Caravana

Lula: ‘Fome por causa da seca era safadeza de quem governou este país’

Na chegada ao Piauí, penúltimo estado nordestino percorrido pela caravana Lula pelo Brasil, estrada de Marcolândia parou para receber ex-presidente em visita ao maior parque eólico do país

Ricardo Stuckert

Na entrada de Marcolândia (PI), uma cena que já virou rotina na caravana: a estrada tomada por uma multidão

Marcolândia – Francisco Motta da Costa, 48 anos, é encanador industrial. “Mas estou parado há quatro anos porque desde que Lula saiu não tem mais empregos para as pessoas do Nordeste”, conta. “A Refinaria de Abreu e Lima, no Pernambuco, onde a gente trabalhava, está parada há muito tempo.” Ele era um dos milhares de trabalhadores que esperavam desde cedo sob sol forte para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Marcolândia, cidade do Piauí onde fica uma das unidades do maior parque eólico do país.

O ato “Mais Energia para o Brasil e o Piauí Crescerem” teve início por volta de 11h30 da sexta-feira 1º de setembro, 16º dia da Caravana Lula pelo Brasil e o primeiro no estado. Antes, a comitiva teve de parar na entrada do município. Numa cena que já se tornou tradição na caravana, a estrada tomada de gente impedia a passagem da caravana. Lula desceu, acenou e saudou o povo, antes de seguir para o ato.

“Todo mundo está aqui para ouvir Lula, porque ele é um guerreiro dos nordestinos e a gente só vai pra frente se ele melhorar o Brasil”, afirmou Francisco. “A energia eólica melhorou muito a vida dos agricultores e eu acho que isso é uma das coisas melhores que foram feitas na região.”

A agricultora de 79 anos Joana Rosa Rodrigues estava na “fila do gargarejo”. Desde as 8h esperava pelo ex-presidente. “Gosto muito dele e sempre quis ver. Não ia desistir.” Ela estava acompanhada de uma filha, dos nove que já teve. “Dois morreram: um tinha 1 ano, o outro 7 meses. Naquele tempo não tinha recurso, medicamento, as crianças ficavam doentes e morriam”, contou, com a naturalidade de quem convive com o sofrimento a vida inteira.

Joana foi uma das beneficiárias do programa de casas populares que atendeu especificamente os agricultores do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Cláudia Motta/TVT/RBAFranciso e Joana
Francisco Motta da Costa e Joana Rosa Rodrigues quiseram ver Lula de perto

Chapéu de presente

“Tenho orgulho de dizer que aqui tem muitos agricultores e agricultoras que, em plena seca, depois de cinco, seis anos, conseguem tirar alguma renda da roça, de um salário mínimo, sem precisar sair de sua terra, graças ao PAA. Você nos tirou da condição às vezes desumana e indigna, de ser o sujeito do fazendeiro ou do fulano de tal, nos possibilitando um pedaço de terra pra gente morar e produzir”, disse a Lula, Maria Casé, representante dos movimentos sociais, hoje formada geógrafa pela Universidade Federal do Piauí.

“Eu, como esse povo que está aqui, te amamos muito. E nosso amor é justamente porque até um tempo atrás nós éramos ‘nordestinados’, injustiçados e tratados com indiferença. Mas hoje nós somos muito bem servidos de alegria, vida boa, dignidade. Você nos ajudou a sair da tapera. Você nos tirou da miséria, possibilitando que nossas crianças tenham escola e alimento tanto em casa quanto nas escolas. E não vivemos mais no escuro porque esse homem aqui também nos possibilitou sair da escuridão, com o Luz para Todos. Me permita mandar um recado para essa elite desse país: se inventar de tocar no Lula, vamos arrancar de onde ele for encarcerado. Se inventarem de mexer com Lula, mexem com milhões de brasileiros e brasileiras.”

Amor e orgulho são sentimentos que andam juntos por aqui. O vaqueiro Chico Boi mandou seu chapéu para Lula por meio da amiga Maria Casé e foi chamado para o palco pelo ex-presidente. Não se conteve de tanta emoção e nos braços de Lula, também muito emocionado, disse: “tenho 32 anos, tenho orgulho de ser brasileiro, e do Lula, que foi quem deu a melhor moradia para nós que somos assentados. E temos orgulho do que nós somos porque foi Lula e Dilma que deram oportunidade pra gente.”

Em seu discurso, o ex-presidente lembrou da “indústria da seca” e destacou a relação entre a miséria e os interesses de parte da classe política. “Eles diziam que a seca não tinha jeito, que era um problema. Eu, com a minha ignorância, descobri que a seca era um fenômeno da natureza, mas a fome por causa da seca era safadeza de quem governou esse país e nunca ligou para o povo pobre.”

