista

Vitor Marchetti: Por ‘estabilidade’, mercado aposta em Raquel Dodge ‘equilibrada’

Para cientista político, 'na Lava Jato de baixo (a de Sérgio Moro) foco dos juízes continua sendo o núcleo petista e a candidatura Lula. E a Lava Jato de cima (MPF, Raquel Dodge, STF) vai fazer o discurso da responsabilidade'

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge deve atuar para dar segurança ao mercado

São Paulo – A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que assumiu na última segunda-feira (18), deve imprimir ao Ministério Público Federal e à operação Lava Jato mais “responsabilidade”, como contraposição à atuação de Rodrigo Janot, que deixou a imagem de alguém que produziu uma instabilidade institucional e política prejudicial aos interesses de grupos econômicos que sempre depositaram as fichas nas reformas do governo de Michel Temer. A análise é do cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, em entrevista à RBA“Dodge vai tentar reforçar a imagem de que é uma figura mais equilibrada.”

O “voluntarismo ‘perigoso’” (para esses agentes do mercado) da Procuradoria-Geral da República sob o comando de Janot dá lugar, com Raquel Dodge, a um “discurso de agir com responsabilidade”. “Na Lava Jato de baixo, os juízes de primeira instância continuam focados no núcleo petista e na candidatura do Lula. E a Lava Jato de cima (Ministério Público Federal, Raquel Dodge, Supremo Tribunal Federal), que pegava outros atores, vai fazer o discurso da responsabilidade.” 

Na opinião de Marchetti, o novo discurso vai no sentido da defesa da estabilidade econômica do país. “Acho que esse discurso começa a predominar. O modo como Janot saiu reforça esse discurso, de que é preciso de fato uma ponderação. Esse vai ser o tom.”

reprodução / you tube
Marchetti: Novas denúncia vão surgir, talvez agora com menos “irresponsabilidade”

A ponderação na atuação da PGR não significa que a Lava Jato não continuará dando dor de cabeça ao governo, avalia Marchetti. “Não é que ela vai ser controlada para agir só nos interesses do governo, mas vai ser uma ação mais discreta.”

Dos oito nomes que farão parte da força-tarefa da Lava Jato na PGR já comandada por Raquel Dodge, apenas dois são remanescentes da gestão de Janot.

Raquel Dodge está entrando na Procuradoria-Geral da República, ao que parece mudando toda a Lava Jato, o STF encaminhou a denúncia contra o Temer à Câmara. O que se pode esperar até o final do ano?

As coisas estão se realinhando. Novas denúncia vão surgir, a Lava Jato vai continuar produzindo efeitos. Talvez agora com menos “irresponsabilidade”. Os que estão defendendo a agenda econômica liberal também cobram do sistema político e do Judiciário um pouco de estabilidade para levar à frente o que eles entendem por estabilidade econômica. Uma parte dos atores no mercado está cobrando um pouco de estabilidade política – e estabilidade política passa por alguma estabilidade também dos atores judiciais.  

O que acho que a Raquel Dodge vai fazer é um pouco nessa linha, com o discurso de agir com responsabilidade. Os últimos acontecimentos envolvendo Janot foram para mostrar que havia uma instabilidade, um voluntarismo ‘perigoso’ vindo do Ministério Público, o que vai dar mais condições para Raquel Dodge para marcar uma coisa de mais ponderação com responsabilidade. Isso vai soar um pouco como um freio no ímpeto das investigações. O contexto é um pouco esse, de parar de pôr lenha na fogueira.

Na Lava Jato de cima, acho que esse discurso vai pegar. Na Lava Jato de baixo, os juízes de primeira instância continuam focados no núcleo petista e na candidatura do Lula. E a Lava Jato de cima – Ministério Público Federal, Raquel Dodge, Supremo Tribunal Federal –, que pegava outros atores, vai fazer o discurso da responsabilidade. Essa Lava Jato de cima começa a fazer um discurso mais pró-estabilidade, em favor do desenvolvimento e estabilidade econômica do país. Acho que esse discurso começa a predominar. O modo como Janot saiu reforça esse discurso, de que é preciso de fato uma ponderação, agir com responsabilidade. Esse vai ser o tom.