Ricardo StuckertWellington Dias e Lula
O governador Wellington Dias e o prefeito Chico Pitu. “Depois você me conta por que esse nome”, brincou Lula

Números que transformam

O ato em defesa da energia limpa e do desenvolvimento econômico do estado contou com a participação de vereadores, deputados estaduais e federais, do governador Wellington Dias, da senadora Regina Sousa e do prefeito Francisco Pedro de Araújo (PT), o Chico Pitu. “Depois você me conta por que esse nome”, brincou Lula.

Dias destacou que antes de Lula o dinheiro do Brasil só ia para os mais ricos. “Muitas vezes a rede elétrica passando em cima da casa do pobre e não se botava energia. Foi no seu governo que se teve o mais estratégico programa de energia com a nossa presidenta Dilma Rousseff como ministra das Minas e Energias no seu primeiro mandato. E ela veio lançar o programa Luz para Todos no estado do Piauí porque era o estado brasileiro que tinha mais gente na lamparina.”

O prefeito comemorou a visita inédita do ex-presidente. Ele considera que o Brasil e sua cidade podem ser divididos em “antes de depois” do Lula. “Esta é a pura realidade.” Para Chico Pitu, a construção do parque eólico, inaugurado em junho, terá um novo e grandioso impacto na realidade local. “O financiamento da construção do parque eólico foi o maior investimento já feito no município de Marcolândia. Os arrendatários das terras, que possuem as torres dos aerogeradores, são os mais beneficiados. Cada proprietário, por exemplo, recebe, em uma média mensal por torre, de R$ 1.300,00 a 1.500,00”, explica.

O Complexo Eólico Ventos do Araripe III, na fronteira entre Piauí e Pernambuco, é um dos maiores da América Latina. Recebeu investimentos de R$ 1,8 bilhão e envolve 14 parques: nove no Piauí – um em Marcolândia – e cinco em Pernambuco. De acordo com a Casa dos Ventos, empreendedora do complexo, a implantação das usinas criou aproximadamente 1.500 empregos diretos, com prioridade para mão de obra local.

Wellington Dias disse certa vez em entrevista à Revista do Brasil que quando assumiu o governo do Piauí pela primeira vez, em janeiro de 2003, se deparou com um estado de economia e autoestima em baixa: o PIB local era de R$ 7 bilhões, e chegou aos R$ 38 bilhões em 2015, graças a uma taxa consistente de crescimento superior à média nacional. Pesquisas locais apontavam que apenas metade da população, mais precisamente 51%, se dizia orgulhosa de ser piauiense no início da década de 2000. No início da década atual, essa taxa de autoestima estava em 90%.

Segundo Dias, o Piauí terminou o século 20 na condição de estado mais pobre do Brasil – IDH (que vai de 0 a 1) na casa de 0,5 – e chega atualmente 0,713 – à frente de Maranhão e Alagoas. Ele afirmava que essa movimentação econômica veio acompanhada de um plano de modernização baseado em 40 metas relacionadas à qualidade de vida, algumas já atingidas. Ao deixar o governo em 2010 (cargo que ocuparia de novo em 2014, após quatro anos como senador), Dias comemorava ter alcançado, em oito anos, algo que seria uma novidade no Brasil: “O acesso a todo o ciclo de educação, da pré-escola à pós-graduação, nos 224 municípios do Piauí”.

A caravana Lula pelo Brasil chegou ao estado nesta sexta-feira (1º) pelo município de Marcolândia, sudeste piauiense. A cidade de 7.154 habitantes fica a 420 quilômetros de Teresina e ocupa uma fatia da Chapada do Araripe. A altitude de 758 metros em relação ao nível do mar, a maior do estado, alivia um pouco o clima semiárido, graças sobretudo aos ventos. É exatamente esse ar em movimento que fez da região um importante polo de investimentos do estado em energia eólica.

De Marcolândia, a caravana mais uma vez improvisou paradas, em Alegrete do Piauí e  em Campo Grande do Piauí, no trajeto até a chegada em Picos, onde seus integrantes pernoitarão. Danmy Souza, professor que se formou em História e Pedagogia graças ao regime de cotas – “ter acesso a essa oportunidade me fez crescer muito profissionalmente” – estava em Campo Grande para realizar um “sonho político”, de “tocar a mão de Lula”.

Neste sábado (2), o ex-presidente visita a Casa Apis e participa do ato “Empreendedorismo para Mais Emprego”. A cidade de Picos é o maior polo produtor de mel do país e abriga dezenas de empreendimentos coletivos solidários e cooperativas. No fim do dia, chegam a Teresina, onde cumprirão agenda no domingo e na segunda – quando Lula receberá mais um título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Federal do Piauí.

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