O papel de Janot ficou claro ao terminar sua gestão?

Janot reforçou a imagem de que na Lava Jato de cima tinha um quê de irresponsabilidade na ação, de produzir mais instabilidade institucional e política, prejudicando os interesses de alguns grupos econômicos que depositavam suas fichas nas reformas. Do ponto de vista da imagem, ele sai marcado, rotulado como um cara que agiu de modo “irresponsável”.

Raquel Dodge tem sido vista por alguns setores como “aliada” de Temer. Essa avaliação procede?

Nos meios de comunicação da grande mídia, o discurso dos analistas econômicos e políticos é um pouco dizendo que Raquel Dodge tem um histórico de profissionalismo, que foi uma das primeiras procuradoras a colocar políticos na cadeia, que ela tem uma atuação que não corresponde a essa imagem de se dobrar ao interesse político. Há uma contranarrativa de tentar colocar na conta dela um profissionalismo muito maior do que em relação ao Janot. E desapareceu o fato de ela ter sido segunda da lista, das relações que tem com Temer etc. Isso tem aparecido, mas de forma marginal. Estamos muito mais na direção de reforçar o profissionalismo dela, a atuação equilibrada, do que na direção de criar mais instabilidade. Pelo menos essa é a aposta que me parece que os agentes da grande imprensa e do mercado estão fazendo.

A Lava Jato, como um todo, “está ameaçada”, como alguns analistas dizem, ou ainda não dá para falar isso?

Acho que não dá para falar nisso agora. A Lava Jato de baixo continua produzindo efeitos. Isso é celebrado por uma parcela da sociedade e da imprensa. Mas ela está circunscrita aos atores ligados ao PT, ao Lula, à figura do Lula, e essa Lava Jato vai continuar atuando.

A Lava Jato do Moro…

A do Moro, do Dallagnol, do Ministério Público de Curitiba… A parte de cima vai ter alguma ação, mas muito menos intensa e impactante do que estava acontecendo até agora. Acho que agora vai ter um controle muito mais forte sobre vazamentos, como já tem acontecido. Nos últimos anos, a cada dia tinha um vazamento diferente sobre alguma coisa. Agora acho que vem um controle mais forte. O discurso vai ser: ‘não é que a Lava Jato deixou de fazer seu papel, a gente só está agora botando mais equilíbrio, porque não é adequado ficar vazando delação, vazando áudio’. Ela (Dodge) vai tentar reforçar essa imagem de que é uma figura mais equilibrada.

E de que a Lava Jato é séria.

Exato, ela continua produzindo efeitos sem produzir efeitos. O Temer fica até o fim do governo, e vai-se criar algum nível de maior estabilidade para o governo, porque interessa aos agentes do mercado.

Então você avalia que Temer fica até o fim do mandato…

Acredito que sim. Os movimentos políticos que eles fizeram foram muito intensos no sentido de segurar esse núcleo politico, fazer as alianças corretas, segurar a ‘Lava Jato de cima’ do seu ponto de vista mais incontrolável. O discurso da profissionalização da Lava Jato, do equilíbrio, vai um pouco nessa linha. Não é que ela vai ser controlada para agir só nos interesses do governo, mas vai ser uma ação mais discreta. Não vai dar menos dor de cabeça ao governo, do ponto de vista político.

Como boa notícia política, o “distritão” dançou na Câmara…

O “distritão” dançou, felizmente, mas o risco é que não se aprove mais nada. O bode ficou na sala por muito tempo e quando você tira o bode da sala não sobrou nada. Não fazer reforma nenhuma é ruim.